2ª VRP|SP: Pedido de Providências – Tabelionato de Notas – Emolumentos – Mandado de Segurança que somente acolheu o recolhimento do tributo pelo valor venal – Emolumentos que deve recair sobre o maior valor – Artigo 7º da Lei 11.331/2002 – Interpretação acertada – Procedimento arquivado.

Processo 1037055-27.2021.8.26.0100

Pedido de Providências

Registros Públicos

A.S.M.

A.A.R.

T.N.C.

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio

VISTOS,

Cuida-se de pedido de providências formulado por A. A. R. e A. S. M., em face da Senhora XXª Tabeliã de Notas da Capital, por meio do qual se insurgem ante a cobrança de emolumentos com base no valor venal de referência do imóvel ao revés do valor do negócio jurídico pactuado, alegando inconstitucionalidade na exigência monetária efetuada. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 11/50.

A Senhora Tabeliã prestou esclarecimentos, às fls. 54/75.

Os Senhores Representantes apresentaram sua réplica às fls. 77/85, reiterando os termos de seu protesto inicial.

A i. Representante do Ministério Público ofertou parecer às fls. 89/91, opinando pelo indeferimento do pedido e pela inexistência de indícios de falha na prestação do serviço ou ilícito funcional pela Senhora Tabeliã, com o consequente arquivamento da representação.

É o relatório. Decido.

Tratam os autos de representação formulada pelos Senhores A. A. R. e A. S. M., em face da Senhora XXº Tabeliã de Notas da Capital, insurgindo-se ante a cobrança dos emolumentos relativos a ato notarial sobre o valor venal de referência da transação imobiliária ao revés do valor do negócio jurídico pactuado, alegando inconstitucionalidade na cobrança efetuada.

Verifica-se dos autos que os Senhores Representantes impetraram mandado de segurança contra a Prefeitura de São Paulo questionando a cobrança do ITBI sobre o valor venal de referência, ao revés do valor da efetiva transação imobiliária, cuja arrematação se dera por monta muito inferior à soma estabelecida pela Municipalidade.

Em decisão liminar, o pleito foi deferido para que o imposto seja pago sobre o quantum quitado no arremate (e somente quando do registro junto à Serventia Imobiliária, ao revés da apresentação da quitação no ato da lavratura da Escritura Pública, como de praxe nas NSCGJ).

Dessa forma, por meio do presente pedido de providências, pretendem os Senhores Representantes que o mesmo entendimento ou a mesma decisão seja aplicada à cobrança dos emolumentos pela Senhora Tabeliã, no sentido de que a Notária efetue o cálculo do valor devido à serventia, à título de Emolumentos pela Escritura de Compra e Venda, pelo montante da arrematação ou, sucessivamente, do IPTU e não, como compreende a d. Delegatária pela aplicação da tabela de custas, pelo Valor Venal de Referência.

Alegam os Senhores Representantes que a Lei de Custas Extrajudiciais (Lei 11.331/2002) não menciona que a cobrança dos emolumentos deva se dar sobre o Valor Venal de Referência e, ademais, sustentam que a exigência é inconstitucional, conforme declarada pelo c. Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, na AI nº 0056693-19.2014.8.26.0000.

A seu turno, a Senhora Tabeliã defendeu seu posicionamento, no sentido de que o artigo 7º da Lei 11.331/2002 estabelece claramente que a cobrança incide sobre o maior valor entre aqueles que se apresentarem possíveis, haja vista as diferentes bases de cálculos que são estabelecidas pelas eventuais diversas entidades credoras.

No mesmo sentido, referiu que a alegada inconstitucionalidade da cobrança, conforme decidida nos autos mencionados pelos Senhores Representantes, não se revestiu de eficácia erga omnes, de modo que não houve a exclusão da regra do ordenamento jurídico.

Com efeito, deduziu a Senhora Delegatária que, correta ou não a exigência, o Notariado se detém adstrito a ela, uma vez que deve observar a o princípio da legalidade estrita, como serviço público delegado.

Em réplica, os Senhores Reclamantes mantiveram sua insurgência, protestando pela cobrança dos emolumentos sobre o valor do negócio jurídico efetivamente aventado ou, alternativamente, pelo valor lançado a título de cobrança de IPTU.

Pois bem.

Respeitados os elevados argumentos deduzidos pelos Senhores Representantes, o pedido, tal qual formulado diante desta estreita via administrativa, não merece guarida.

A redação do artigo 7º da Lei 11.331/2002 é clara. In verbis:

Artigo 7º – O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea b do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior:

I – preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes;

II – valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;

III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis.

Parágrafo único – Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea b do inciso III do artigo 5º desta lei. [grifo meu]

Vejamos que, no presente caso temos três valores em embate para a propriedade:

(i) o montante da arrematação (R$ 949.620,01 fls. 02) versus o (ii) valor venal de referência (R$ 2.005.749,00 fls. 02) versus (iii) o valor tributário para fins de cobrança de IPTU (R$ 1.357.052,00 fls. 05).

Assim, deduz-se da interpretação do referido artigo que, havendo mais de um valor repousando sobre o bem, como é o caso ora em análise, a cifra a ser considerada para a cobrança, isto é, para enquadramento na tabela de custas, será aquela de maior volume, ou seja, nesta situação, o valor venal de referência.

Aqui não há que se mencionar o valor venal de referência, basta a lei mencionar que a cobrança será efetuada pela maior monta, seja ela qual for.

Noutro turno, a alegada inconstitucionalidade do valor venal de referência, declarada nos autos da ação de nº 0056693-19.2014.8.26.0000, aplica-se somente em contexto específico no caso de base de cálculo para a cobrança de imposto, o ITBI, em situação referenciada pela Lei Municipal 11.154/1991, não se afetando a situação de cobrança de taxas descritas pela Lei Estadual de Custas e Emolumentos Extrajudiciais. São situações e âmbitos diversos.

Outrossim, como bem apontado pela Senhora Tabeliã, os emolumentos extrajudiciais tem natureza jurídica tributária de taxa, sendo assim regulados e estabelecidos legalmente.

Quanto a isso, detalha Paulo de Barros Carvalho:

“Anuncio, desde logo, que perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada “emolumentos”, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa. (…) As atividades notariais e de registros configuram prestação de serviço de natureza pública delegada a particulares. Essa delegação, porém, não tem o condão de alterar a natureza jurídica desse serviço, que permanece público. Trata-se de atividade administrativa consistente em garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (art. 1º da Lei n.º 8935/94), devendo, nos termos do art. 236, da Constituição da República, ser delegados a pessoas físicas, mediante concurso público de provas e de títulos, ou por meio de remoção, para os que já forem titulares de serventias” (CARVALHO, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05/06/2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo SINOREG/SP. Disponível pelo site: https://www.Anoregsp.Org.Br/pdf/Parecer_ PaulodeBarrosCarvalho.Pdf.).

Assim, diante da natureza jurídica tributária dos emolumentos, certo é que eventual alteração em sua cobrança somente poderá ser veiculada através de lei específica, conforme disposição expressa do artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, o que inocorre no presente caso:

“Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”

Com efeito, considerando-se a natureza jurídica tributária dos emolumentos, não cabe à Senhora Tabeliã escolher como ou quanto cobrar. Tampouco lhe cabe descontar valores ou reconhecer, por analogia, eventual inconstitucionalidade de lei ou artigo que altere o modo ou forma de cobrança, em sua prática diária, uma vez que os Delegatários de Serventias Extrajudiciais, por se enquadrarem como prestadores de serviços públicos, estão constritos ao princípio da legalidade estrita (art. 37 da CF).

O mesmo se aplica a esta Corregedoria Permanente que, por seu caráter administrativo, não pode reconhecer eventual inconstitucionalidade de lei ou artigo ou deixar de aplicar ou observar regramento incidente sobre as matérias que lhe são afetas.

Por fim, há que se dizer que a liminar concedida no writ visa coibir suposto ato abusivo emanado da Prefeitura Municipal, em nada relacionado à normativa que rege a Tabela de Custas e Emolumentos à qual a Senhora Tabeliã observa. Inclusive, a negativa da pretensão de que os emolumentos extrajudiciais fossem cobrados sobre o valor do arremate, e não sobre o valor referencial, já constou da própria decisão do MM. Juízo da Vara da Fazenda, em relação ao Registrador Imobiliário, cuja aplicabilidade se dá, igualmente, à i. Notária, posto que regulada pela mesma Lei de Custas:

“Ressalvo apenas que a pretensão de seja determinado ao Registrador qeu observe a mesma base de cálculo determinada em relação ao tributo não é devida, pois, alem de este não ser parte nesta ação, os emolumentos cartorários são cobrados de acordo com o que estabelece a LE nº 11.331/02, portanto, a autoridade impetrada não pratica nenhuma conduta nem tampouco exerce qualquer atividade voltada à definição do seu valor e da sua cobrança. (…)”. (cf. Fls. 33 destes autos).

Ulteriormente, destaco que a exigência pela Tabeliã, do pagamento do ITBI, para a lavratura do Escritura de Compra e Venda, dispensada pelo MM. Juízo da Vara da Fazenda, em pertinente decisão dentre de sua capacidade jurisdicional, se encontra correta e em consonância com o regramento incidente sobre a matéria, nos termos do item 15, “b”, e 60, “f”, do Cap. XVI, das NSCGJ.

Bem assim, é certo que a atuação pela Senhora Notária não traz nada de irregular ou incerto, não havendo que se falar em falha na prestação do serviço ou responsabilidade funcional que enseje a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar; do contrário, a d. Delegatária se manteve atenta a sua responsabilidade legal de observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício, fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que deva praticar e seguir as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente, em conformidade ao artigo 30 da Lei 8.935/1994. Destarte, diante desse painel, respeitados os elevados argumentos deduzidos pelos Senhores Representantes, mas os afastando, com a concordância do Ministério Público, indefiro o pedido inicial, nesta via administrativa, por todos os argumentos acima relacionados, devendo a cobrança dos emolumentos ser mantida nos termos do artigo 7º da Lei 11.331/2002, isto é, pelo maior valor entre as bases de cálculo apresentadas pelas entidades credoras. Nessas condições, à míngua de providência censório disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos.

Ciência à Senhora Tabeliã e ao Ministério Público.

Encaminhe-se cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente decisão como ofício.

P.I.C.

(DJe de 14.05.2021 – SP)