1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Escritura de Inventário e Partilha – Herdeiro renunciante – Indisponibilidade em nome dele – Renúncia à herança tem efeitos ex-tunc, não tendo que se falar em indisponibilidade da parcela dos imóveis que cabia ao suscitado – Dúvida improcedente.

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1026910-09.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS

Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Rubens do Nascimento Goncalves Neto

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Vivian Labruna Catapani

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Rubens do Nascimento Gonçalves Neto, após negativa de registro de escritura pública de inventário e partilha de bens deixados pelo genitor do suscitado, entre eles os imóveis objeto das matrícula nº.s 110.216 e 110.217.

O título foi desqualificado em virtude do registro de indisponibilidade dos bens do herdeiro renunciante e ora suscitado, em data anterior ao óbito e à lavratura do título, o que, segundo o Oficial Registrador, impede o registro da partilha. Isso porque, em decorrência do princípio da saisine, a herança foi transmitida ao herdeiro com a abertura da sucessão, logo, incide a indisponibilidade de bens ao caso. Assim, deve o interessado requerer, na vara que originou a indisponibilidade, seu cancelamento, para baixa na CNIB.

O suscitado argumenta (fls. 65/72), por seu turno, que a o autor da herança faleceu em 14.09.2020, ao passo que a escritura de inventário foi lavrada em 16.11.2020, dentro do prazo para recolhimento do ITCMD sem a incidência de multa. Alega que, com a renúncia do herdeiro, houve efeito ex tunc, retroagindo até a data da abertura da sucessão, como se o herdeiro nunca houvesse participado da sucessão. Junta documentos (fls. 73/96).

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 100/103).

É o relatório.

Decido.

Em que pesem o zelo e diligência do Oficial e do Promotor de Justiça, entendo que a dúvida é improcedente.

Extrai-se dos autos que as ordens de indisponibilidade, em face do suscitado, derivaram da 3a Vara Federal de Execução do Espírito Santo, tendo sido cadastradas em 07.07.2017 e 25.09.2017.

Parcelas ideais dos imóveis objeto de partilha, matriculados sob nºs 110.216 e 110.217 (fls. 4/11), foram adquiridas pelo genitor do suscitado, Rubens do Nascimento Gonçalves Filho, em virtude de partilhas ocorridas em 1987, 1997 e 1999, não tendo sido abarcadas, por óbvio, pela indisponibilidade decretada em face do suscitado.

Conforme ensina Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

“A sucessão considera-se aberta no instante mesmo ou no instante presumido da morte de alguém, fazendo nascer o direito hereditário e operando a substituição do falecido por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que aquele figurava. Não se confundem, todavia. A morte é antecedente lógico, é pressuposto e causa. A transmissão é consequente, é efeito da morte. Por força de ficção legal, coincidem em termos cronológicos, (1) presumindo a lei que o próprio de cujus investiu seus herdeiros, (2) no domínio e na posse indireta, (3) de seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo. Esta é a formula do que se convenciona denominar droit de saisine” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões brasileiro: disposições gerais e sucessão legítima. Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida no novo Código Civil). Conforme entendimento proferido por esta Corregedoria Permanente nos autos da dúvida n. 1079195-18.2017.8.26.0100:

“Logo, os bens do de cujus são transmitidos automaticamente aos herdeiros no momento de sua morte, dependendo da aceitação ou renúncia a estes direitos, retroagindo seus efeitos à data da abertura da sucessão, ou seja, “ex tunc”.

Na presente hipótese tem-se que os imóveis, objeto das matrículas nºs 65.431 e 65.432 não ingressaram no patrimônio do suscitado, bem como não foram incluídos dentre os bens atingidos pela indisponibilidade. Entendo que a alegação do registrador de que a renúncia pode encobrir alienação disfarçada, deverá ser aventada pelos credores nos autos da Ação Civil Pública, tratando-se de matéria estranha ao procedimento administrativo.

Logo, o óbice registrário imposto pelo Oficial deverá ser afastado, para que se proceda o registro do título apresentado.”

Nesses termos, tendo a renúncia à herança efeitos ex-tunc, não há que se falar em indisponibilidade da parcela dos imóveis que cabia ao suscitado.

Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Rubens do Nascimento Gonçalves

Neto, e consequentemente afasto o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 06 de maio de 2021.

Vivian Labruna Catapani

Juíza de Direito

(DJe de 10.05.2021 – SP)