1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Inventário e partilha – Desigualdade nos quinhões imobiliários – Universalidade do patrimônio – Divisão equânime – Dúvida improcedente.

Processo Digital nº: 1017751-42.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Candido Botelho Bracher e outros

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Vivian Labruna Catapani

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Candido Botelho Bracher, Beatriz Sawaya Botelho Bracher, Eduardo Sawaya Botelho Bracher, Elisa Sawaya Botelho Bracher Carlos Sawaya Botelho Bracher, diante da negativa em se proceder ao registro do formal de partilha expedido pelo Juízo da 1ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional de Pinheiros (processo n. 1001509-52.2019.8.26.0011), relativo aos bens deixados por Fernão Carlos Botelho Bracher, entre eles os imóveis objeto das matrículas nºs 25.162, 91.324, 27.097, 91.125 e 45.055. O óbice registrário refere-se à ausência da apresentação da guia de recolhimento do ITBI, incidente no caso em razão de a partilha ter sido realizada de forma desigual entre os herdeiros (levando em conta os imóveis que compõem o montemor), o que caracterizaria a onerosidade da operação.

Os interessados manifestaram-se às fls. 1962/1969, argumentando que a exigência do pagamento do tributo é ilegítima, em razão da ausência de onerosidade da transferência da titularidade do bem, que decorreu por razão de sucessão causa mortis.

Aduziram que o patrimônio do de cujus, considerado em sua integralidade, foi partilhado de forma igualitária entre os herdeiros, que recolheram o ITCMD correspondente de forma regular, não havendo que se falar na cobrança de ITBI sobre transferência não onerosa de bens imóveis.

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls. 1973/1975).

É o relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

Com razão a parte interessada e DD. Promotora de Justiça, razão pela qual a presente dúvida deve ser julgada improcedente.

De proêmio, observo que, de fato, a partilha dos bens imóveis deixados pelo de cujus não foi feita de forma igualitária. Segundo a nota devolutiva, o patrimônio imobiliário era de R$ 82.018.240,07, de modo que caberia a cada um dos cinco herdeiros o valor de R$ 16.403.648,01. Entretanto, os herdeiros Candido Beatriz receberam em imóveis um total de R$ 12.915.648,00 cada um, enquanto Eduardo Carlos foram aquinhoados com R$ 21.985.648,01 cada.

Diante da diferença na divisão dos quinhões do patrimônio imobiliário, o Oficial sustentou a necessidade de recolhimento de ITBI, uma vez que estaria configurada a onerosidade da operação, o que caracteriza hipótese de incidência do imposto, nos termos do Regulamento do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (Anexo do Decreto Municipal 55.196/14):

“art. 2º Estão compreendidos na incidência do Imposto:

(…)

VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor;”

Este entendimento, inclusive, foi adotado tradicionalmente por este Juízo em decisões anteriores referentes à mesma matéria.

Ocorre, entretanto, que a jurisprudência atual vem se consolidando em sentido diverso, em entendimento que considera, para aferição da desigualdade dos quinhões hereditários (e, consequentemente, da eventual onerosidade da operação), a universalidade do acervo patrimonial deixado pelo de cujus, e não apenas os bens imóveis que compõem a herança, em consonância com o art. 1.791 do Código Civil.

Nesse sentido:

“Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de formal de partilha por falta de recolhimento de ITBI – Valor do patrimônio imobiliário dividido desigualmente entre os herdeiros – Hipótese de incidência prevista no artigo 2º, VI, da Lei do Município de São Paulo n.º 11.154/91 – Exigência descabida – Quinhões que devem ser analisados como um todo para fins de incidência de imposto – Inocorrência de transmissão “inter vivos” de imóvel por ato oneroso – Inaplicabilidade do artigo 289 da Lei n.º 6.015/73 e do inciso XI do artigo 30 da Lei n.º 8.935/94 – Apelação provida” (Apelação nº 1060800-12.2016.8.26.0100, Rel. Pereira Calças, CSM, j. 06/06/2017).

Em razão da pertinência da matéria objeto do Acórdão em destaque para o deslinde deste feito, é oportuno destacar ainda alguns dos trechos do julgado:

“Pela leitura do dispositivo, percebe-se que a Lei Municipal, em se tratando de partilha, separa o patrimônio imobiliário do patrimônio mobiliário e somente admite a não incidência do ITBI se a divisão do primeiro for exatamente igual. Pouco importa que os quinhões, no total, sejam iguais; para fins de incidência de ITBI, analisa-se o patrimônio imobiliário de forma destacada.

[…]

Desafia a lógica o que se extrai do dispositivo acima transcrito. Se na forma do artigo 1.791 do Código Civil a herança é um todo unitário, cuja posse e propriedade regulam-se pelas normas relativas ao condomínio, não há como se defender que, antes da partilha, cada herdeiro seja titular da metade ideal de cada bem que integra o monte partível. Cada herdeiro, na verdade, é condômino da universalidade formada pelos bens da herança, de modo que somente a partilha fixará a quota parte de cada um.

A atribuição de imóveis para um herdeiro e de bens móveis para outro, resultando essa operação em quinhões iguais, não implica transmissão de bens imóveis por ato oneroso. Trata-se simplesmente de se definir quem será proprietário de quais bens, sem qualquer operação subsequente”.

No presente caso, apesar da divisão do acervo imobiliário não ter sido igualitária, observo que a partilha do patrimônio, considerado em sua universalidade, deu-se de modo equânime. Segundo o plano de partilha apresentado em Juízo (fls. 1387/1869), o monte-mor totaliza o valor de R$ 1.536.081.965,40 (fl. 1499), tendo cada herdeiro sido aquinhoado com 20% dessa quantia (R$ 307.216.393,08), conforme se depreende das fls. 1573, 1649, 1719, 1795 e 1867.

Destarte, conclui-se que, levando em conta a totalidade da herança, a partilha foi feita de forma igualitária, o que descaracteriza a onerosidade da distribuição desigual dos quinhões do patrimônio imobiliário, considerado de forma isolada do acervo universal.

Ainda de acordo com a doutrina sobre o ITBI:

“O que se tributa é a transmissão da propriedade de bem imóvel realizada através de um negócio jurídico oneroso, tais como compra e venda, dação em pagamento ou permuta”. (Registro Imobiliário: dinâmica registral / Ricardo Dip, Sérgio Jacomino, organizadores. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. – (Coleção doutrinas essenciais: direito registral; v.6 – p. 1329 – g.n).

Assim, diante da ausência de onerosidade na operação, não há que se falar na incidência de ITBI no caso em análise.

Diante do exposto, julgo improcedente dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Candido Botelho Bracher, Beatriz Sawaya Botelho Bracher, Eduardo Sawaya Botelho Bracher, Elisa Sawaya Botelho Bracher Carlos Sawaya Botelho Bracher, e consequentemente afasto o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 05 de abril de 2021

(DJe de 08.04.2021 – SP)