CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de compra e venda – Hipoteca cedular e respectivos aditivos – Penhora em favor da Fazenda Nacional – Indisponibilidade dos imóveis que obsta a alienação voluntária – Negativa de registro – Precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura – Óbices mantidos – Nega-se provimento ao recurso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010076-09.2018.8.26.0302, da Comarca de Jaú, em que é apelante MICHAEL GEAN CONTES, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JAÚ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 6 de outubro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1010076-09.2018.8.26.0302

Apelante: Michael Gean Contes

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaú

VOTO Nº 31.240

Registro de Imóveis  Dúvida – Escritura pública de compra e venda  Hipoteca cedular e respectivos aditivos  Penhora em favor da Fazenda Nacional  Indisponibilidade dos imóveis que obsta a alienação voluntária  Negativa de registro  Precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura  Óbices mantidos  Nega-se provimento ao recurso.

1. Trata-se de apelação interposta por Michael Gean Contes contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaú/SP, que julgou procedente dúvida suscitada e manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda em que figurou como vendedora Nilza da Silva Ramos e como compradora a empresa Santa Fé Agroindustrial Ltda., referente aos imóveis matriculados sob nº 959 e 12.372 daquela serventia imobiliária.

A Nota de Exigência indicou a impossibilidade de registro, pois pesam “sobre o imóvel os seguintes ônus: Hipoteca cedular e respectivos aditivos (R. 4, av.5 e av. 6). Penhoras em favor da Fazenda Nacional (R.8, R10, Av.11). (…)

De início cumpre esclarecer que por ofício do Juízo Falimentar este oficial protocolou a determinação de levantamento de indisponibilidade decorrente da falência constante de Av. 12 a matrícula 959 desta serventia. Desta feita tal fato não mais constitui obstáculo a eventual ingresso de título na tábua predial.

Neste particular, destaque-se, mencionada indisponibilidade decorre da extensão da responsabilidade da ora proprietária/outorgante no processo falencial, cuja empresa falida não é proprietária do imóvel objeto da matrícula em comento. Dito isto, é bem de concluir que os efeitos do encerramento da falência, ao menos no patrimônio da ora proprietária outorgante, estão limitados à suspensão da indisponibilidade nos autos da falência, não atingindo os ônus constantes da matrícula, que permanecem eficazes no âmbito patrimonial da proprietária.

Dito em outras palavras, os ônus constantes da matrícula 959, em especial em R4, R8, R10 e Av.11, não estão superados pelo encerramento da falência. A hipoteca cedular inscrita e eficaz exige que eventual alienação do bem hipotecado apresente anuência do credor hipotecário, nos termos do artigo 63 do Dec. Lei 167/67. As penhoras em favor da Fazenda Nacional tornam indisponíveis os bens penhorados nos termos do artigo 53, § 1º, da Lei Federal nº 8.212/91.

Nestes termos, para o registro da presente será necessário:

1- que se apresente a anuência do credor hipotecário cedular constante de R4, ou ainda o cancelamento da hipoteca;

2- sejam levantadas as penhoras em favor da Fazenda Nacional constantes de R8, R10 e Av11 da matrícula 959.”

Alega o apelante, em síntese, que não há necessidade de anuência do credor hipotecário e levantamento das penhoras, pois houve suspensão da exigibilidade do crédito tributário em virtude do parcelamento dos débitos junto à Fazenda Nacional. Considerando que o registro da penhora protege o crédito tributário, sustenta que não há motivos para impedir o registro da escritura de compra e venda que transfere a propriedade dos imóveis para o responsável pelo parcelamento do débito existente junto ao fisco (fl. 71/77).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 97/98).

O v. acórdão a fl. 102/106 foi anulado, tendo sido acolhidos os embargos de declaração opostos pelo apelante (fl. 124/127).

Os autos, então, vieram conclusos para apreciação da apelação interposta.

É o relatório.

2. O apelante, que requereu o registro da escritura pública de compra e venda lavrada em 15 de fevereiro de 2002, discorda dos óbices apresentados pelo registrador e, assim, sustenta ser desnecessária, para a prática do ato, a anuência do credor hipotecário cedular ou cancelamento da hipoteca, assim como o levantamento das penhoras em favor da Fazenda Nacional.

Nos termos do art. 59 do Decreto-lei nº 167/67, os bens objetos de penhor ou de hipoteca constituídos por cédula de crédito rural não podem ser vendidos sem prévia anuência do credor, por escrito. E, por disposição contida no art. 1.420 do Código Civil de 2002, as pessoas que não podem alienar também não podem empenhar, hipotecar ou dar em anticrese, assim como não podem ser dados em penhor, anticrese e hipoteca os bens que não podem ser alienados.

Como se vê, criou o legislador garantia exclusiva em favor dos órgãos financiadores da economia rural, por meio de norma cogente, contida em lei especial que não foi revogada pelo Código Civil de 2002. Esta espécie de indisponibilidade relativa, também instituída por outras leis em favor dos detentores de hipotecas vinculadas à cédula de crédito à exportação (art. 3º da Lei nº 6.313/75), cédula de crédito comercial (art. 5º da Lei nº 6.840/80) e cédula de crédito industrial (art. 51 do Decreto-lei nº 413/69), não conflita com as normas gerais estatuídas para a hipoteca no Código Civil de 2002, assim como não conflitava com as normas da mesma natureza contidas no Código Civil de 1916.

Daí porque, sem expressa anuência do credor hipotecário ou cancelamento das hipotecas, os imóveis não podem mesmo ser alienados, o que torna correto o primeiro óbice apresentado pelo registrador. Neste sentido, recusando o ingresso de título de alienação do bem hipotecado em cédula de crédito sem a anuência do credor, já decidiu este C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – Hipoteca cedular registrada – Ausência de anuência do credor hipotecário – Penhora em favor da Fazenda Nacional – Indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 0054473-65.2012.8.26.0114; Relator (a): José Renato Nalini; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Campinas – 6ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 10/12/2013; Data de Registro: 19/12/2013).

E mais recentemente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA REGISTRAL – Escritura pública de compra e venda – Negativa de registro em face de hipotecas cedulares – Decreto-lei nº 167/67 – Disponibilidade condicionada ao cancelamento das hipotecas ou anuência por escrito do credor – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Alienação anterior que contou com a anuência dos credores que não beneficia novas alienações – Necessidade de autorização atual ou cancelamento das hipotecas – Exigências mantidas – Dúvida procedente – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1003066-02.2019.8.26.0132; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Catanduva – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/02/2020; Data de Registro: 18/02/2020).

O outro óbice apontado na nota de devolução é igualmente intransponível, na medida em que assim prevê o art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91:

“Art. 53. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exeqüente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.

§ 1º Os bens penhorados nos termos deste artigoficam desde logo indisponíveis.”

Ou seja, penhorado o imóvel por dívida ativa da União, de suas autarquias ou de suas fundações públicas, de pronto estará indisponível o bem, de maneira que os atos de alienação voluntária ficarão obstados pela indisponibilidade que o afeta.

A venda realizada pela titular de domínio, Nilza da Silva Ramos, à empresa Santa Fé – Agroindustrial Ltda., tendo por objeto os imóveis versados nos autos, configura negócio voluntário defeso em razão de sua indisponibilidade. A respeito do tema, já ficou decidido que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Indisponibilidade decorrente de penhora determinada em favor do INSS – Carta de Arrematação – Alienação forçada – Dúvida julgada procedente – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.” (TJSP; Apelação Cível 1005168-36.2017.8.26.0368; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Monte Alto – 3ª Vara; Data do Julgamento: 27/08/2019; Data de Registro: 03/09/2019).

“O Conselho Superior da Magistratura tem entendimento pacífico de que, embora a indisponibilidade não impeça a alienação forçada, obsta a voluntária. Subsistente a penhora, advinda de dívida com o INSS, a indisponibilidade, decorrente do art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91, impede a alienação voluntária e, via de consequência, o registro da escritura.” (Apelação nº 1003418-87.2015.8.26.0038, Rel. Pereira Calças, j. 25.04.2016).

“Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de confissão de dívida com pacto adjeto de constituição de propriedade fiduciária e outras avenças – Imóvel indisponível – Penhora, em execução fiscal, a favor da Fazenda Nacional e da União – Recusa do registro com base no artigo 53, § 1º, Lei 8.212/91 – Alienação voluntária Irrelevância da aquisição anterior por alienação forçada – Registro inviável – Dúvida procedente – Recurso desprovido, com observação.” (Apelação nº 3003761-77.2013.8.26.0019, Rel. Elliot Akel, j. 03.06.2014).

3. Diante do exposto, pelo meu voto, nega-se provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 22.01.2021 – SP)