1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião Extrajudicial – Proprietária tabular empresa falida – Desnecessidade de processamento perante o juízo universal da falência – Análise de suspensão do prazo prescricional deve ser realizada pelo Oficial no mérito do procedimento – Dúvida improcedente.

Dúvida

Registros Públicos

P. M. C. de S.

Vistos em correição.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de P. M. C. de S., após negativa de processamento de usucapião extrajudicial de apartamento e três vagas de garagem do edifício localizado à Alameda Joaquim Eugênio de Lima, 1.496.

O Oficial, em síntese, alega que a proprietária tabular é empresa falida, o que exige que a usucapião seja processada perante o juízo universal da falência. Juntou documentos às fls. 07/66.

O suscitado impugnou a dúvida às fls. 67/72, alegando preenchimento dos requisitos da usucapião antes da falência e desnecessidade de remessa à via judicial.

O Ministério Público opinou às fls. 75/77 pela procedência da dúvida.

É o relatório. Decido.

A criação do procedimento extrajudicial de usucapião teve como um de seus fundamentos a desjudicialização, remetendo à via administrativa aqueles casos em que não há lide, especialmente porque a atuação jurisdicional somente se justifica quando há conflito a ser dirimido pelo estado-juiz, de modo que, inexistindo controvérsia, o seguimento pela serventia extrajudicial, ao garantir a regularidade procedimental, torna legítimo o reconhecimento da usucapião.

E o juízo universal da falência também deve ser visto sob tal ângulo: sua provocação ocorre quando há discussão entre credores e massa falida, sendo plenamente possível ao administrador judicial tomar decisões, ainda que com autorização do juiz ou comitê, sem a necessidade de ajuizamento de ação própria, como por exemplo se dá na própria habilitação inicial de crédito, que somente tem manifestação judicial quando impugnada, ou nos casos do art. 114 da Lei 11.101/05 (contratos de aluguel sobre bens da massa falida), art. 117 (cumprimento de contratos bilaterais pelo administrador, o que inclusive pode permitir, no caso de construtoras, a outorga de escritura definitiva de compra e venda, quando pago o preço).

Assim, com base em tais premissas, entendo que o fato do proprietário tabular ser empresa falida não necessariamente impede o seguimento extrajudicial da usucapião.

Recebido o pedido e instruído com os documentos exigidos pela Lei de Registros Públicos e no Prov. 65/17 do CNJ, deverá o Oficial realizar a notificação do proprietário tabular, representado por meio do síndico ou administrador judicial. Comprovada a regularidade da notificação, caberá ao síndico impugnar o pedido. Sendo o representante legal da massa falida, seu silêncio ou anuência tem os mesmos efeitos de tais atos realizados por qualquer outro proprietário tabular, não cabendo ao Oficial verificar se o síndico informou o fato ao juízo falimentar ou requereu sua autorização, já que deve-se presumir, em razão do compromisso firmado, que os atos do administrador judicial estão em regularidade com seus poderes.

E, caso haja impugnação, caberá ao Oficial verificar sua fundamentação e remeter a este Juízo Corregedor caso qualquer dos interessados recorra. Mantida a impugnação, caberá ao requerente ajuizar a ação judicial perante o juízo falimentar ou a vara de registros públicos, a quem caberá decidir sobre a competência jurisdicional.

Em suma, deverá o Oficial processar normalmente o pedido de usucapião extrajudicial, não sendo impeditivo o fato da empresa proprietária tabular ser falida, devendo apenas o Oficial intimar o representante nomeado judicialmente para garantir o devido contraditório.

Quanto a questão da suspensão do prazo prescricional, entendo não ser este o momento oportuno para análise. É que cabe ao Oficial somente ao final analisar o mérito do pedido, que inclui a verificação dos requisitos legais da usucapião. Se o requerente, mesmo ciente da possível causa suspensiva, requerer o seguimento do processamento, deverá o Oficial assim proceder e, se o caso, decidir pela improcedência ao final por não ter sido preenchido o prazo da usucapião, possibilitado recurso a este juízo.

Faço ver que, não havendo impugnação do síndico, caberá apenas ao Oficial analisar o preenchimento dos requisitos legais da usucapião e possível fato suspensivo, atentando-se para a data da decretação da falência, que pode atrair a aplicação do Decreto-Lei 7.661/45 em detrimento da Lei 11.101/05.

Novamente, contudo, tais questões de direito devem ser analisadas ao final do procedimento extrajudicial, após a notificação do síndico e somente no caso de inexistir impugnação ou esta ser declarada infundada.

Concluo, portanto, que deverá ser dado seguimento ao procedimento extrajudicial, sem que esta decisão signifique reconhecer o direito da requerente, que será analisado em momento oportuno pelo registrador, caso não haja impugnação pelo representante da massa falida, ou judicialmente, caso haja controvérsia que impeça o seguimento administrativo.

Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de P. M. C. de S., nos termos acima.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

(DJe de 09.12.2020 – SP)