CSM|SP: Dúvida – Registro imobiliário – Usucapião extrajudicial – Exigências previstas no art. 216-a, §2º, LRP c.c. art. 10, Provimento nº 65/2017 do CNJ e item 418, do capítulo XX das NSCGJ – Necessidade de notificação do titular de domínio ou apresentação de título que demonstre a doação do imóvel – Necessidade de requerimento de notificação do promitente vendedor – Apresentação de certidão negativa do distribuidor em nome do proprietário tabular e sua cônjuge – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1074288-29.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PAULO WALDEMAR DA SILVA, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1074288-29.2019.8.26.0100

Apelante: Paulo Waldemar da Silva

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.158

Dúvida – Registro imobiliário – Usucapião extrajudicial – Exigências previstas no art. 216-a, §2º, LRP c.c. art. 10, Provimento nº 65/2017 do CNJ e item 418, do capítulo XX das NSCGJ – Necessidade de notificação do titular de domínio ou apresentação de título que demonstre a doação do imóvel – Necessidade de requerimento de notificação do promitente vendedor – Apresentação de certidão negativa do distribuidor em nome do proprietário tabular e sua cônjuge – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta por PAULO VALDEMAR DA SILVA contra a r. sentença de fl. 292/296, que julgou procedente a suscitação da dúvida para manter, integralmente, as exigências formuladas pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, a impedir o prosseguimento do expediente administrativo de usucapião relativo ao imóvel matriculado sob o n.º 84.428, a saber: apresentação de título que demonstre a doação do imóvel, de modo a afastar a exigência de notificação dos proprietários tabulares; requerimento de notificação do promitente vendedor; apresentação de certidões negativas em nome do proprietário e cônjuge; e complementação dos documentos comprobatórios da posse.

O apelante, nas razões de recurso, sustenta, em suma, que o imóvel usucapiedo foi doado a Rodrigo Andrade Bonazza, o qual lhe compromissou a venda o bem, de modo que não prevalece o óbice de notificação dos proprietários tabulares. No mais, houve demonstração do preenchimento de todos os requisitos legais constantes do Art. 1238 do Código Civil, pugnando, ao final, pelo provimento da apelação.

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 330/335).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito, a apelação não merece provimento.

O recorrente ingressou com requerimento de usucapião administrativa, na modalidade extraordinária, do imóvel situado na Avenida Santa Marina n.º 53 e 53-A, Água Branca, objeto da matrícula n.º 84.428 do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

Foram apresentados diversos óbices quanto ao pedido (fl. 222/225), sendo que após cumprimentos pelo recorrente, o registrador fundou a recusa do prosseguimento do pedido de usucapião extrajudicial nos seguintes: necessidade de apresentação de título que demonstre a doação do imóvel de modo a afastar a exigência de notificação dos proprietários tabulares; necessidade de requerimento de notificação do promitente vendedor; apresentação de certidões negativas em nome do proprietário tabular e cônjuge; e, complementação dos documentos comprobatórios da posse.

Em que pese a argumentação trazida pelo recorrente, certo é que não foram cumpridos, na íntegra, o art. 216-A, §2º, da Lei n.º 6.015/73 c.c. art. 10, do Provimento nº 65/2017 do CNJ e item 418, do Capítulo XX das NSCGJ.

De acordo com o que dispõe o artigo 216-A, § 2º supra referido:

“Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.”

No caso em tela, indiscutível que a planta apresentada nos autos não contém a assinatura dos titulares de domínio, de modo que se fazia necessária sua notificação, ou de seus herdeiros, a fim de manifestar seu consentimento, o que não se efetivou.

E, conquanto o alegado tempo de posse seja superior ao exigido pelo Art. 1.238 do Código Civil, certo é que, em nenhuma modalidade de usucapião, há previsão legal para dispensa das notificações expressamente exigidas.

Por meio da usucapião, quer judicial ou administrativa, o titular de domínio perde sua propriedade, de sorte que, em obediência ao princípio do contraditório, a notificação do proprietário tabular ou de seus herdeiros afigura-se indispensável, ressalvada a hipótese prevista no Art. 13 do Provimento CNJ nº 65/2017.

Consta como titular de domínio do imóvel usucapiendo José Bonazza (fl. 55). E, da cópia da certidão de fl. 66 extrai-se que o proprietário tabular, José Bonazza, desquitou-se de sua mulher Lydia Mammini Bonazza em 05 de agosto de 1955 e, em 01 de fevereiro de 1985, foi convertido em divórcio o desquite do casal.

Da certidão de fl. 236/237, extraída dos autos da ação de desquite de José Bonazza e Lydia Mammini Bonazza, infere-se que os desquitados acordaram em doar o imóvel usucapiendo ao único filho do casal, Albino Mammini Bonazza.

A partir da documentação constante dos autos verificasse que Rodrigo Andrade Bonazza é filho de Albino Mammini Bonazza e Vitalina Pinto de Andrade (fl. 62), falecida em 10/12/1981 no estado civil de divorciada.

Daí porque imprescindível a notificação dos proprietários tabulares José e Lydia ou seus herdeiros, ressalvada a hipótese de demonstração da existência de justo título ou instrumento apto a comprovar a existência de relação jurídica com o titular registral, bem como prova de quitação das obrigações, o que não se tem, por ora, no caso.

É o que dispõe o Art. 13 do Provimento CNJ nº 65/2017:

“Art. 13. Considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo”.

Não há nos autos qualquer documento que comprove a doação direta entre os proprietários tabulares e Rodrigo Andrade Bonazza, mas apenas menção, por ocasião do desquite, à doação daqueles ao genitor de Rodrigo, de modo que a notificação apenas deste último não se afigura suficiente para suprir a exigência.

Ademais, cumpre observar que, conquanto conste do óbito de Vitalina que deixou os filhos Ronaldo, Iris e Rodrigo, todos então menores (fl. 64), o imóvel usucapiendo foi compromissado a venda unicamente por Rodrigo Andrade Bonazza (fl. 69/75), não havendo qualquer menção a Iris e Rodrigo.

Nestes moldes, assiste razão ao Registrador quando entende indispensável a pesquisa da sucessão a fim de indentificar aquele ou aqueles a serem notificados.

O documento de fl. 61 é a “capa” da carta de sentença extraída dos autos da ação de desquite de José e Lydia, não se inferindo de qualquer cópia que a compõe que os proprietários tabulares tenham beneficiado seu neto Rodrigo Andrade Bonazza com o imóvel objeto da usucapião, consoante alegado pelo recorrente em suas razões.

De mais a mais, a par do compromisso particular de compra e venda firmado por Rodrigo Andrade Bonazza e o apelante, não há como, para fins do Art. 13 supra referido, ser dispensada a notificação do promitente vendedor, ante a inexistência de demonstração de relação jurídica com o titular registral.

A exigência para apresentação de certidões do distribuidor em nome do proprietário tabular e sua esposa Lydia também persiste, nos termos do Art. 4º, IV, b, do Provimento CNJ nº 65/2017.

Com efeito, a providência visa a comprovação da inexistência de ações possessórias ou petitórias ajuizadas durante o período aquisitivo, a indicar oposição à posse, o que prejudicaria a usucapião pretendida.

Nesta senda, descabida a alegada impossibilidade de obtenção da certidão em questão em face da ausência de CPF de Lydia, havendo outros meios de busca, com base no nome e filiação, disponibilizados pelos Tribunais, cuja tentativa sequer foi aventada pelo recorrente.

Demonstrada a impossibilidade de obtenção poderá o Registrador, por ocasião da qualificação, dispensar a apresentação das certidões, o que, contudo, não ocorreu, por ora, no caso em tela.

O último ponto constante da dúvida de fl. 01/07 consiste na necessidade de apresentação de outros documentos a demonstrar a posse de todo o período prescritivo por entender insuficientes os já apresentados pelo recorrente.

Vale frisar, no tópico, que o próprio Registrador a fl. 06 consignou que o procedimento se encontra em fase de apresentação dos documentos elencados no Art. 216-A da Lei nº 6.015/73, nas NSCGJ e no Provimennto CNJ nº 65/2017, não tendo sido, ainda, analisado o mérito do pedido.

Pois bem.

Sabe-se que “os pressupostos da usucapião são: coisa hábil (res habilis) ou suscetível de usucapião, posse (possessio), decurso do tempo (tempus), justo título (titulus) e boa-fé (fides). Os três primeiros são indispensáveis e exigidos em todas as espécies de usucapião. O justo título e a boa-fé somente são reclamados na usucapião ordinária” (in Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro Vol. 5: Direito das Coisas, 11ª edição, 2015, Ed.Saraiva, p. 274).

Com relação à posse como requisito à prescrição aquisitiva, deve ser esclarecido que apenas a “posse ad usucapionem é a que contém os requisitos exigidos pelos arts. 1.238 a 1.242 do Código Civil, sendo o primeiro deles o animo de dono (animus domini ou animus rem sibi habendi). Requer-se, de um lado, atitude ativa do possuidor que exerce os poderes inerentes à propriedade; e, de outro, atitude passiva do proprietário, que, com sua omissão, colabora para que determinada situação de fato se alongue no tempo. Exigem os aludidos dispositivos, com efeito, que o usucapiente possua o imóvel “como seu”. Não tem animo de dono o locatário, o comodatário, o arrendatário e todos aqueles que exercem posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem, obrigando-se a devolvê-la” (in Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro Vol. 5: Direito das Coisas,11ª edição, 2015, Ed. Saraiva, p. 280).

Nestes moldes, compete ao requerente da usucapião extrajudicial a demonstração da posse qualificadacabendo-lhe apresentar documentos, declarações de testemunhas, comprovantes de pagamentos de impostos, contas de consumo, etc, para tanto.

Ao Oficial, por seu turno, cabe, em seu juízo qualificatório, a aferição da regular comprovação da posse ad usucapionem, exigindo, em face da utilidade do procedimento administrativo, eventual complementação da documentação ou a efetivação de diligências, à luz do Art. 17 do Provimento CNJ nº 65/2017. Tal exigência, contudo, como bem pontuado pelo MM. Juízo a quo, não pode ser entendida como óbice intransponível ao seguimento do procedimento. Assim é que, informado pelo Registrador que talvez não haja suficiência dos documentos comprobatórios da posse, poderia o recorrente optar por apresentar novas provas ou requerer diligências ou, se entender que os documentos são suficientes para o pedido, informar expressamente ao Oficial que dispensa a produção de novas provas, cabendo ao registrador, nesta hipótese, dar seguimento ao procedimento, com as respectivas notificações e outras etapas essenciais, se ainda não realizadas, julgando ao final o mérito do pedido com base nos documentos apresentados.

Somente neste momento, ou seja, por ocasião da manifestação definitiva do Registrador sobre o pleito, é que caberia, havendo impugnação do interessado, manifestação deste Conselho Superior da Magistratura, nos moldes do Art. 17, §5º, do citado provimento.

Porém, a análise da matéria ficou superada, uma vez que o procedimento administrativo de usucapião não pode prosseguir em face da ausência de cumprimento dos demais óbices apresentados pelo Registrador.

3. Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

(DJe de 21.09.2020 – SP)