TJ|SP: Apelação Cível e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITBI – Municipalidade de São Paulo – Cessão de direitos – Alegação de ausência de fato gerador – Sentença que concedeu a ordem pleiteada – Pretensão à reforma – Não caracterização do fato gerador do ITBI quando se tem, apenas, instrumento particular de cessão de direitos e obrigações – Concessão da ordem mantida – Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade de São Paulo não providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1068847-14.2019.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados PAULO PROUSHAN (E SUA MULHER) e FORTUNEÉ JOYCE SAFDIE PROUSHAN.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente sem voto), MÔNICA SERRANO E KLEBER LEYSER DE AQUINO.

São Paulo, 31 de julho de 2020.

SILVANA MALANDRINO MOLLO

Relatora

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível / Reexame Necessário nº 1068847-14.2019.8.26.0053.

Apelante / Recorrente: Municipalidade de São Paulo e Juízo Ex Officio.

Apelados: Paulo Proushan e outra.

Comarca: São Paulo.

Juiz de Origem: Emílio Migliano Neto.

VOTO Nº 9585

APELAÇÃO CÍVEL e REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança – ITBI – Municipalidade de São Paulo – Cessão de direitos – Alegação de ausência de fato gerador – Sentença que concedeu a ordem pleiteada – Pretensão à reforma – Não caracterização do fato gerador do ITBI quando se tem, apenas, instrumento particular de cessão de direitos e obrigações – Concessão da ordem mantida – Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade de São Paulo não providos.

Trata-se de Reexame Necessário e Recurso de Apelação, este último interposto pela Municipalidade de São Paulo, em face da r. sentença de fls. 50/56 destes autos digitais que, em Mandado de Segurança impetrado por Paulo Proushan e Fortuneé Joyce Safdie Proushan contra ato do Diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias do Município de São Paulo, confirmou a liminar concedida a fls. 26/29 e concedeu a ordem, para determinar que a autoridade impetrada se abstivesse de exigir ITBI sobre a cessão de direitos do imóvel descrito na exordial.

Alega, a Municipalidade apelante, que a cessão de direitos de compromisso de venda e compra, hipótese de que cuidam os autos, constitui hipótese de incidência do ITBI, nos termos dos artigos 156, inciso II, da CF; 35, inciso III, do CTN e 2º, inciso IX, da Lei Municipal nº 11.154/91. Sustenta que não se tributa a operação representada pelo compromisso de venda e compra, mas sim a cessão dos direitos dela originados, pouco importando se tal documento é levado a registro ou não. Busca, ao final, o provimento ao apelo com a denegação da segurança e inversão dos ônus sucumbenciais.

O recurso voluntário, tempestivo, foi regularmente recebido e processado, com apresentação de contrarrazões, a fls. 65/71.

É O RELATÓRIO.

Deixo de remeter os autos à D. Procuradoria Geral de Justiça, tendo em vista a disponibilidade do direito discutido, inclusive enfatizada pelo Parquet, a fls. 47/49.

Passa-se à análise do Recurso Oficial obrigatório e do Recurso de Apelação da Municipalidade conjuntamente.

Depreende-se dos autos que Paulo Proushan e Fortuneé Joyce Safdie Proushan impetraram Mandado de Segurança, com pedido liminar, contra ato do Diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias do Município de São Paulo, objetivando o reconhecimento da ilegalidade da exigência de ITBI sobre instrumento particular ou de cessão desses direitos, não levado a registro no competente Cartório de Registro de Imóveis.

Sustentaram os impetrantes que, em 01/04/2014, juntamente com Roberto Shalom Neumann, firmaram promessa particular de compra e venda com a empresa Tribeca Forte Empreendimentos e Participações Ltda., com o objetivo de adquirir a unidade 24 do Edifício Tribeca, localizado em São Paulo/SP, negócio esse não levado a registro pelas partes. Afirmaram os impetrantes, ainda, que, antes da outorga da escritura do bem, não mais interessados na aquisição do imóvel, em 01/04/2015, cederam os seus 50% dos direitos decorrentes do contrato firmado, por meio de instrumento particular de promessa de cessão de direitos, para Priscila Szafir Szwarc, também não levado a registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente. Defenderam que foi deles exigido o pagamento de ITBI, relativo à promessa de cessão realizada, com o que não concordaram, posto que a simples existência do referido instrumento, sem o respectivo registro, não configuraria hipótese de incidência do tributo.

Pugnaram, assim, em sede liminar, que a autoridade impetrada deixasse de exigir o recolhimento do ITBI decorrente da cessão de direitos levada a efeito com a cessionária quando da outorga da escritura a essa última e, ao final, a concessão da segurança, com a confirmação da tutela de urgência anteriormente deferida.

O pedido liminar foi deferido a fls. 26/29 e, a fls. 39/43, houve a apresentação de informações pelo Município de São Paulo, como assistente litisconsorcial passivo.

Sobreveio, então, a r. sentença concessiva alhures referida, objeto dos recursos que se passa a analisar.

Pois bem.

A controvérsia dos autos consiste em saber se incide ITBI na cessão de direitos obrigacionais (e não reais) à aquisição de imóvel, e a conclusão a que se chega é a de que, na espécie, somente ocorreria o fato gerador do ITBI com o registro do instrumento de transmissão da propriedade, ou dos direitos reais sobre o bem, no Cartório de Registro Imobiliário competente.

Com efeito, prescreve o artigo 156, II, da Constituição Federal de 1988, que compete aos municípios instituir imposto sobre transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição” (g.n.), igualmente como previsto no art. 35 do Código Tributário Nacional.

Dos documentos constantes dos autos extrai-se a inexistência de registro capaz de gerar a transmissão do imóvel, ou de direitos reais a ele relativos em decorrência da avença consubstanciada no Instrumento Particular digitalizado a fls. 09/18.

Ora, como já restou firmado no E. Supremo Tribunal Federal, no caso de cessão de direitos, “(…) a cobrança do Imposto de Transmissão ‘Intervivos’ de Bens Imóveis está vinculada à existência de registro de instrumento no cartório competente (…).” (Ag. Reg. no Agravo de Instrumento nº 646.443/DF).

Sobre o tema, merece destaque a seguinte ementa:

“Tributário. Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Fato gerador. Registro imobiliário (C. Civil, art. 530). A propriedade imobiliária apenas se transfere com o registro do respectivo título (C. Civil, art. 530). O registro imobiliário é o fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Assim, a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria o ordenamento jurídico.” (STJ, 1ª Turma, REsp. 12.546-RJ).

No mesmo sentido, o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 765.899, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma do STF, j. 11-2-2014 e os julgados assim ementados:

“Agravo Regimental em Recurso Extraordinário com Agravo. Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Fato gerador. Promessa de compra e venda. Impossibilidade. A obrigação tributária surge a partir da verificação de ocorrência da situação fática prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação civil, a transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro. Assim, pretender a cobrança do ITBI sobre a celebração de contrato de promessa de compra e venda implica considerar constituído o crédito antes da ocorrência do fato imponível. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 805.859 – AgR / RJ – Rio de Janeiro, Relator o Min. Roberto Barroso, julgamento: 10/02/2015, Primeira Turma).

“Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo. Imposto sobre a transmissão de bens imóveis. ITBI. Fato gerador: registro da transferência efetiva da propriedade. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (ARE 798.241 – AgR, Relator(a): Min, Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 01/04/2014, Acórdão Eletrônico DJe-073 Divulg 11-04-2014 Public 14-04-2014).

Eduardo Sabbag explica que “… será a cessão de direitos o fato gerador do ITBI quando possuir o timbre de transmissão de propriedade, com a efetiva translação jurídica da propriedade do bem imóvel…” (“Manual de Direito Tributário”, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 1.087).

Portanto, o fato gerador do ITBI ocorre no momento em que há o registro da transmissão do bem imóvel, ou seja, o imposto em questão incide somente a partir da transferência da propriedade imobiliária que se opera, reitere-se, mediante registro do negócio jurídico no Cartório Imobiliário competente.

Frise-se que o Excelso Pretório, quando do julgamento da Representação nº 1.211-5/RJ, em 30/04/1987, decidiu, já àquela época, no mesmo sentido, sendo a ementa lavrada com o seguinte teor:

“(…) Imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Fato gerador. O compromisso de compra e venda e a promessa de cessão de direitos aquisitivos, dada a sua natureza de contratos preliminares no direito privado brasileiro, não constituem meios idôneos à transmissão, pelo registro, do domínio sobre o imóvel, sendo, portanto, inconstitucional a norma que os erige em fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos (…).”

No mesmo sentido a Representação de Inconstitucionalidade nº 1.121-6 (STF, julgado de 09 de novembro de 1983) e a jurisprudência desta Corte Bandeirante, conforme segue:

“Ação ordinária. Município de Sorocaba. ITBI. Cessão de direitos de compromisso de compra e venda, registrada no CRI. Recolhimento do ITBI. Exigência de novo pagamento do imposto para o registro da carta de adjudicação. Impossibilidade. Bitributação. O compromisso de compra e venda e respectiva cessão de direitos é contrato preliminar que se completa com o contrato principal, que é a escritura definitiva ou sentença judicial que a substitua. Incidir o ITBI, em ambos os momentos, é tributar duas vezes a mesma transmissão imobiliária. Sentença de parcial procedência. Recurso não provido.” (Apelação Cível nº 1018066-92.2016.8.26.0602, j. em 23-05-2019, data de registro: 24/05/2019).

“Tributário. Apelação. Mandado de Segurança Município de Ilhabela ITBI Impossibilidade de lançamento de tributo com base em cessão de direitos aquisitivos Ausência de fato gerador No caso do ITBI, o fato gerador só ocorre com a transferência da propriedade, o que só acontece com o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Precedentes do STJ e da C. 15ª Câmara de Direito Público. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (Apelação Cível nº 1000410-52.2018.8.26.0247, j. em 10-05-2019, data de registro: 10/05/2019).

Não há, assim, cogitar-se de ocorrência de fato gerador, pois a cessão de direito havida não deu ensejo à incidência de ITBI, em razão de tratar tão somente de direitos obrigacionais, inexistindo cessão do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real.

Mais não é necessário considerar para se concluir que o r. decisum recorrido, no que tange à não ocorrência do fato gerador do ITBI, deve ser mantido na sua integralidade, aos quais se adicionam os do presente voto.

Consideram-se prequestionados, por fim, todos os artigos legais e constitucionais mencionados, com a ressalva de que o v. Acórdão não está obrigado a discursar sobre todos os dispositivos de lei reportados.

Ante o exposto, nego provimento aos Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade de São Paulo.

Silvana M. Mollo

Relatora