CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de bens imóveis de valores venais distintos, sem torna – Acréscimo patrimonial de forma não onerosa a caracterizar doação – Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis – ITCMD – Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias – Óbice mantido – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007778-97.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FRANCISCO CARLOS FAGIONATO, é apelado OFICIAL DO 4º REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1007778-97.2020.8.26.0100

Apelante: Francisco Carlos Fagionato

Apelado: Oficial do 4º Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.172

Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de bens imóveis de valores venais distintos, sem torna – Acréscimo patrimonial de forma não onerosa a caracterizar doação – Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis – ITCMD – Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias – Óbice mantido – Recurso desprovido.

1. Trata-se de apelação interposta por FRANCISCO CARLOS FAGIONATO em face da r. sentença de fl. 56/59, que manteve a recusa levantada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, negando registro de escritura pública em razão da não apresentação de prova de quitação do ITCMD.

Da nota devolutiva de fl. 07 constou o seguinte óbice:

“Tendo em vista que os imóveis da permuta possuem valores dispares, ou seja, não são equivalentes, apresentar guia devidamente recolhida do ITCMD sobre a diferença do valor existente entre eles, nos termos do Art. 1º, II, Art. 6º, II, a e Arts. 13 e 16, todos do Decreto Estadual n.º 46.655, de 01 de abril de 2002.

Neste sentido: processos nºs 1095880-08.2014.8.26.0100, 1003262-68.2019.8.26.0100 e 1047284-17.2019.8.26.0100, todos da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital e Corregedor Permanente desta Serventia”.

Em suas razões, o recorrente afirma que a negativa não se aplica, já que a escritura pública envolveu permuta simples de imóveis sem torna, com valor atribuído aos imóveis pelos proprietários, prerrogativa que lhes é exclusiva, visto que os valores são subjetivos e de livre escolha das partes. Não se pode, ademais, atribuir ao negócio jurídico a chamada renúncia, que não é presumida. E, mesmo eventual renúncia expressa não constituiria fato gerador de ITCMD. Ao final, pugnou pelo provimento da apelação.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 89/92).

É o relatório.

2. O recurso não merece provimento.

Versa a questão sobre a possibilidade de se efetuar o registro de escritura pública de permuta de bens imóveis com valores venais diversos e sem torna, sem que haja prova de recolhimento do ITCMD.

Consoante escritura pública de fl. 08/14, FRANCISCO CARLOS FAGIONATO e sua mulher MARINA BORGES FAGIONATO e GUILHERME BORGES FAGIONATO e ROSANA ALVES BEZERRA permutaram dois imóveis a eles pertencentes matriculados sob os nºs 184.567 e 184.584 no 2º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto/SP, possuindo cada um deles valor venal de R$105.744,42 e valor atribuído para efeito da permuta de R$163.965,00, com os imóveis matriculados no 4º Registro de Imóveis da Capital-SP sob os nºs 85.501 e 85.502, com valor venal de referência de R$362.399,00 e R$131.921,00, e valor atribuído para efeito da permuta de R$281.364,00 e R$46.566,00, respectivamente.

O valor dos imóveis permutados atribuído pelos permutantes foi de R$ 327.930,00, não havendo torna ou reposição.

Não se ignora que, se tratando de ITCMD, este Conselho Superior da Magistratura tem seguido a linha de que, em regra, não cabe ao Oficial Registrador aferir a regularidade do valor apurado a título do referido imposto:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA  FORMAL DE PARTILHA – Registro negado, ao argumento de recolhimento a menor de ITCMD – Impossibilidade Não pode o Sr. Oficial obstar registro por entender que o valor recolhido a título de tributo é inferior ao devido  Dúvida improcedente – Recurso provido.” (Apelação n.º 1066691-48.2015.8.26.0100, Rel. Des. PEREIRA CALÇAS).

Contudo, a hipótese não envolve a regular apuração de valor recolhido, mas sim de efetivo não recolhimento.

Com efeito, o Art. 289 da Lei n° 6.015/73 é expresso ao indicar que é dever do registrador fiscalizar o pagamento dos tributos incidentes:

“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

A omissão do titular da delegação pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos termos do Art. 134, VI, do Código Tributário Nacional-CTN, não se olvidando, também, de seu dever de analisar a natureza dos negócios apresentados a registro, evitando-se simulações ou até omissões culposas que tragam prejuízos ao Fisco.

No caso, o negócio jurídico entabulado, permuta de bens imóveis de valores venais distintos sem haver torna ou reposição em dinheiro, gera acréscimo patrimonial de forma não onerosa àquele que recebe o bem de maior valor, a caracterizar doação, nos termos da legislação civil vigente.

“Art.538, CC: Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito:

DECADÊNCIA ITCMD  Não ocorrência – Inteligência do art. 173, inc. I do CTN  Créditos tributários constituídos antes de decorrido o prazo decadencial – Preliminar prejudicial de mérito afastada  APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO – ITCMD – Alegação de que se firmou contrato de permuta sem torna a título oneroso, de forma a não incidir o imposto estadual Inadmissibilidade  Autuação baseada nas informações prestadas na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física onde foram informadas as transferências de valores a título de doação – Admissibilidade  Doação, todavia, que ocorreu em valor menor ao apurado pela fiscalização – Doação relativa a diferença de valores (venais) entre os imóveis permutados  ITCMD que deve recair sobre esta diferença – Minoração do valor autuado que se impõe  Multa confiscatória – Não observada  Conversão do depósito em renda em favor da Fazenda – Possibilidade após o trânsito em julgado R. sentença parcialmente reformada  Recursos da autora e da ré parcialmente providos. (Apelação Cível: 1003390-40.2016.8.26.0053, SILVIA MEIRELLES RELATORA).

Nestes termos, assiste razão ao I. Registrador ao exigir a apresentação de guia recolhida do ITCMD sobre a diferença do valor existente entre os imóveis, à luz do que dispõem os Arts. 1º, II, 6º, II, a, e 13 e 16, todos do Decreto Estadual nº 46.655/2002:

“Artigo 1.º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

II – por doação.

Artigo 6.º – Fica isenta do imposto

II – a transmissão por doação:

cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs;

Artigo 13 – O valor da base de cálculo é considerado na data da abertura da sucessão, do contrato de doação ou da avaliação, devendo ser atualizado monetariamente, a partir do dia seguinte, segundo a variação da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – UFESP, até a data prevista na legislação tributária para o recolhimento do imposto.

Artigo 16 – O valor da base de cálculo, no caso de bem imóvel ou direito a ele relativo será (Lei 10.705/00, art.13):

 em se tratando de:

a) urbano, não inferior ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.

Neste cenário, não colhe o argumento do recorrente no sentido de ser prerrogativa dos proprietários a atribuição de valores aos imóveis objeto da permuta.

E, como bem ressaltado na r. sentença recorrida, não se está a exigir que toda permuta entre bens imóveis seja feita entre bens de idêntico valor. Não se caracteriza doação tributável, por exemplo, quando a diferença for irrisória, ou seja, inferior ao limite de isenção previsto em lei estadual.

No presente caso, contudo, a cessão patrimonial é relevante, presumindo-se a doação, in casu no valor de de R$282.831,16.

Por epítome, se conclui que, de fato, incabível o registro buscado, com a manutenção do óbice suscitado pelo Sr. Oficial Registrador.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 19.06.2020 – SP)