CSM|SP: Registro de Imóveis – Título judicial – Divórcio – Partilha – Regime da comunhão parcial de bens – Imóvel atribuído à apelante – Qualificação negativa – Nota de devolução que não elenca todas as exigências formuladas, posteriormente, por ocasião da suscitação de dúvida – Óbices ao ingresso do título no fólio real confirmados – Registrador que não observa seu dever de examinar, de forma exaustiva, o título apresentado – Necessidade de apuração, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, de eventual prática de infração disciplinar por parte do registrador – Nega-se provimento ao recurso, com determinação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007075-44.2019.8.26.0152, da Comarca de Cotia, em que é apelante LUCIMARA BEZERRA RODRIGUES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE COTIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de março de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1007075-44.2019.8.26.0152

Apelante: Lucimara Bezerra Rodrigues

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cotia

VOTO Nº 31.116

Registro de Imóveis – Título judicial – Divórcio – Partilha – Regime da comunhão parcial de bens – Imóvel atribuído à apelante – Qualificação negativa – Nota de devolução que não elenca todas as exigências formuladas, posteriormente, por ocasião da suscitação de dúvida – Óbices ao ingresso do título no fólio real confirmados – Registrador que não observa seu dever de examinar, de forma exaustiva, o título apresentado – Necessidade de apuração, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, de eventual prática de infração disciplinar por parte do registrador – Nega-se provimento ao recurso, com determinação.

1. Trata-se de apelação interposta por Lucimara Bezerra Rodrigues contra a r. sentença que confirmou o juízo negativo de qualificação registral (fl. 188/189), objetivando o registro da carta de sentença expedida nos autos da ação de divórcio (Processo nº 0006952-82.2011.8.26.0100) que tramitou perante a 1ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional do Ipiranga, Comarca da Capital, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 71.357 junto ao Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cotia/SP.

Na Nota de Devolução expedida em relação ao título prenotado sob nº 296755, em 23.04.2019, o registrador informou que prevalecia a nota de exigência anterior, insistindo que a interessada apresentasse a Carta de Sentença perante o Chefe do Posto Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, para elaboração do cálculo do imposto ou declaração de isenção (fl. 28/29). Em sua manifestação nos autos, confirmou a prenotação do original do título e alegou que as exigências apresentadas quando do primeiro protocolo (Nota de Devolução confeccionada em 27.04.2017), referentes à apresentação de certidão atualizada de casamento e de talão do IPTU para fins de cálculo dos emolumentos e respectivo depósito, não foram atendidas. Ainda, aduziu que a exigência de manifestação da Fazenda Pública Estadual, quanto à incidência ou não do imposto, é indispensável, ante a obrigação legal de conferência, pelo Oficial registrador, do pagamento do ITCMD (fl. 176/182).

A apelante, preliminarmente, requer o deferimento dos benefícios da Justiça Gratuita. No mérito, alega que a exigência formulada pelo Oficial registrador não se sustenta, pois já apresentou a Carta de Sentença ao Chefe do Posto Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, sem que, no entanto, houvesse resposta. Aduz que, em caso análogo, o E. Conselho Superior da Magistratura entendeu que a esfera administrativa não é adequada para a declaração de incidência de tributo ou inconstitucionalidade da lei, admitindo o ingresso do formal de partilha mesmo sem comprovação do recolhimento do ITBI. Acrescenta que não compete ao registrador aferir a incidência ou isenção do imposto, pois em caso de divergência caberá à Fazenda cobrar o valor devido. Ainda, afirma que a sentença não vinculou o registro pretendido à comprovação do pagamento de imposto e ressalta ser indevido o ITBI no caso concreto. Por fim, aduz que não pode ser prejudicada pela inércia do ente público e, então, requer seja reformada a r. sentença para registro do título (fl. 194/203).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 217/222).

É o relatório.

2. Desde logo, cumpre lembrar que, a despeito do teor do art. 207 da Lei de Registros Públicos, neste procedimento de dúvida, de natureza administrativa, não incidem custas processuais ante a falta de previsão específica nas Leis Estaduais n° 11.331/02 e 11.608/03. Logo, prejudicado o pedido de Justiça Gratuita formulado em sede de preliminar pela apelante, para fins de dispensa do preparo recursal.

Pretende a apelante, que foi casada com Rinaldo Garcia sob o regime da comunhão parcial de bens, o registro de carta de sentença expedida nos autos da ação de divórcio (Processo nº 0006952-82.2011.8.26.0100) que tramitou perante a 1ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional do Ipiranga, Comarca da Capital, tendo por objeto o imóvel que lhe foi integralmente atribuído na partilha dos bens do casal, matriculado sob nº 71.357 junto ao Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cotia/SP.

Os títulos judiciais, cumpre lembrar, não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. A qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial.

No exercício desse dever, o Sr. Oficial encontrou óbices ao registro da carta de sentença que foi apresentada pela apelante. Então, ao emitir a Nota de Devolução (fl. 28/29) que deu ensejo ao presente procedimento de dúvida, consignou que: “Prevalece a nota de exigência anterior (…)”, insistindo na apresentação da Carta de Sentença perante o Chefe do Posto Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, para elaboração do cálculo do imposto ou declaração de isenção. Ocorre que, na Nota de Devolução anterior (fl. 20) nenhuma referência havia sido feita quanto às exigências formuladas ainda no ano de 2017, as quais, somente agora, foram referidas pelo registrador (fl. 194/203).

Logo, ainda que a apelante tenha se insurgido apenas em relação à necessidade de comprovação de pagamento do ITCMD ou de sua isenção, não há que se falar em impugnação parcial. Com efeito, sem que outras exigências tenham sido feitas na Nota de Devolução que lhe foi entregue por ocasião do protocolo mais recente do título, inexiste qualquer irregularidade no requerimento de suscitação de dúvida tal como formulado.

É preciso lembrar, no entanto, que ao registrador cabe examinar, de forma exaustiva, o título apresentado e que, havendo exigências de qualquer ordem, estas deverão ser formuladas de uma só vez (NSCGJ, Capítulo XX, item 38) e não, no curso do procedimento de dúvida.

No mais, compete anotar que tanto o MM. Juiz Corregedor Permanente, quanto este C. Conselho Superior da Magistratura, ao apreciar as questões apresentadas no procedimento de dúvida, devem requalificar o título por completo. Com efeito, a qualificação do título realizada no julgamento da dúvida é devolvida por inteiro ao Órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita ou violação do contraditório e ampla defesa, como decidido por este órgão colegiado na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira/SP, em v. acórdão de que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha:

“Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap Civ 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba). Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até mesmo em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial. Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (in “Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

Nesse cenário, a irregularidade verificada não impede o prosseguimento do feito e tampouco a análise do presente recurso que, no entanto, não comporta acolhimento. Vejamos.

A apresentação da certidão de casamento com a averbação do divórcio se justifica eis que, em respeito ao princípio da especialidade subjetiva, previamente ao registro do novo título faz-se necessária a averbação da mudança de estado civil dos titulares de domínio. E, para tanto, há que ser comprovada a devida anotação, junto ao assento de casamento, do divórcio realizado.

Também a comprovação do valor venal atualizado do imóvel, mediante apresentação do talão de IPTU ou certidão expedida pela Municipalidade, é imprescindível para fins de cálculo de emolumentos. Correta, pois, a exigência formulada pelo registrador, ainda que, uma vez efetuado o protocolo, não possa condicionar a prática do ato ao depósito integral do montante devido.

E diferentemente do que alega a apelante, não há controvérsia sobre o pagamento de ITBI, que não foi exigido, conforme expressamente consignado na Nota de Devolução (fl. 28/29). No que diz respeito ao ITCMD, dispõe o subitem 117.1, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em harmonia com o previsto no art. 289, da Lei nº 6.015/73 e art. 30, inciso XI, da Lei nº 8.935/94, que:

“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”

Ademais, o art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional estabelece a responsabilidade solidária dos tabeliães e registradores “pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício”.

No caso em exame, na Carta de Sentença apresentada, relativa à partilha de bens decorrente de divórcio, foram atribuídos à apelante os direitos sobre o imóvel objeto da matrícula nº 71.357 do Registro de Imóveis de Cotia/SP, assim como um veículo Ford Ecosport. Ao ex-marido da apelante, coube um lote de terreno localizado na cidade de Avaré/SP, assim como um veículo Ford Focus e a responsabilidade pelo débito decorrente de seu financiamento. Constou, ainda, que a partilha foi feita em partes iguais, considerando os bens recebidos e as dívidas assumidas por cada um dos cônjuges (fl. 44/51 e 78/81).

Ocorre que os documentos apresentados posteriormente (fl. 91/136) e a forma como a partilha foi realizada impedem que seja verificado se cada um dos ex-cônjuges recebeu, de fato, bens com valores que correspondem à sua meação no patrimônio que anteriormente era comum. É por essa razão que o registro da partilha está condicionado à prova da declaração e do pagamento do imposto que, nas transmissões gratuitas, é o Imposto de Transmissão “causa mortis” e Doação – ITCMD, ou de que não houve incidência desse tributo porque foi respeitada a meação de cada um dos cônjuges.

Essa obrigação não se modifica pela inércia da Fazenda Estadual na ação de divórcio, eis que a preclusão processual (fl. 125) não equivale à comprovação do pagamento do imposto ou declaração de não incidência.

Considerando, pois, que a prova do recolhimento do imposto devido em razão da partilha realizada, ou de sua isenção, é requisito para o registro[1], correta a exigência de expressa manifestação a respeito, por parte da Fazenda Estadual, sob pena de responsabilidade solidária do registrador.

Além disso, faz-se necessária a anuência da credora fiduciária, na forma do art. 29 da Lei nº 9.514/97, que assim prescreve:

“O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”.

A anuência da credora fiduciária é indispensável, pouco importando se a transmissão dos direitos se deu entre os devedores originais. Com efeito, tem a credora fiduciária o direito de avaliar se a garantia permanece hígida e se a transmissão dos direitos de aquisição lhe interessa, visto que é titular da propriedade imobiliária.

Ou seja, além daqueles elencados pelo Sr. Oficial, há também esse óbice a ser superado. Nesse sentido, já ficou decidido que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Sentença – Partilha de Bens – Dúvida procedente – Necessidade de correção do plano de partilha para constar a partilha dos direitos aquisitivos dos fiduciantes e não a partilha do imóvel propriamente dito – Indispensabilidade da anuência do credor fiduciário, na forma do art. 29 da Lei 9.514/97 – Carta de sentença que deve ser aditada porque o plano de partilha se encontra incompleto – Apelação não provida” (TJSP; Apelação Cível 1036558-52.2017.8.26.0100; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 28/03/2018; Data de Registro: 06/04/2018).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE – NECESSIDADE DE ANUÊNCIA DA CREDORA FIDUCIÁRIA – ART. 29, DA LEI Nº 9.514/97 – RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1103676-50.2014.8.26.0100; Relator (a): Elliot Akel; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 07/10/2015; Data de Registro: 29/10/2015).

Consigne, por fim, que a atuação do Sr. Oficial Interino deve ser melhor analisada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, na esfera administrativa, visando a apuração de eventual prática de infração disciplinar, seja porque não formulou, na última Nota de Devolução expedida, todas as exigências anteriormente apresentadas, seja porque não realizou o exame exaustivo do título, omitindo-se quanto à necessidade de anuência da credora fiduciária.

3. Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com determinação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Nota:

[1] Art. 289 da Lei nº 6.015/73.

(DJe de 14.04.2020-SP)