CSM|SP: Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura de compra e venda de conjunto de vagas autônomas de garagem – Convenção de condomínio que prevê a necessidade de utilização de manobristas na garagem e permite a exploração comercial das vagas, inclusive por meio de cessão de uso temporário a terceiros não proprietários das unidades autônomas do condomínio – Características específicas do empreendimento que permitem a alienação de grupos de vagas de garagem sem vinculação às unidades comerciais – Recurso provido.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1034896-82.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ALLPARK EMPREENDIMENTOS, PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS S/A, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e afastar o óbice apresentado pelo registrador, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de novembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1034896-82.2019.8.26.0100

Apelante: Allpark Empreendimentos, Participações e Serviços S/A

Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 37.932

Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura de compra e venda de conjunto de vagas autônomas de garagem – Convenção de condomínio que prevê a necessidade de utilização de manobristas na garagem e permite a exploração comercial das vagas, inclusive por meio de cessão de uso temporário a terceiros não proprietários das unidades autônomas do condomínio – Características específicas do empreendimento que permitem a alienação de grupos de vagas de garagem sem vinculação às unidades comerciais – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Allpark Empreendimentos, Participações e Serviços S/A contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 4º Registro de Imóveis da Capital, que manteve a recusa de registro da escritura de compra e venda de unidades autônomas de vagas de garagem em empreendimento comercial objeto da matrícula nº 181.338 daquela serventia imobiliária, por não ser possível a alienação a pessoas estranhas ao condomínio sem que exista autorização expressa na convenção de condomínio nesse sentido (fls. 161/163).

Alega a apelante, em síntese, não ser pessoa estranha ao condomínio, eis que é condômina do empreendimento, tendo adquirido as vagas de garagem em questão da própria incorporadora do empreendimento. Aduz que não se trata de comercialização de uma mera vaga de garagem, mas de um conjunto de vagas autônomas de garagem, dissociadas dos escritórios e lojas, constituídas pelo incorporador com o único objetivo de viabilizar a exploração comercial da garagem do empreendimento, por meio de empresa especializada, visando atender à demanda externa. Ressalta que a cláusula 10.8 da Convenção de Condomínio estabelece a destinação das vagas constituídas no empreendimento, prevendo que apenas a administradora da garagem poderá explorar a vacância e a rotatividade do estacionamento, o que leva à conclusão de que pode ser proprietária das vagas referidas. Acrescenta que a Convenção de Condomínio faz referência à possibilidade de alienação de vagas autônomas de garagem, impondo à Administradora da Garagem o dever de garantir o direito ao uso das vagas de garagem destinadas a cada condômino proprietário ou locatário das unidades autônomas escritórios e lojas, assim como ao proprietário das demais unidades autônomas vagas de garagem (cláusula 10.8.1). Ressalta que os grupos de vagas de garagem constituem unidades autônomas, aptas a serem comercializadas de modo individualizado e independente de qualquer outra unidade (fls. 170/179).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 213/214).

É o relatório.

A apelante, por meio de escritura pública de compra e venda (fls. 119/130), adquiriu de “BNI Ônix Desenvolvimento Imobiliário Ltda.” grupos de garagens destinadas a estacionamento, matriculados sob nos 187.238 a 187.259, localizados no empreendimento Condomínio “Vila Olímpia Prime Offices”. A qualificação negativa do título está fundada no fato de não ser a compradora proprietária de unidade autônoma do edifício (art. 1.331, § 1º, do Código Civil) e de não haver expressa previsão, na convenção condominial, da possibilidade de transmissão de vagas de garagem a terceiros estranhos ao condomínio (fls. 152).

No entanto, do Memorial de Incorporação e na Convenção de Condomínio, em que indicadas, dentre outros dados, as áreas e frações ideais das unidades autônomas (fls. 34/118), consta que o condomínio é composto por 01 unidade autônoma loja e 261 unidades autônomas escritórios (cláusula 2.1, fls. 43), sendo que na área comum de cada unidade autônoma escritório está incluída 01 vaga de garagem e na unidade autônoma loja, 05 vagas de garagem, todas indeterminadas (cláusula 2.2.1, fls. 48). Consta, também, que o condomínio é composto por 17 unidades autônomas de vagas de garagem individuais (cláusula 2.6, fls. 49) e, ainda, por 22 unidades autônomas de grupos de vagas de garagem (cláusula 2.7, fls. 50).

Veja-se que há previsão no sentido de que as vagas de garagem, bem como os blocos de vagas de garagem não participam do rateio das despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio (cláusula 6.2, fls. 73).

Além disso, no Capítulo X, há disposições que tratam das vagas de garagem integrantes das áreas comuns das unidades autônomas, sendo expressamente vedada sua alienação destacada da unidade autônoma, seja a condômino ou a terceiro (cláusula 10.4, fls. 80).

Por outro lado, há regras próprias para 17 unidades autônomas de vagas de garagem individuais (cláusula 10.5, fls. 80) e, por fim, para as 22 unidades autônomas de grupos de vagas de garagem (cláusula 10.6, fls. 81).

Está previsto, ademais, que a Administradora da garagem pode explorar comercialmente as vagas (cláusula 10.8.1, item “i”, fls. 84), inclusive por meio de cessão de uso temporário das vagas a terceiros não proprietários das unidades autônomas do condomínio (cláusula 10.8.1, item “xii”, fls. 85), cabendo-lhe, em contrapartida, arcar com os custos de manutenção das áreas de estacionamento (cláusula 10.8.1, item “iii”, fls. 84) e garantir o direito de uso das vagas de garagem destinadas a cada condômino proprietário ou locatário das unidades autônomas escritórios e loja, assim como ao proprietário das demais unidades autônomas vagas de garagem (cláusula 10.8.1, item “v”, fls. 84).

Como se vê, há disposições específicas para as vagas de garagem integrantes das áreas comuns das unidades autônomas e para as demais unidades autônomas de vagas de garagem individuais, assim como para as unidades autônomas de grupos de vagas de garagem. A todo momento, a Convenção de Condomínio as trata de forma independente e diferenciada.

Apenas em relação às primeiras, ou seja, às vagas de garagem integrantes das áreas comuns das unidades autônomas (loja e escritórios) é que existe expressa vedação à sua alienação desvinculada da unidade autônoma, seja a condômino ou a terceiro. Por essa razão, a MM.ª Juíza Corregedora Permanente entendeu que, em relação às demais espécies de vagas de garagem, a não vedação não implica a autorização para venda a terceiros, o que, à luz do disposto no art. 1.331, § 1º, do Código Civil, estaria absolutamente correto, ao menos em princípio. O silêncio, como resulta da mencionada norma, haveria mesmo de ser tomado como óbice intransponível à alienação a terceiros.

É que o intuito do legislador parece ter sido o de aprimorar a segurança das unidades condominiais, ao vedar, exceto na hipótese de explícito consentimento na convenção, que pessoas a elas alheias circulem pelo edifício apenas porque proprietárias de vagas de garagem.

Ocorre que, no caso concreto, as disposições trazidas na Convenção de Condomínio levam à conclusão diversa.

Assim se afirma, pois a apelante adquiriu unidades autônomas de grupos de vagas de garagem e assumiu junto à incorporadora/vendedora a obrigação contratual de atuar, no edifício, como administradora da garagem (fls. 131/137). Esses 22 grupos adquiridos totalizam 104 vagas de garagem, cada grupo com matrícula própria, totalmente desvinculadas das unidades autônomas denominadas loja e escritórios.

Ora, não faria sentido admitir que esses grupos de garagem estivessem, necessariamente, ligados a uma loja ou escritório, sobretudo porque prevista, na convenção de condomínio, a obrigatoriedade de uso de manobristas e custeio da manutenção do estacionamento pela administradora da garagem. É evidente, nesse empreendimento específico, que tais vagas são unidades autônomas passíveis de alienação sem qualquer vinculação às unidades comerciais, eis que podem ser destinadas ao uso do público externo mediante exploração comercial, como expressamente consta da Convenção de Condomínio.

Importa anotar, por fim, que o registro pretendido não atingirá o interesse dos demais condôminos, certo que em nada interferirá nas áreas comuns ou em suas áreas privativas.

Diante do exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e afastar o óbice apresentado pelo registrador.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

(DJe de 31.03.2020- SP)