2ª VRP|SP: Tabelionato de Notas – Formação de Carta de Sentença – Solicitação feita por terceiro – Interesse – Possibilidade – Arquivamento do requerimento.

Processo 1002977-41.2020.8.26.0100

Pedido de Providências

Registro de Imóveis

T.E.C.C.

L.G.F.

Vistos,

Trata-se de pedido de providências formulado por L.G. F. e T.E.C.C. Ltda., insurgindo-se contra a emissão de carta de sentença notarial pelo XXº Tabelião de Notas da Capital, aduzindo que a parte que requereu o indicado documento não possuía legitimidade ativa para tanto. Emendou-se a inicial às fls. 96.

O Senhor Titular prestou esclarecimentos às fls. 99/102.

Sobreveio nova manifestação pela parte autora, reiterando os termos de sua peça inicial (fls. 105/107).

O ilustre representante do Ministério Público apresentou parecer conclusivo, pugnando pelo arquivamento do expediente, ante a licitude da conduta apontado ao Senhor Titular, às fls. 110.

É o relatório. Decido.

Cuida-se de representação do interesse de L.G. F. e T.E.C.C. Ltda., que se insurgem contra a expedição de carta de sentença notarial pelo XXº Tabelião de Notas da Capital, asseverando que a parte requerente não possuía legitimidade ativa para tanto.

De início, revela-se imperioso ressaltar que o âmbito de atuação desta Corregedoria Permanente se desenvolve na esfera administrativa junto aos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionatos de Notas da Capital.

Assim, a matéria tal qual posta em controvérsia no pedido de providências ajuizado por L.G. F. e T.E.C.C. Ltda. será objeto de apreciação no limitado campo de atribuição deste Juízo Corregedor Permanente, que desempenha, dentre outras atividades, a verificação do cumprimento dos deveres e obrigações dos titulares de delegações afetas à 2ª Vara de Registros Públicos da Capital. Vale dizer, não haverá formação de convencimento judicial para declaração de anulação de escrito público, conforme anteriormente explicitado aos Senhores Representantes, às fls. 95.

Feitos esses esclarecimentos iniciais, seguimos ao mérito da questão. Narram os Senhores Representantes que firmaram acordo em ação de execução de título extrajudicial, no bojo dos autos nº 0224382-89.2008.8.26.0100, por meio do qual pactuaram que a segunda requerente entregaria ao primeiro representante unidades de apartamento, de modo a quitar obrigação constituída entre ambos. A adjudicação não foi levada a registro em razão de que as partes estabeleceram entre si que modificações ao acordo firmado poderiam ocorrer, para posteriores ajustes da dívida existente.

Ocorre que, conforme narrativa deduzida, o Senhor 15º Tabelião expediu carta de sentença notarial, que permitiu o ingresso registrário na matrícula imobiliária, referente à alteração de propriedade dos referidos bens, à terceiro, parte supostamente ilegítima, alegadamente não interessado na lide processual.

Nesses termos, representaram a esta Corregedoria Permanente, indicando conduta equivocada pela serventia extrajudicial. A seu turno, o Senhor Titular explanou que não houve falha em sua atuação, uma vez que não há vedação de se expedir o debatido documento à parte não integrante da relação processual.

Pois bem. As Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça regulamentam o tema, por meio dos itens 214 a 219, do Capítulo XVI. Tal é a redação do item 214:

214. O Tabelião de Notas poderá, a pedido da parte interessada, formar cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, nos moldes da regulamentação do correspondente serviço judicial. [grifo nosso]

A carta de sentença foi expedida por requerimento do Condomínio no qual situado o imóvel objeto da ação judicial (cf. fls. 14/18) em virtude da existência de débitos condominiais, com a finalidade do registro do título para fins de transmissão da propriedade na forma do artigo 1.245 do Código Civil.

Nessa perspectiva, patente o interesse jurídico e a conformidade do requerimento do ato notarial por terceiro interessado excluído, portanto, indício de ilícito administrativo a demandar responsabilidade disciplinar.

Ainda que o ato praticado seja pertinente à cobrança de despesas condominiais, o mandato constante dos autos não foi apresentado ao Notário, como ressaltado em sua manifestação.

Noutra quadra, eventual irregularidade do registro perante a Serventia Imobiliária é questão atinente ao Juízo Corregedor da 1ª Vara de Registros Públicos, não havendo atribuições desta Corregedoria Permanente para decisão a respeito. Se o caso, a questão deverá ser posta pelos interessados perante o órgão administrativo no exercício de função atípica com poderes administrativos bastantes.

Ainda, no que tange à informação de que os representantes não puderam obter cópia da referida carta notarial, junto ao Tabelionato, verifica-se que não há nada que desabone, também nesse ponto, a atuação do notário, uma vez que o referido instrumento não se constitui em papel notarial, não havendo previsão de “lavratura no livro próprio de qualquer nota de formação deste documento” (Loureiro, Luiz Guilherme. Registros Públicos, teoria e prática 8. Ed. Rev., atual e ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2017, pag. 1220).

Compete, todavia, uma observação ao Sr. Tabelião no sentido do arquivamento de futuros requerimentos de expedição de carta de sentença notarial quando realizada por terceiros interessados que não participaram do processo judicial.

Assim, considerados os fatos narrados e a documentação acostada aos autos, verifica-se que a carta notarial dispunha de todos os elementos necessários a sua validade, não havendo que se falar em atuação faltosa da parte do Senhor Notário.

Nessa ordem de ideias, entendo que a matéria posta em controvérsia não é apta a ensejar falta disciplinar, não se vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar instauração do procedimento administrativo.

Por conseguinte, à míngua de responsabilidade funcional a ser apurada, não cabendo outras providências, determino o arquivamento dos autos, com observação, com as cautelas de praxe.

Ciência Senhor Delegatário e ao Ministério Público.

Encaminhe-se cópia desta decisão à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício.

I.C.

(DJe de 06.04.2020 – SP)