CSM|SP: Divórcio consensual sem partilha de bens – Bem imóvel em mancomunhão – Impossibilidade de alienação antes da partilha por não configurada propriedade em condomínio – Violação do princípio da continuidade – Inviabilidade do registro da doação da metade ideal realizada por um dos antigos cônjuges pena da violação ao princípio da continuidade – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1041937-03.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado JAIR KACZINSKI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar procedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), ANTONIO CARLOS MALHEIROS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de novembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1041937-03.2019.8.26.0100

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Jair Kaczinski

VOTO Nº 37.922

Divórcio consensual sem partilha de bens – Bem imóvel em mancomunhão – Impossibilidade de alienação antes da partilha por não configurada propriedade em condomínio – Violação do princípio da continuidade – Inviabilidade do registro da doação da metade ideal realizada por um dos antigos cônjuges pena da violação ao princípio da continuidade – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra a r. sentença que julgou improcedente a dúvida e determinou o registro de escritura pública de doação da metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 9.504 do 4º Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

Sustenta o apelante a procedência da dúvida em razão da impossibilidade do registro por não ter havido a partilha do imóvel no divórcio dos proprietários em respeito ao princípio da continuidade (fls. 63/68).

O apresentante do título, em contrarrazões, preliminarmente, referiu a intenção da realização da doação da totalidade do imóvel, no mais pugnou pelo cabimento do registro, ante a possibilidade da doação de sua parte no imóvel decorrente da formação de condomínio em razão do divórcio (fls. 78/83).

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não acolhimento da preliminar e no mérito, pelo provimento do recurso (fls. 94/95).

É o relatório.

Não é possível a modificação do título em sede de apelação por já realizada a qualificação registral, assim, a intenção da doação total do imóvel é irrelevante ao exame deste recurso, não configurando matéria preliminar.

No divórcio foi estabelecido que o imóvel objeto desta dúvida “continuará em nome dos divorciandos” (fls. 14).

Não obstante a ressalva promovida na averbação do divórcio, é certo que não houve registro da partilha do imóvel (fls. 10/14). Na falta da partilha, a situação jurídica do imóvel é de mancomunhão, não de condomínio.

Nessa ordem de ideias, não é possível aplicar o regramento legal concernente ao condomínio diante da falta da atribuição da propriedade a cada um dos antigos cônjuges.

Essa é a compreensão de Maria Berenice Dias (Manual das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, e-book, 2017):

Quer no casamento, quer na união estável, quando o regime do casamento prevê a comunhão do patrimônio adquirido durante o período de convívio, os bens pertencem a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los. Cada um é titular da metade e tem direito à meação de cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome de mancomunhão, expressão corrente na doutrina, que, no entanto, não dispõe de previsão legal. É o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Nada mais significa do que propriedade em “mão comum”, ou seja, pertencente a ambos os cônjuges ou companheiros. Tal figura distingue-se do condomínio: quando o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observada a preferência do outro (CC 1.314 e seguintes).

O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão (e o respectivo registro) de partes ideais pelos antigos cônjuges por razões de duas ordens: (i) ausência de partilha, o que impossibilita o conhecimento acerca da atribuição da titularidade da propriedade e (ii) violação do princípio da continuidade por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade a falta da extinção da mancomunhão que não tem natureza jurídica de condomínio.

A aplicação do estatuto jurídico da propriedade em condomínio dependeria da partilha do imóvel nessa situação jurídica, o que não houve até o momento.

Desse modo, não poderia ocorrer o registro da doação de parcela ideal da propriedade na falta de sua partilha em virtude do divórcio.

Cabe também ressaltar que o título envolveu a doação da metade ideal do imóvel por um dos cônjuges (fls. 16/19) e não sua transmissão por ambos.

Nestes termos, respeitada a compreensão da i. MM Juíza Corregedora Permanente, compete o acolhimento do inconformismo recursal pelas razões expostas.

Por fim, cabe observar que a apelação versa sobre questão igual à decidida por este Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1041935-33.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, julgada em 19 de setembro de 2019, em que o recurso do Ministério Público foi provido para manter a recusa do registro da doação da metade ideal do imóvel, pela ausência do prévio registro da partilha.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar procedente a dúvida.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

(DJe de 11.03.2020 – SP)