CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Doação – Regime de separação obrigatória de bens – Inteligência da Súmula 377 do Eg. Supremo Tribunal Federal – Necessidade de prévia partilha dos bens deixados pelo viúvo pré-morto – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005469-40.2018.8.26.0079, da Comarca de Botucatu, em que é apelante HELENA BERGO BADRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BOTUCATU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 19 de setembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1005469-40.2018.8.26.0079

Apelante: Helena Bergo Badra

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Botucatu

VOTO Nº 37908

Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Doação – Regime de separação obrigatória de bens – Inteligência da Súmula 377 do Eg. Supremo Tribunal Federal – Necessidade de prévia partilha dos bens deixados pelo viúvo pré-morto – Recurso desprovido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por HELENA BERGO BADRA contra a r. sentença (fls. 63/67), que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial do 1º Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Botucatu, mantendo a negativa de registro de escritura pública de doação do imóvel matriculado sob n° 19.368, tendo em vista que os documentos trazidos seriam insuficientes para afastar a presunção de comunicação do bem pelo casamento da doadora.

Sustenta a apelante que inexiste qualquer presunção de comunicabilidade de bens, sendo perfeitamente cabível o registro, inexistindo óbice ao registro da escritura, tal como apresentada.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (fl. 100/102).

É o relatório.

DECIDO.

Presentes pressupostos legais e administrativos, no mérito, o recurso não comporta provimento.

O imóvel objeto da matrícula n° 19.368 foi adquirido pela apelante, no estado civil de casada com Eduardo Badra, sob o regime da separação obrigatória de bens.

Consta dos autos que o casamento celebrado entre a apelante e seu esposo se deu ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (fl. 9), de modo que se aplica ao caso o art. 2039 do Código Civil:

Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n° 3.071, de 1°de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.

O imóvel objeto da doação foi adquirido na constância do casamento, em regime de separação obrigatória, incidindo, então, a interpretação da súmula n° 377 do Eg. STF, quanto à comunicação dos bens adquiridos onerosamente em regime da separação legal.

O registro do título aquisitivo faz presumir a propriedade e produz todos os efeitos legais enquanto não for cancelado, ainda que, por outro modo, haja prova de que o título foi desfeito, anulado, extinto ou rescindido (art. 252 da Lei nº 6.015/73).

Portanto, a matrícula faz presumir que o de cujus adquiriu a metade ideal do imóvel, quando era casado pelo regime da separação legal de bens, fato ocorrido na vigência do Código Civil de 1916.

Incidem, neste caso, os art. 195 e 237 da Lei n° 6.015/73, que dispõem:

Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Art. 297. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.

Igual conclusão decorre da lição de AFRÂNIO DE CARVALHO:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público”. (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed.Forense, 1998, pág. 253).

Embora haja certa discussão doutrinária a respeito da aplicabilidade de tal Súmula, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a posição deste C. Conselho Superior da Magistratura é a de que ela ainda produz efeitos.

Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida. Escritura pública de venda e compra de imóvel. Aquisição da nua-propriedade pela mulher e do usufruto pelo marido. Regime de separação obrigatória de bens. Falecimento do cônjuge usufrutuário. Cancelamento do usufruto vitalício. Recusa do registro da compra e venda realizada pelo cônjuge sobrevivente sem a apresentação do formal de partilha. Comunicação dos aquestos nos termos da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Recusa do registro mantida. Recurso não provido” (Apelação nº 0000376-81.2013.8.26.0114, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 18/3/2014).

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Negativa de registro de escritura pública de alienação de imóvel sem prévio inventário do cônjuge pré-morto. Regime de separação legal de bens. Imóvel adquirido na constância do casamento. Comunicação dos aquestos. Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Ofensa ao princípio da continuidade. Registro inviável. Recurso não provido” (Apelação nº 0045658- 92.2010.8.26.0100, Rel. Des. Maurício Vidigal, j. em 27/10/2011).

Considerando, pois, que a aquisição ocorrera na constância de casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, estabeleceu-se entre os cônjuges uma comunhão, que não se confunde com o condomínio.

Acerca da distinção, ensina LUCIANO DE CAMARGO PENTEADO:

No condomínio há sempre duas facetas: a pluralidade de situações jurídicas e a pluralidade de sujeitos associados e organizados (Massimo Bianca). Preserva-se a possibilidade de personificação, mas esta não é necessária nem constitutiva de condomínio enquanto realidade. Na comunhão, não há essa possibilidade, porque os interesses não são unidirecionais e não há situações jurídicas diversas para pessoas diversas, mas as mesmas situações pertencentes simultaneamente a mais de uma pessoa. Na comunhão verifica-se uma situação jurídica em que o mesmo direito sobre determinada coisa comporta diferentes sujeitos. No condomínio ressalta-se o estado de indivisão de coisa, com direitos distintos, incidindo sobre partes do mesmo objeto, direitos estes que pertencem a sujeitos igualmente diversos (Direito das Coisas; 2ª ed. rev. atual. e ampl.; Editora Revista dos Tribunais; 2012; p. 454).

Ao inventário é levado o todo, somente sendo apurada a parte pertencente a cada um deles com a extinção da comunhão. Em hipótese semelhante, já se decidiu que:

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – Registro de formal de partilha – Transmissão de parte ideal de imóvel a viúva e herdeiros – Partilha que recai sobre a totalidade do bem – Hipoteca realizada em financiamento imobiliário que não afasta a norma geral – Acerto das exigências formuladas pelo Registrador – Recurso não provido. (TJSP; Apelação 0016589-34.2012.8.26.0071; Relator (a): José Renato Nalini; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Bauru – 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 26/09/2013; Data de Registro: 04/10/2013).

Necessário, assim, seja registrada, primeiramente, a partilha dos bens deixados pelo de cujus, falecido no estado civil de casado, pelo regime da separação obrigatória de bens, nos termos do art. 258 do Código Civil de 1916, vigente à época.

Correto, portanto, o posicionamento do Oficial de Registro, uma vez que a meação do cônjuge sobrevivente participa do estado indiviso do bem levado à partilha, salvo se, de forma diversa, vier a ser expressamente decidido pelo juízo do inventário.

Por estas razões, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 14.10.2019 – SP)