CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de divisão amigável – Título lavrado no ano de 1986 – Diversas inscrições posteriores que modificaram a situação dominial do imóvel – Ausência de disponibilidade – Ofensa ao Princípio da Continuidade – Impossibilidade de retroatividade do título para influenciar relações jurídicas posteriores – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001802-73.2018.8.26.0070, da Comarca de Batatais, em que é apelante ANA MARIA DE LIMA MARINHEIRO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BATATAIS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de setembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001802-73.2018.8.26.0070

Apelante: Ana Maria de Lima Marinheiro

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Batatais

VOTO Nº 37.870

Registro de Imóveis – Escritura pública de divisão amigável – Título lavrado no ano de 1986 – Diversas inscrições posteriores que modificaram a situação dominial do imóvel – Ausência de disponibilidade – Ofensa ao Princípio da Continuidade – Impossibilidade de retroatividade do título para influenciar relações jurídicas posteriores – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta por ANA MARIA DE LIMA MARINHEIRO contra a r. sentença de fls. 89/91, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Batatais, mantendo o óbice para registro de escritura pública de divisão amigável, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 1.182 daquela serventia.

Sustenta a apelante que, muito embora haja novos proprietários tabulares, eles não serão prejudicados e terão os seus quinhões resguardados, já que a escritura reflete, em verdade, uma permuta de partes ideais. Assim, face à ausência de prejuízo a terceiros, em respeito à manifestação de vontade declarada, e por aplicação do Princípio da Cindibilidade, seria possível o ingresso do título, por envolver transmissões entre proprietários tabulares.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 114/116).

É o relatório.

Presentes pressupostos recursais e administrativos, no tema de fundo, o recurso não comporta provimento.

Busca-se o registro, junto ao imóvel da matrícula n° 1.182 (fl. 32/55), de escritura pública de divisão amigável celebrada entre Álvaro Roberto Marinheiro Sandrin, Zilda Marinheiro Sandrin, Geraldo Marinheiro, Odila Silva Marinheiro, Thereza Marinheiro Fernandes, Genesio Marinheiro, Francisca Cardoso Marinheiro, Oswaldo Marinheiro, Neida Marly Valentini Marinheiro, Antonio Carlos Marinheiro, Ana Maria de Lima Marinheiro, Fernando Antonio de Pádua Marinheiro, Maria Cristina Torres Marinheiro, Rita Aparecida Marinheiro Manso Paulo Roberto Jardim Manso, Maria Regina Fernandes Barroso, casada com José Francisco Barroso, e José Mauro Marinheiro Fernandes, Sonia Maria Sandrin Toscano, Luís Paulo Toscano, Dilma Trivelli Pimenta Sandrin, João Bosco Marinheiro Sandrin, Alexandra Jardim Sandrin, Sandra Maria Baldo Fernandes, e como intervenientes anuentes Maria José de Lima Marinheiro e Maria Tavares Marinheiro, lavrada em 30 de setembro de 1986, junto ao 1º Tabelião de Notas da comarca de Batatais (fls. 09/26).

Ocorre que, como a escritura não fora apresentada a registro naquela época, nesse interregno houve ingresso de outros diversos títulos, com alterações sucessivas de titulares de frações ideais, seja por transmissão inter vivos como causa mortis, de modo que a realidade registral hoje não mais reflete aquela que consta da escritura ora obstada.

Pelo exame do histórico dominial, em dezembro de 1976, verifica-se que eram proprietários tabulares, na fração de 1/7, Armando Marinheiro, Maria José de Lima Marinheiro, Álvaro Roberto Marinheiro Sandrin, Zilda Marinheiro Sandrin, Geraldo Marinheiro, Odila Silva Marinheiro, Pedro Paulo Fernandes, Thereza Marinheiro Fernandes, Genesio Marinheiro, Francisca Cardoso Marinheiro, Oswaldo Marinheiro, Neida Marly Valentini Marinheiro, Antonio Carlos Marinheiro e Ana Maria Lima Marinheiro (fls. 32).

Em 5 de abril de 1984, Armando Marinheiro Maria José de Lima Marinheiro doaram sua fração ideal de 1/7 a Fernando Antonio de Pádua MarinheiroMaria Cristina Torres MarinheiroRita Aparecida Marinheiro Manso Paulo Roberto Jardim Manso (R.3, fls. 32/33).

Diante do falecimento de Pedro Paulo Fernandes, em 11 de outubro de 1985 (R.6, fl. 33), houve partilha de sua fração ideal entre a viúva meeira, Tereza Marinheiro Fernandes, na fração de ½, restando a outra metade aos filhos Maria Regina Fernandes Barroso, casada com José Francisco Barroso, e José Mauro Marinheiro Fernandes.

Assim, pela escritura de divisão amigável ora obstada (fls. 09/26), em 30 de setembro de 1986, Fernando Antonio de Pádua Marinheiro, sua esposa Maria Cristina Torre MarinheiroRita Aparecida Marinheiro Manso e seu marido Paulo Roberto Jardim Manso resolveram transmitir seus quinhões, a título oneroso, recebendo frações ideais em pagamento.

Ocorre que, como o título não foi apresentado a registro naquela época, ao longo dos anos houve diversas inscrições junto à matrícula, alterando a situação dominial, fazendo com que, hoje, não haja mais correspondência entre os outorgantes e os titulares atualmente inscritos no fólio real.

Com efeito, após o referido registro R.6 (formal de partilha dos bens deixados por Pedro Paulo Fernandes), houve os seguintes registros: formal de partilha (R.12, fl. 35); carta de sentença (R. 14, fls. 36/37); formal de partilha (R.16, fl. 38); escritura pública de sobrepartilha (R.22, fls. 40/41); escritura de venda e compra (R. 24 e R. 26, fls. 41/42); quatro escrituras públicas de inventário e partilha (R.28, R.33, R. 38 e R. 42, fls. 43/51) e uma escritura pública de compra e venda (R. 47, fl. 53).

Face às inúmeras mutações dominiais, ainda que a apelante afirme que não haverá prejuízo a qualquer dos atuais titulares de frações ideais, é inegável a afirmação de que já não existe disponibilidade daqueles outorgantes estampados no título, havendo óbice à sua inscrição, nos termos do art. 172 da Lei n° 6.015/1973:

“Art. 172 – No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, ” inter vivos” ou ” mortis causa” quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”.

Como afirmado pelo Sr. Oficial, realmente não há como se operar efeitos retroativos ao título, datada do 1986, para que, agora, gere efeitos em todas as inscrições subsequentes, mesmo que, conforme sustentado, a intenção das partes tenha sido apenas permutar frações ideais, sem prejuízo aos demais titulares.

Por mais que se esforce a apelante em demonstrar a ausência de prejuízos a terceiros, é insuperável que aqueles que figuram como outorgantes no título que se busca ingresso não podem, nesta data, figurarem como partes em negócio jurídico, seja em razão de falecimentos, seja por ausência de disponibilidade, se diversas foram as modificações dominiais ocorridas ao longo do tempo.

De fato, independentemente de manifestação de vontade declarada ao tempo do negócio jurídico, do ponto de vista dos direitos reais imobiliários – com natureza constitutiva de direitos reais, como regra geral –, os requisitos de validade e eficácia do título são observados ao tempo da prenotação (art. 1.246 do Código Civil):

“Art. 1246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo”.

No caso em exame, além de respeito ao Princípio da Continuidade, também justamente em razão do Princípio da Prioridade, gerado pela prenotação, é que os títulos contraditórios preponderam sobre títulos prenotados posteriormente (art. 186 da Lei n° 6.015/1973):

“Art. 186 – O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente”.

Por esses motivos, também não há se falar em cindibilidade do título, uma vez que, na forma apresentada, não é cabível seu ingresso, ainda que o negócio jurídico diga respeito somente a parte dos titulares de frações ideais.

Neste cenário, respeitadas as razões da apelante, o desprovimento do apelo é medida inafastável.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 07.10.2019 – SP)