CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Venda e Compra – Prova do adimplemento do preço – Em nosso sistema de venda obrigatória, a entrega da coisa ou o pagamento não perfazem o negócio. São atos de execução – Nenhum embaraço se opõe ao registo do instrumento, cuja força jurídica conseqüente não está condicionada ao adimplemento do saldo do contrato – Registro autorizado.

CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 269.965

LOCALIDADE: Itu

DATA JULGAMENTO: 29/06/1978

DATA DJ: 07/09/1978

Relator: Andrade Junqueira

íntegra:

APELAÇÃO CÍVEL N. 269.965 – ITU

Apte. Domingos D´Imperio

Apdo. Oficial do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Itu.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AC 269.965, da Comarca de Itu, em que é apelante Domingos D’Império e apelado o Sr. Oficial do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca,

Acordam, por votação unânime, dar provimento ao recurso, pagas as custas ex lege.

1. Não se conforma o recorrente com a respeitável sentença que, acolhendo dúvida inversa, denegou registo de escritura de venda e compra, sob fundamento de que se não provara o adimplemento do preço do negócio aquisitivo anterior, de parte do titular das transcrições. Sustenta o recurso que caso não era do ônus ou vínculo impediente do registro, nem haveria lei que impusesse prova de quitação de promissórias legadas a negócio precedente.

2. Consistente o recurso.

Os instrumentos dos negócios jurídicos, que, na cadeia de transmissões, precederam ao ora apresentado, foram transcritos, a despeito da menção expressa de saldo devedor em aberto, representado por notas promissórias, agora vencidas. Desnecessária, no entanto, prova de adimplemento dessas obrigações. O caso não é de ônus ou vínculo impedimento de registo, nem de negócio resolúvel. Venda e compra, cujo preço é parcelado, não equivale, em princípio, a promessa ou compromisso de venda e compra, enquanto negócio jurídico preliminar.

Tratando-se de contrato de compra e venda pura, é obrigatória e perfeita desde a consumação do acordo quanto ao objeto e ao preço (art. 1.126 do CC). Presente a conjugação de declarações de vontades dos sujeitos, quanto à res pretium, e, cuidando-se de ato translativo de direito real, guardada a forma legal, o negócio jurídico de venda e compra aperfeiçoou-se e, pois, não é mais suscetível de retratação ou desconstituição, salvo resolução, ou resilição, fundada em causas legais.

Ora, eventual inadimplemento do saldo do preço não constitui motivo jurídico desconstitutivo ou invalidante do negócio consumado. Não é o pagamento, na verdade, senão execução de contrato perfeito. “Não confundir, porém, preço com pagamento, aviso este que não é supérfluo, pois a própria lei, em certo lugar, fala em preço com significado de pagamento (CC, art. 1.127). Se o comprador paga com moeda falsa ou dinheiro recolhido, ou cheque sem fundo, preço houve; o que não houve foi pagamento. O vendedor será credor do preço, se não preferir atacar o ato por outros defeitos” (Agostinho Alvim, Da compra e venda e da troca, Rio de Janeiro – São Paulo, Forense, 1961, p. 19, n. 10. Grifos nossos e do original). Em nosso sistema de venda obrigatória, a entrega da coisa ou o pagamento não perfazem o negócio. São atos de execução. Logo, eventual inadimplemento da obrigação de pagar o saldo do preço não lhe atinge a consistência e, portanto, não dá acesso a pretensão ou ação resolutória. Bem por isto, acentuou-se, no escólio invocado, que ao credor se assegura apenas o crédito correspondente à obrigação descumprida, a menos que prefira questionar a substância do negócio por outros fundamentos.

Entende-se, pois, que “se o comprador está em mora a há eficácia da mora, já tendo o vendedor prestado o bem vendido, a ação do vendedor é para que o comprador pague o preço, com os juros da mora, desde que o preço deveria ter-lhe sido prestado e outras indenizações. . .  Se o comprador não pagou o preço, ou só o pagou em parte, tem o vendedor a ação para adimplemento, na qual a sentença condena o comprador a pagar o preço, ou completá-la, com indenização” (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado cit., 1962, t. 39, p. 370, § 4.337).

Ora, não padecendo os negócios anteriores de defeito que possa, comprometendo a transmissão dominial, dar origem a pretensão ou ação resolutiva, nenhum embaraço se opõe ao registo do instrumento apresentado, cuja força jurídica conseqüente não está condicionada ao adimplemento do saldo dos contratos anteriores.

3. Do exposto, acordam, por votação unânime, dar provimento ao recurso, para autorizar o registo. Custas ex causa.

São Paulo, 29 de junho de 1978

Acácio Rebouças, Presidente do Tribunal de Justiça, por não envolver inalienabilidade a matéria suscitada – Humberto de Andrade Junqueira, Corregedor Geral da Justiça e Relator – Young da Costa Manso, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça e Revisor.