CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura de compra e venda objeto de rerratificação para alterar o comprador que passou a ser pessoa jurídica de que são sócios os adquirentes originais – Possibilidade, uma vez que a rerratificação ocorreu antes do registro do negócio jurídico – Imposto de Transmissão “inter vivos” recolhido em nome do anterior adquirente – Necessidade de comprovação do pagamento do imposto em razão da transmissão realizada para a nova adquirente – Alegação de dificuldade para a retificação da guia de recolhimento do ITBI, ou para a repetição do indébito, que não comporta solução no procedimento de dúvida que tem natureza administrativa e em que o Município não intervém – Recurso não provido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001939-02.2017.8.26.0390, da Comarca de Nova Granada, em que é apelante SANTOS & OLIVEIRA NG COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONTRUÇÃO LTDA – ME, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE NOVA GRANADA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso e mantiveram a procedência da dúvida, v.u”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 28 de março de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001939-02.2017.8.26.0390

Apelante: Santos & Oliveira Ng Comercio de Materias de Construção Ltda – Me

Apelado: Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Juridícas da Comarca de Nova Granada-sp

VOTO Nº 37.714

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura de compra e venda objeto de rerratificação para alterar o comprador que passou a ser pessoa jurídica de que são sócios os adquirentes originais – Possibilidade, uma vez que a rerratificação ocorreu antes do registro do negócio jurídico – Imposto de Transmissão “inter vivos” recolhido em nome do anterior adquirente – Necessidade de comprovação do pagamento do imposto em razão da transmissão realizada para a nova adquirente – Alegação de dificuldade para a retificação da guia de recolhimento do ITBI, ou para a repetição do indébito, que não comporta solução no procedimento de dúvida que tem natureza administrativa e em que o Município não intervém – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Nova Granada e manteve a negativa do registro da compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 11.333 que foi realizada por escritura pública objeto de rerratificação.

O apelante alegou, em suma, que é pessoa jurídica regularmente constituída, tem a posse do imóvel e o utiliza em conformidade com os requisitos fixados pelo Município de Nova Granada na instituição do Distrito Industrial, razão pela qual o registro da escritura de compra e venda, com sua rerratificação, não causará prejuízos. Asseverou que foi promovido o recolhimento do ITBI devido pela compra e venda e que a rerratificação da escritura pública, para alterar a figura do comprador, não alterou o fato gerador desse imposto. Disse que houve aumento significativo do valor venal do imóvel e que terá prejuízo injustificável se for obrigada a recolher novamente o ITBI, mesmo se for considerada a possibilidade do comprador inicialmente indicado solicitar a devolução do valor que pagou ao Município. Por fim, não há vedação para a retificação da escritura pública de compra e venda com a alteração da figura do comprador que, neste caso, passou a ser a empresa constituída pelas pessoas que inicialmente figuraram como adquirentes do imóvel, pois a retificação ocorreu antes do registro da escritura pública. Asseverou que a escritura de rerratificação visou atender as exigências formuladas pelo Oficial de Registro de Imóveis quando da apresentação da escritura de compra e venda retificada, não podendo servir para a formulação de novas exigências que acabam por impedir o registro da compra e venda. Requereu o provimento do recurso para que seja promovido o registro da compra e venda.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 180/183).

É o relatório.

Foi originalmente apresentada para registro escritura pública de compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 11.333 do Registro de Imóveis de Nova Granada, lavrada em 06 de junho de 2017, em que figuraram como vendedor J. Cardoso Comércio e Transporte de Areia e Pedra Ltda. ME e como compradores Wiliam dos Santos Oliveira e Ana Paula Santos de Oliveira (fls. 11/13).

Consta às fls. 36 que o registro dessa escritura foi recusado porque não foi comprovada a autorização municipal para a venda do imóvel situado em Distrito Industrial, como exigido pela Lei nº 065/2002 do Município de Nova Granada.

Ainda segundo a apelante, para atender essa exigência foi lavrada em 18 de setembro de 2017, nas págs. 109/110 do Livro 063 do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Ipiguá, Comarca de São José do Rio Preto, escritura pública de rerratificação em que passou a figurar como compradora do imóvel a empresa Santos & Oliveira NG Comércio de Materiais de Construção Ltda. – ME, o que ocorreu mediante anuência dos compradores originais que são os sócios da nova adquirente (fls. 09/10).

Além disso, consta na escritura pública de rerratificação que a venda do imóvel para a apelante foi autorizada pela Lei nº 0036/2017, do Município de Nova Granada.

Posteriormente, com a reapresentação da escritura de compra e venda, e sua rerratificação, foi o registro novamente recusado porque: I) a Lei Municipal nº 36/2017 descreve o imóvel como consistente em lote de terreno com 1.575,00m², ao passo que a matrícula diz respeito a um barracão com 357,64m² e seu respectivo terreno, o que violaria a continuidade; II) os efeitos da rerratificação retroagem à data do ato que foi retificado, razão pela qual a empresa Santos & Oliveira NG Comércio de Materiais de Construção Ltda.-ME não pode ser compradora de imóvel por meio de escritura pública que foi originalmente lavrada na data em que sua personalidade jurídica não existia de forma regular; III) a guia de ITBI indicada na escritura de compra e venda deve ser retificada para constar como adquirente a empresa Santos & Oliveira NG Comércio de Materiais de Construção Ltda. – ME, ou deve ser promovido o novo recolhimento do Imposto de Transmissão “inter vivos” – ITBI (fls. 28/33).

A primeira exigência foi corretamente afastada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, pois não há discrepância entre a descrição do imóvel contida na matrícula nº 11.333 e a Lei Municipal nº 0036/3017 que autorizou sua venda para a empresa Santos & Oliveira NG Comércio de Materiais de Construção Ltda. (fls. 21).

O cumprimento da segunda exigência, consistente na apresentação de lei municipal autorizando a venda do imóvel, acabou sendo promovido por ocasião da escritura pública de rerratificação.

Contudo, a autorização municipal foi concedida para a venda do imóvel para a empresa Santos & Oliveira NG Comércio de Materiais de Construção Ltda., e não para os compradores inicialmente indicados na escritura pública, o que ensejou a rerratificação para a modificação da pessoa do adquirente.

Essa alteração não acarreta a nulidade do negócio jurídico, nem impede o registro da compra e venda para a apelante porque a escritura rerratificada não foi registrada, com transferência do domínio do imóvel aos compradores originais, e porque esses compradores anuíram com a modificação realizada.

A propriedade somente se transfere, por ato “inter vivos”, mediante registro do título aquisitivo (arts. 1.227 e 1245 do Código Civil), razão pela qual a retificação da escritura pública com a modificação da pessoa do comprador, desde que mediante anuência do adquirente original, não impede o registro em conformidade com o ato rerratificado.

Ademais, sendo o registro do título constitutivo do direito real de propriedade, não existe impedimento para que a nova compradora passe a figurar na matrícula como proprietária do imóvel, pois a data da aquisição do domínio será a do protocolo do título no Registro de Imóveis, a que retroagem os efeitos do registro.

E no registro constará como título aquisitivo a escritura pública de compra e venda com sua rerratificação que foi realizada quando a empresa compradora já estava regularmente constituída.

Afasta-se, por esses motivos, a recusa do registro fundada na impossibilidade de rerratificação da escritura pública para alterar a identidade do comprador. Permanece, porém, a necessidade de apresentação de nova guia de recolhimento do Imposto de Transmissão “inter vivos” – ITBI em que figure como adquirente a empresa Santos & Oliveira NG Comércio de Materiais de Construção Ltda.

A guia do Imposto de Transmissão “inter vivos” – ITBI indicada na escritura pública foi recolhida tendo como adquirente do imóvel Wiliam dos Santos Oliveira, portador do CPF 364.119.298-66 (fls. 15).

Tendo ocorrido alteração substancial do negócio jurídico, impõe-se a apresentação de nova guia de recolhimento do Imposto de Transmissão “inter vivos” – ITBI em que figure como adquirente o novo comprador, o que poderá ser feito tanto mediante retificação da guia anterior como através do novo recolhimento do imposto.

Isso porque compete ao Município de Nova Granada verificar se o imposto já pago teve como fato gerador a compra e venda celebrada entre o proprietário do imóvel e a empresa Santos & Oliveira NG Comércio de Materiais de Construção Ltda., ou se o fato gerador consistiu na venda do imóvel para Wiliam dos Santos Oliveira e Ana Paula Santos Oliveira que posteriormente anuíram com a transmissão de seus direitos de compradores para a apelante.

Essa exigência não se altera pelo fato dos compradores originais serem os sócios da nova adquirente, pois têm personalidades jurídicas distintas.

Por fim, o presente procedimento é via imprópria para a declaração de que o imposto já recolhido teve como fato gerador a venda do imóvel para a apelante, porque esse reconhecimento depende da retificação da guia de recolhimento do ITBI a ser promovida pelo Município de Nova Granada.

Ademais, o procedimento de dúvida tem como finalidade a solução da controvérsia entre o apresentante e o Oficial de Registro sobre a possibilidade de acesso do título ao fólio real, razão pela qual eventual litígio entre o apelante e o Município de Nova Granada, que tenha por objeto ato praticado pela Administração Pública, deverá ser solucionado em ação própria.

Ante o exposto, e porque subsistente um dos óbices opostos ao registro, nego provimento ao recurso e mantenho a procedência da dúvida.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 03.07.2019 – SP)