CSM|SP: Registro de imóveis – Carta de Adjudicação – Aquisição por estrangeiro – Autorização temporária de permanência que não equivale a residência permanente no Brasil – Constitucionalidade e incidência da Lei n. 5.709/71 que impede a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros não residentes – Irrelevância, em razão da vedação legal, da área ser inferior a três módulos de exploração indefinida, bem como da possibilidade de aquisição pelo condômino estrangeiro – Inviabilidade da cisão do título, por sua unidade, para fins de registro – Nulidade do registro configurada – Recurso não provido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0002071-85.2016.8.26.0269, da Comarca de Itapetininga, em que são apelantes BRADLEY LOUIS MANGEOT, PEDRO NESTOR GUIVISDALSKY, ELENA ALEJANDRA BOUBET, CLEIDE KAYOKO MORYIAMA, PAULO ANTONIO FISCHER, TANIA MARIA FISCHER, VANESSA ALVES DA SILVA, OSVALDO VERGA, DORALICE RODRIGUES VERGA, GILSON NUNES ALCANTARA, ADRIANA PEREIRA DA SILVA ALCÂNTARA, JOSÉ NERES DA SILVA, MIRIAM NERES DA SILVA, FERNANDO FERNANDES DE OLIVEIRA e MARIA REGINA MANGEOT, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TITÚLOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DE ITAPETININGA/SP.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de fevereiro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 0002071-85.2016.8.26.0269

Apelantes: Bradley Louis Mangeot, Pedro Nestor Guivisdalsky, Elena Alejandra Boubet, Cleide Kayoko Moryiama, Paulo Antonio Fischer, Tania Maria Fischer, Vanessa Alves da Silva, Osvaldo Verga, Doralice Rodrigues Verga, Gilson Nunes Alcantara, Adriana Pereira da Silva Alcântara, José Neres da Silva, Miriam Neres da Silva, Fernando Fernandes de Oliveira E Maria Regina Mangeot

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Titúlos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Itapetininga/SP

VOTO N.º 37.648

Registro de imóveis – Carta de Adjudicação – Aquisição por estrangeiro – Autorização temporária de permanência que não equivale a residência permanente no Brasil – Constitucionalidade e incidência da Lei n. 5.709/71 que impede a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros não residentes – Irrelevância, em razão da vedação legal, da área ser inferior a três módulos de exploração indefinida, bem como da possibilidade de aquisição pelo condômino estrangeiro – Inviabilidade da cisão do título, por sua unidade, para fins de registro – Nulidade do registro configurada – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Bradley Louis Mangeot e outros contra r. sentença que reconheceu a nulidade do registro de carta de adjudicação em razão da presença de estrangeiros entre os adquirentes de imóvel rural em contraste com as disposições da Lei n. 5.709/71.

Os apelantes sustentam a regularidade e natureza jurisdicional do título, o fato dos condôminos estrangeiros serem residentes, a possibilidade da aquisição de imóveis rurais por estrangeiros residentes, a inconstitucionalidade das normas da Lei n. 5.709/71, a não equiparação da adjudicação à compra de imóvel rural, violação do Tratado do Mercosul, ausência de vontade de comprar o imóvel em razão da adjudicação, fração ideal no limite do permitido pela legislação e a possibilidade de divisão do imóvel; competindo a reforma da decisão com a manutenção do registro existente (a fls. 339/386).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (a fls. 443/446).

É o relatório.

A natureza judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 119 do Capítulo XX das NSCGJ. Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível: 1004739-62.2017.8.26.0047, j. 24/7/2018; Apelação Cível: 0014119-11.2017.8.26.0344, j. 5/7/2018).

A circunstância da aquisição do imóvel ter decorrido de adjudicação em processo judicial não exclui a incidência da Lei 5.709/71, uma vez que a norma jurídica em questão menciona aquisição imobiliária em sentido amplo, não restringindo apenas às hipóteses de aquisição derivada por meio compra e venda ou permuta.

A tanto confiram-se os artigos 1º, caput, e 3º, caput:

Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

Art. 3º – A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 (cinqüenta) módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua. (grifos meus)

Assim, a aquisição do imóvel dependeu de ato volitivo da parte dos estrangeiros, na forma do artigo 876 do Código de Processo Civil.

O ponto fundamental é a transmissão da propriedade em decorrência de requerimento (vontade) de pessoas físicas com situação jurídica de estrangeiro, pouco importando se tal decorreu de adjudicação em processo judicial ou outra modalidade.

O fato dos Srs. Pedro Nestor Guividalsky e Elena Alejandra Boubet terem permissão de residência temporária no Brasil (cf. documentos de fls. 300/302) não os exclui da vedação legal contida no artigo 1º, caput, da Lei 5.709/71, ou seja, a impossibilidade de aquisição de imóvel rural por estrangeiro não residente.

A permissão de residência temporária não se equipara a situação jurídica de estrangeiro com residência permanente, portanto, os documentos de fls. 300/302, à falta de autorização de residência permanente, não têm o condão de excluir a vedação legal.

O artigo 6º, caput, do Decreto n. 74.965/74, dispõe:

Ao estrangeiro que pretende imigrar para o Brasil é facultado celebrar, ainda em seu país de origem, compromisso de compra e venda do imóvel rural desde que, dentro de 3 (três) anos, contados da data do contrato, venha fixar domicílio no Brasil e explorar o imóvel. (grifos meus)

No caso em julgamento não há prova de processo de imigração dos Srs. Pedro Nestor Guividalsky e Elena Alejandra Boubet, ao menos com conhecimento do Governo Brasileiro e tampouco da exploração do imóvel pelos mesmos, portanto, não tem lugar a aplicação do dispositivo legal em questão.

Recorde-se que as Cédulas de Identidade de Estrangeiro de fls. 301/302 são temporárias e não permitem a conclusão do desejo de imigração.

A alegação de não recepção da Lei n. 5.709/71 pela Constituição Federal não pode ser aceita a falta de qualquer decisão judicial a respeito, não sendo a presente via administrativa adequada a tanto; destarte, permanece a presunção de constitucionalidade daquela.

Nesse sentido, em situação próxima, transcrevo trecho da decisão do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar na Ação Cível Originária 2.463 Distrito Federal, j. 1º/9/2016, conforme segue:

Percebam as balizas objetivas do caso. O autor pretende a declaração de nulidade de ato da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo mediante o qual se reconheceu a não recepção do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 5.709/1971. O preceito restringe a aquisição de imóveis rurais por pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social pertença a estrangeiros.

Observem a organicidade do Direito. A norma em jogo, embora controvertida no âmbito administrativo, não foi declarada inconstitucional pelo Supremo em processo objetivo. Ou seja, milita em favor do dispositivo a presunção de constitucionalidade das leis regularmente aprovadas pelo Poder Legislativo, tal como preconiza o Estado de Direito. É impróprio sustentar a não observância de diploma presumidamente conforme ao Diploma Maior com alicerce em pronunciamento de Tribunal local em processo subjetivo – mandado de segurança. Notem, a ressaltar essa óptica, que o ato atacado afastou a incidência, em apenas um Estado da Federação, de preceito de lei federal por meio da qual regulamentado tema inserido na competência da União – artigo 190 da Constituição Federal -, atentando contra o pacto federativo.

A par desse aspecto, vê-se, em exame inicial, a existência de fundamentos na Carta Federal para o alcance das restrições previstas na Lei nº 5.709/1971. O Texto Maior, conquanto agasalhe os princípios da isonomia e da livre iniciativa, reservou ao legislador ferramentas aptas a assegurar a soberania, pressuposto da própria preservação da ordem constitucional. A soberania, além de fundamento da República Federativa do Brasil, também constitui princípio da ordem econômica, evidenciando o papel no arranjo institucional instaurado em 1988. Expressou-se preocupação com a influência do capital estrangeiro em assuntos sensíveis e intrinsecamente vinculados ao interesse nacional. Daí o tratamento diferenciado previsto no artigo 190 da Lei Básica da República:

Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.

A efetividade dessa norma pressupõe que, na locução “estrangeiro”, sejam incluídas entidades nacionais controladas por capital alienígena. A assim não se concluir, a burla ao texto constitucional se concretizará, presente a possibilidade de a criação formal de pessoa jurídica nacional ser suficiente à observância dos requisitos legais, mesmo em face da submissão da entidade a diretrizes estrangeiras – configurando a situação que o constituinte buscou coibir.

Nestes termos, não se cogita da inconstitucionalidade da Lei n. 5.709/71, competindo sua aplicação, mormente na esfera administrativa.

A Lei n. 5.709/71 regula a aquisição de imóveis rurais por estrangeiro residente ou não no Brasil, não há sentido em sustentar que ao estrangeiro não residente a aquisição de terras rurais seria livre, a interpretação sistemática da lei redunda na vedação de imóveis rurais por estrangeiros não residentes.

Desse modo, como também destacado no parecer do INCRA (a fls. 62/67) e da D. Procuradoria Geral da Justiça (a fls. 443/446), a Lei n. 5.709/71 impede a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros não residentes.

A aquisição imobiliária por adjudicação não afasta a incidência da norma restritiva, não ocorrendo, também nessa ótica, qualquer afronta à Constituição Federal ou o Código de Processo Civil. Reitero o suprarreferido acerca do caráter voluntário da aquisição por meio de adjudicação.

A carta de adjudicação tem equivalência à escritura pública em razão de sua origem (pública), a previsão do artigo 8º da Lei n. 5.709/71 não exclui a carta de adjudicação e tampouco limita as aquisições imobiliárias pela forma de escritura pública.

As previsões do Tratado do Mercosul e demais atos normativos a ele relacionados, igualmente, não redundam na inaplicabilidade da Lei n. 5.709/71; porquanto são legítimas as distinções a estrangeiros em conformidade com a soberania de cada país membro.

A situação jurídica de estrangeiros não residentes, que não é alterada pela autorização de permanência temporária, dos Srs. Pedro Nestor Guividalsky e Elena Alejandra Boubet, redundam na irrelevância da possibilidade de aquisição pelo Sr. Bradley, também estrangeiro, bem como, a aquisição ser inferior a três módulos de exploração indefinida.

Como ressaltado no parecer do INCRA (itens 10 e 11, fls. 64/65), o Sr. Bradley e os demais condôminos são atingidos por via reflexa ante a impossibilidade de aquisição de imóvel rural por estrangeiro que não possui autorização de residência definitiva no Brasil.

Em virtude da aquisição imobiliária na modalidade de condomínio geral, não é possível a cisão do título para fins de registro ante sua unidade. A divisibilidade do imóvel encerra fato jurídico diverso da aquisição em comunhão de direitos, como consta do título, cujo registro foi declarado nulo.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 03.07.2019 – SP)