CSM|SP: Dúvida de registro – Arrematação – Cancelamento indireto das indisponibilidades – Modo de privilegiar a facilitação do tráfego jurídico – Precedentes – 1. Depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”) – 2. Esse modo de decidir, afinal, resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público – 3. Improcedência da dúvida.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004286-19.2016.8.26.0236, da Comarca de Ibitinga, em que é apelante CARROCERIAS E MADEIRAS CIMAL LTDA – EPP, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE IBITINGA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram provimento e julgaram improcedente a dúvida, para que se proceda ao registro strictu sensu, nos termos do voto do Desembargador Artur Marques. Vencido o Desembargador Pinheiro Franco, que votou por negar provimento. Declararão votos os Desembargadores Fernando Torres Garcia (convergente) e Pinheiro Franco (divergente).”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), vencedor, PINHEIRO FRANCO (CORREGEDOR GERAL), vencido, PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 28 de maio de 2019

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

VICE-PRESIDENTE

RELATOR DESIGNADO

APELAÇÃO CÍVEL nº 1004286-19.2016.8.26.0236

APELANTE: CARROCERIAS E MADEIRAS CIMAL LTDA – EPP

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE IBITINGA

COMARCA: IBITINGA

VOTO Nº 45.958

Dúvida de registro – Arrematação – Cancelamento indireto das indisponibilidades – Modo de privilegiar a facilitação do tráfego jurídico – Precedentes – 1. Depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”) – 2. Esse modo de decidir, afinal, resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público – 3. Improcedência da dúvida.

1. Carrocerias e Madeiras Cimal Toda Ltda. Interpôs apelação contra sentença que, julgando procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Ibitinga, obstou ao registro stricto sensu de compra e venda celebrada por escritura pública.

A apelante alega que para o registro dessa compra e venda não é necessário o prévio cancelamento de indisponibilidades. No seu entender, essas averbações não têm mais nenhuma eficácia, já que são todas anteriores à arrematação do imóvel pelo ora vendedor, em hasta pública.

2. Razão assiste a apelante.

Conquanto fosse respeitável o entendimento do eminente Desembargador Relator que votava pela improcedência do apelo , deve-se reconhecer que ao longo de anos a jurisprudência deste Conselho já veio abrigando, em decisões reiteradas, a tese sustentada pelo recorrente. Ou seja: depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta realmente perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”).

Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Penhoras e decretos de indisponibilidade que não impedem a alienação forçada. Ocorrida a alienação forçada, há, por via indireta, imediato cancelamento das penhoras e indisponibilidades pretéritas. Cancelamento direto que não é condição necessária à posterior alienação voluntária. Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada. Recurso desprovido (CSMSP, Apelação Cível 100157093.2016.8.26.0664, Rel. Des. Pereira Calças, j. 19.12.2017)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada – Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade – O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária – Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada – Recurso provido (CSMSP, Apelação Cível 0019371-42.2013.8.26.0309, Rel. Des. Pereira Calças, j. 14.03.2017).

Ressalto que a questão é tormentosa.

Eu mesmo, em caso análogo (isto é, no primeiro julgamento da Apel. Cív. 0019371-42.2013.8.26.0309, em 27.01.2015, sob a relatoria do Desembargador Elliot Akel), tive a oportunidade de proferir voto pela procedência da dúvida. É que, em tal oportunidade, a jurisprudência mais recente deste Conselho ainda não se havia consolidado em favor do cancelamento indireto das indisponibilidades, depois da arrematação.

Contudo, verifico agora que é caso de prestigiar o entendimento contrário, que se veio consolidando desde então, em particular depois do julgamento das Apelações Cíveis 1077741-71.2015.8.26.0100, em 20.05.2016, e 0023897-25.2015.8.26.0554, em 15.09.2016. Esse modo de decidir, afinal, se resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público.

Além disso, esse reiterado entendimento do Conselho, de um lado, não faz mais que tornar presente a segura lição de Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 184, g. n.):

Assim como a constituição de direitos reais por atos entre vivos se dá pela inscrição, a extinção desses direitos se opera pelo cancelamento, que é a inscrição negativa. A não ser por esse modo direto, a extinção dos direitos reais imobiliários dá-se também por modo indireto, isto é, por transferência desses direitos a outra pessoa, quando então aparece como a face negativa da aquisição desta. Nesse modo indireto a inscrição subsequente é naturalmente extintiva da antecedente, desempenhando assim o papel do cancelamento.

E, de outro lado, esse mesmo entendimento recupera a melhor tradição de nossa jurisprudência administrativa:

“… o registro de arrematação não reclama o cancelamento direto e autônomo de registro das constrições precedentes, porque ele se afeta negativamente pela inscrição mais nova. Isso se dá porque a arrematação tem força extintiva das onerações pessoais e até mesmo das reais (cfr. Artigo 251 II, Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973; Afrânio de Carvalho, op. cit., pág. 83), e de extinção do direito é que deriva a admissão de cancelamento do registro que lhe corresponda (RIFA SOLER, “La anotación preventiva de embargo, 1983, págs. 510 ss.). O vínculo da penhora traslada-se para o preço da aquisição, sobre o qual concorrem os credores (LOPES DA COSTA, com apoio em DIDIMODA VEIGA e CARVALHO SANTOS, “Direito Processual Civil Brasileiro, 1947, IV, pág. 169).

Observe-se, por fim, que, no cancelamento indireto, é despicienda, em regra, a elaboração de assento negativo, salvo quanto à hipoteca, em vista da necessidade de qualificar-se pelo registrador a ocorrência que não é automática da causa extintiva segundo prescreve o artigo 251 II, Lei n.º 6.015, citada.” (Apelação Cível n. 13.838-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, ocorrido em 24.2.1992).

Enfim: já por privilegiar a facilitação do tráfego jurídico, já por assentar-se na linha do que reiteradamente vem decidindo este Conselho, a tese da apelação deve ser prestigiada, para que, dando-se provimento ao recurso, seja afastada a dúvida e se faça a inscrição pretendida.

3. Ante o exposto, voto pela improcedência da dúvida, para se proceda ao registro stricto sensu, como rogado.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Vice-Presidente

Relator Designado 

(DJe de 27.06.2019 – SP)