CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de inventário e partilha de bens – Autor da herança casado pelo regime da separação obrigatória de bens – Imóvel adquirido em condomínio entre o autor da herança e sua esposa – Partilha somente aos filhos, em decorrência de doação formulada pela viúva – Possibilidade – Divergência na escritura pública entre os valores dos bens doados e os indicados para justificar a isenção da obrigação de declarar o ITCMD – Necessidade de comprovação da declaração e recolhimento do imposto, ou de demonstração de sua isenção – Recurso não provido, mas por fundamento distinto do adotado na r. sentença.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005906-21.2018.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que é apelante ESPÓLIO DE YOSHIO ISHIYAMA (REPRESENTADO POR ANDRÉ MUNHOZ DE OLIVEIRA), é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DE BRAGANÇA PAULISTA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de maio de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1005906-21.2018.8.26.0099

Apelante: Espólio de Yoshio Ishiyama (representado por André Munhoz de Oliveira)

Apelado: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos de Bragança Paulista

VOTO Nº 37.740

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de inventário e partilha de bens – Autor da herança casado pelo regime da separação obrigatória de bens – Imóvel adquirido em condomínio entre o autor da herança e sua esposa – Partilha somente aos filhos, em decorrência de doação formulada pela viúva – Possibilidade – Divergência na escritura pública entre os valores dos bens doados e os indicados para justificar a isenção da obrigação de declarar o ITCMD – Necessidade de comprovação da declaração e recolhimento do imposto, ou de demonstração de sua isenção – Recurso não provido, mas por fundamento distinto do adotado na r. sentença.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada em razão da recusa do registro, na matrícula nº 31.627 do Registro de Imóveis da Comarca de Bragança Paulista, da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento Yoshio Ishiyama porque o imóvel, apesar de partilhado como se fosse bem particular do autor da herança que era casado pelo regime da separação obrigatória de bens, foi por esse adquirido em condomínio com sua esposa, na proporção de 50% para cada cônjuge.

O apelante alega, em suma, que o autor da herança era casado, em segundas núpcias, pelo regime da separação obrigatória de bens. Teceu comentários sobre a incidência da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal nos bens adquiridos, a título oneroso, na constância do casamento. Afirmou que a viúva doou sua meação nos bens comuns aos herdeiros do autor da herança. Requereu a reforma da r. sentença para o registro da escritura pública de inventário e partilha de bens (fls. 111/119).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 142/145).

É o relatório.

A certidão de fls. 80/82 demonstra que Yoshio Ishiyama e Luiza Kudo Ishyama, casados pelo regime da separação obrigatória de bens, compraram o imóvel objeto da matrícula nº 31.627 do Registro de Imóveis de Bragança Paulista, por escritura registrada em 28 de julho de 2014, na proporção de 50% para cada um.

A aquisição do imóvel em condomínio pelos cônjuges Yoshio Ishiyama e Luiza Kudo Ishyama decorre de forma expressa do R. 06 da matrícula nº 31.627, que tem o seguinte teor:

VENDA E COMPRA – Bragança Paulista, 28 de julho de 2014. Conforme elementos constantes na escritura pública, lavrada aos 04 de julho de 2014, junto à 2ª Tabeliã de Notas desta cidade e comarca de Bragança Paulista – SP, no livro 1116, folhas 377/382, protocolada nesta Serventia, sob número 208.572, em data de 15 de julho de 2014, é este para ficar constando que os proprietários, Kyuichi Kawahara, e sua mulher, Arlete Aparecida Custódio Kawahara, já qualificados no registro anterior, transmitiram por venda O IMÓVEL objeto desta matrícula, a YOSHIO ISHIYAMA, RG número (xxx) SSP/SP, CPF/MF número (xxx), aposentado, e sua mulher, LUIZA KUDO ISHIYAMA, RG número (xxx), CPF/MF número (xxx), senhora do lar, brasileira, brasileiros, casados pelo regime da separação obrigatória de bens, nos termos do artigo 1.641, número II, do Código Civil Brasileiro, residentes e domiciliados nesta cidade, na Rua Dália, número 55, Jardim das Palmeiras, pelo valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), na proporção de 50% (cinquenta por cento), para cada um (…)” (fls. 81/82).

Com o falecimento de Yoshio Ishiyama (fls. 65), foi promovido o inventário e partilha em que, conforme a escritura pública de fls. 21/32, o imóvel objeto da matrícula nº 31.627 do Registro de Imóveis da Comarca de Bragança Paulista foi relacionado como bem comum (fls. 26, item 3.2.1) e foi atribuído, em sua totalidade, aos quatro filhos do autor da herança (fls. 29/30, item 6.2).

Além do imóvel objeto da matrícula nº 31.627, foram relacionados no inventário e na partilha como bens comuns outros oito imóveis adquiridos por Yoshio na constância do casamento com Luiza, que são objeto das matrículas nºs 36.402, 57.694, 51.918, 22.431, 22.432, 57.704 e 44.499, todas do Registro de Imóveis de Bragança Paulista (fls. 02/03 e 26/27), sendo esses imóveis também adjudicados aos herdeiros em sua totalidade.

Feitas essas considerações, e independentemente da interpretação do Oficial de Registro de Imóveis de que não incidiria a Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal sobre os imóveis adquiridos na constância do casamento (fls. 01/07), cumpre observar que este procedimento de dúvida é restrito à análise da recusa do registro da partilha na matrícula nº 31.627.

E a atribuição da totalidade do imóvel objeto da matrícula nº 31.627 do Registro de Imóveis da Comarca de Bragança Paulista exclusivamente aos herdeiros ocorreu por disposição de vontade da viúva que ressalvou, na escritura, que assim fez mediante doação para os herdeiros dos bens com valores que superaram os quinhões que lhes competiam na herança.

Sobre a doação, constou na partilha:

Em virtude do pagamento dos quinhões aos herdeiros, JOSÉ ROBERTO TSUNEO ISHIYAMA, EDINA HAIKO ISHIYAMA VILA NOVA, EDINO MASSAYOSHI ISHIYAMA e MARCOS KEIZOU ISHIYAMA, serem superiores aos quinhões a que teriam direitos de acordo com o plano de partilha, a meeira, LUIZA KUDO ISHIYAMA, resolve doar aos herdeiros, seus enteados, como de fato doado tem, o valor pelo eles recebido a mais, ou seja, R$ 221.493,00 (duzentos e vinte e um mil e quatrocentos e noventa e três reais), sendo o valor individual R$ 55.373,25 (cinquenta e cinco mil e trezentos e setenta e três reais e vinte e cinco centavos), uma vez que existem torna ou reposição pecuniária por parte dos beneficiários” (fls. 30, item 7).

A existência da doação também decorre dos itens 4, 5.1 e 5.2 da escritura pública de inventário e partilha, em que especificados o valor total dos bens inventariados, o valor total dos bens particulares e o valor total dos bens que seriam comuns do autor da herança e sua viúva, com indicação do valor que caberia à viúva pela metade dos bens comuns (item 5.1) e do que caberia aos herdeiros pelos bens particulares do autor da herança e pela metade dos bens comuns (item 5.2 fls. 29).

Assim, apesar da forma de redação adotada na escritura pública, a atribuição aos herdeiros da metade que cabia à viúva no imóvel objeto da matrícula nº 31.627 do Registro de Imóveis de Bragança Paulista decorreu de doação, o que, em princípio, permitiria o registro conforme o negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes da escritura pública.

Essa interpretação, a ser adotada para o presente caso concreto, é a que melhor se coaduna com o art. 112 do Código Civil, além de encontrar respaldo em precedente deste Col. Conselho Superior da Magistratura:

Apresentada tal escritura, como título, a registro, foi apontado óbice, lastreado na impossibilidade de alguém reservar, para si, a servidão pessoal além dos limites de seus direitos reais antecedente.

Feito um exame do título em questão, contudo, é preciso, de início, frisar ter sido realizada uma incorreta interpretação do negócio jurídico celebrado, que deixou de lado a finalidade perseguida pelas partes, facilmente aferida, mesmo que afastada a análise dos documentos extraídos dos autos da ação de separação consensual acima mencionado, como elementos externos.

Compete, por princípio, ao registrador interpretar o negócio jurídico em consonância com a parte dispositiva ou de estipulação, buscando extrair a vontade das partes do conteúdo do título, por aplicação explícita do artigo 85 do Código Civil brasileiro.

Assim, uma interpretação literal leva à proposição obstativa realizada, mas, ao contrário, verifica-se, simples e evidentemente, que a intenção das partes foi a de conferir, e não reservar, o direito de usufruto em favor de apenas um dos doadores, sobrevindo a lavratura de ato notarial afetado por defeito de técnica, consistente numa redação equivocada” (Apelação Cível nº 34.919-0/8, da Comarca de São Vicente, Rel. Desembargador Márcio Martins Bonilha, grifei).

Contudo, a escritura pública demonstra que o valor venal dos imóveis relacionados como sendo de propriedade comum do autor da herança e sua esposa é de R$ 1.359.292,12 e que o valor dos bens móveis (veículo e depósitos em conta bancária) é de R$ 206.554,80 (fls. 26/30).

Na partilha e doação, entretanto, foram atribuídos pela viúva e herdeiros, aos bens imóveis, valores inferiores aos venais, constando na escritura pública que os bens inventariados tiveram valor total de R$ 771.215,79, sendo R$ 139.049,05 correspondente aos bens particulares e R$ 622.166,74 correspondentes aos bens comuns (fls. 29, item 4).

Ocorrido o óbito e feita a partilha no ano de 2018 (fls. 21 e 65), para a isenção do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação – ITCMD deveria ser considerado valor venal da metade dos imóveis indicados pela viúva e herdeiros como sendo de propriedade comum, ou seja, R$ 679.646,06, cabendo a cada herdeiro R$ 169.911,50 em razão da doação.

Como no ano de 2018 a UFESP teve o valor de R$ 27,70, os bens imóveis doados a cada um dos herdeiros superaram 2.500 UFESP’s, o que não autorizava a dispensa da declaração e do recolhimento do ITCMD referida na escritura pública (fls. 31).

Assim porque a base de cálculo do imposto decorrente da doação não pode ser inferior ao valor venal do imóvel urbano, como previsto no art. 13, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/2000:

Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:

I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU;“.

Em razão disso, o registro da escritura pública de inventário e partilha na matrícula nº 31.627 do Registro de Imóveis de Bragança Paulista depende da comprovação da declaração e recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação – ITCMD, ou da demonstração de sua isenção.

Ainda neste caso concreto, a exigência de comprovação da declaração e recolhimento do ITCMD, ou prova de sua isenção, decorre da divergência contida na escritura pública de inventário e partilha entre os valores venais dos imóveis e os que foram considerados para dispensa da apresentação da declaração do imposto, matéria que deve ser analisada no procedimento de dúvida que devolve a qualificação, em sua totalidade, ao órgão julgador (C.S.M., Apelação Cível nº 33.111-0/3 da Comarca de Limeira, relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha).

Não se cuida, portanto, de imputar ao Oficial de Registro de Imóveis a obrigação de fiscalizar a correção da declaração de imposto, mas de exigência decorrente da contradição das declarações da viúva e herdeiros, na escritura pública, sobre os valores venais dos imóveis e os valores em que sustentaram a declaração de dispensa da apresentação da prova do recolhimento do imposto decorrente da doação.

Ante o exposto, embora por fundamento diverso do adotado na r. sentença, mantenho a recusa do registro e, em consequência, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 17.06.2019 – SP)