CGJ|SP: Procedimento Administrativo Disciplinar – Oficial do XXº Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Locação de móveis e equipamentos de empresa de que são sócios os filhos da titular da delegação que, por sua vez, é usufrutuária de parte das cotas sociais – Imputação da existência de confusão patrimonial que poderia redundar na obtenção de benefício fiscal indevido e na caracterização de conduta atentatória às instituições notariais e de registro, o que ensejou a aplicação da pena de multa – Doação dos móveis para a locadora atingida pela prescrição – Valor da locação que não se comprovou superar o preço de mercado – Precedente da Corregedoria Permanente em que reconhecida a regularidade da locação de bens pertencentes a parente do titular da delegação – Inexistência de dolo ou culpa – Recurso provido, com observações sobre a locação de bens destinados à prestação do serviço público e sobre a competência da Corregedoria Geral da Justiça e das Corregedorias Permanentes para a fiscalização que inclui a regularidade do cumprimento das obrigações fiscais pelos responsáveis pelas delegações – Proposta de edição de orientação, com natureza normativa, relativa ao lançamento da locação de mobiliários e equipamentos no Livro Diário da Receita e da Despesa.

PROCESSO Nº 2019/8117 – SÃO PAULO 

(296/2019-E)

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – Oficial do XXº Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Locação de móveis e equipamentos de empresa de que são sócios os filhos da titular da delegação que, por sua vez, é usufrutuária de parte das cotas sociais – Imputação da existência de confusão patrimonial que poderia redundar na obtenção de benefício fiscal indevido e na caracterização de conduta atentatória às instituições notariais e de registro, o que ensejou a aplicação da pena de multa – Doação dos móveis para a locadora atingida pela prescrição – Valor da locação que não se comprovou superar o preço de mercado – Precedente da Corregedoria Permanente em que reconhecida a regularidade da locação de bens pertencentes a parente do titular da delegação – Inexistência de dolo ou culpa – Recurso provido, com observações sobre a locação de bens destinados à prestação do serviço público e sobre a competência da Corregedoria Geral da Justiça e das Corregedorias Permanentes para a fiscalização que inclui a regularidade do cumprimento das obrigações fiscais pelos responsáveis pelas delegações – Proposta de edição de orientação, com natureza normativa, relativa ao lançamento da locação de mobiliários e equipamentos no Livro Diário da Receita e da Despesa.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

1) Trata-se de recurso interposto pela Sra. Oficial do XXº Registro de Imóveis da Comarca da Capital contra r. decisão que, com fundamento no art. 31, incisos I, II e V, da Lei nº 8.935/94 aplicou-lhe a pena de multa de R$ 30.000,00, em razão da doação dos bens móveis utilizados na prestação do serviço público delegado para empresa de que são sócios os seus filhos e da qual é usufrutuária de parte das cotas sociais, com pagamento de aluguéis visando a obtenção de benefício fiscal, o que não se coaduna com a moralidade da Administração Pública e caracteriza conduta atentatória às instituições notariais e de registro.

A recorrente alegou, em suma, que a perícia demonstrou que a locação dos bens móveis teve início no ano de 2013, ao custo de R$ 200.000,00, e no ano de 2017 teve o valor de R$ 324.562,08, quantia que é muito inferior à indicada na Portaria inicial e que correspondente a 2% das despesas da serventia. Afirmou que o contrato de locação foi celebrado em conformidade com a vontade das partes e em consonância com as normas de direito privado. Esclareceu que a locação abrange os bens inicialmente contratados e outros que foram adquiridos pela locadora ao longo do tempo, permanecendo os móveis que foram substituídos na serventia para servir como estoque destinado à reposição em caso de necessidade. Por essas razões, não houve redução do valor da locação decorrente de depreciação, mas somente reajuste dos aluguéis que observaram o IGP-M. Comentou a atuação da perita que teria examinado documentos e promovido análises que extrapolaram os limites fixados para o exame pericial, pois a Portaria não se referiu a fatos relacionados com recolhimento de emolumentos e de imposto de renda de pessoa física, o que fez ressalvando que a perícia não apurou irregularidades. Ademais, não cabia à perita substituir a atuação da Receita Federal que realiza fiscalização em curso e que tem entendimentos específicos sobre determinadas deduções, como, por exemplo, com o custeio da participação de prepostos em cursos e palestras destinados ao aprimoramento técnico. Por sua vez, o laudo demonstra que a Receita Federal não proíbe a locação de equipamentos e serviços. Informou que os bens locados são substituídos e complementados periodicamente, com inclusão de equipamentos novos, e que os móveis e equipamentos em uso são novos, ou com idade não superior a três anos. Asseverou que apresentou avaliações que demonstram que o valor da locação é inferior ao de mercado, o que não foi contrariado pela perícia. Sustentou que a delegação é antiga, a serventia ocupa as atuais instalações desde o ano de 2007, e que para a modernização e informatização dos serviços contou com o auxílio de seu filho que é preposto da delegação. Também para a modernização dos equipamentos promoveu a doação dos móveis antigos para a empresa locadora que, depois, os substituiu ao longo do tempo, o que fez em consonância com a liberdade gerencial e administrativa prevista no art. 21 da Lei nº 8.935/94, e para o que deu preferência à contratação da empresa de propriedade de seus filhos como forma de melhor promover o planejamento familiar e sucessório. Esses fatos ocorreram no ano de 2009 e foram de conhecimento dos Juízes Corregedores Permanentes que não fizeram recomendações ou determinações a respeito. Diante disso, e da inexistência de orientação da Corregedoria Geral da Justiça sobre o tema, acreditou não haver irregularidade na locação dos móveis que não decorreu de má-fé e não caracteriza simulação, ou imoralidade na prestação do serviço. Ademais, observou a disciplina prevista no art. 8º do Provimento CNJ nº 45/2015 e não praticou conduta considerada irregular pela Receita Federal. Disse que deve ser feita distinção entre evasão fiscal e elisão fiscal que não caracteriza ilícito, pois decorre de planejamento tributário não vedado por lei. Reiterou que agiu em conformidade com a autonomia gerencial e administrativa assegurada por lei e que não pode ser punida por fato antigo e ultrapassado. Requereu a reforma da r. decisão para que o procedimento seja julgado improcedente (fls. 985/1008).

Opino.

2) A Portaria nº 07/2018, da MM. Juíza Corregedora Permanente, imputou à recorrente a existência de responsabilidade disciplinar porque:

I) teve elevado custo financeiro com postagens, intimações e publicação de editais, com valores que destoaram dos balanços das demais delegações de igual especialidade;

II) em 02 de março de 2009 e 02 de abril de 2010 celebrou com a empresa CBX Rent Products & Participações Ltda, constituída em 02 de fevereiro de 2009 e de que os seus filhos são sócios, contratos de locação de bens móveis que configuram a existência de confusão patrimonial e a ocorrência de fraude fiscal em razão de indícios de que era proprietária dos bens locados que já estavam em uso na serventia, além de passar a figurar como usufrutuária de parte das cotas sociais da locadora que tem sede no endereço residencial de seu filho;

III) a locação de mobiliário teve custo elevado, superando R$ 500.000,00 anuais, valor que discrepa dos despendidos pelas demais serventias da Comarca da Capital.

Conforme a Portaria, os fatos foram constatados em Correição realizada em 14 de setembro de 2017, com prosseguimento da apuração determinado pela Corregedoria Geral da Justiça no Pedido de Providencias nº 0004237-44.2018.8.26.0100.

O procedimento foi julgado improcedente em relação ao custo financeiro com postagens, intimações e publicação de editais, porque demonstrado pela perícia contábil que correspondeu às despesas realizadas para as notificações visando à constituição em mora dos devedores de contratos garantidos por alienação fiduciária (fls. 967).

A r. decisão recorrida, além disso, considerou não haver irregularidade no lançamento das despesas com locação de móveis no Livro Registro Diário da Receita e da Despesa e no livro contábil escriturado para efeitos fiscais, por ser permitida pelo item 57, “a”, do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e não contrariar norma tributária, apesar de acarretar a redução da receita bruta e repercutir no valor devido a título de imposto de renda (fls. 967/968).

Ainda em razão da locação de móveis, foi aplicada pena de multa de R$ 30.000,00 porque, conforme a r. decisão recorrida:

I) foi contratada com empresa de que são sócios os filhos da titular da delegação que, por sua vez, é usufrutuária de parte das cotas sociais; II) o aluguel mensal é de alto valor; III) os móveis inicialmente locados eram de propriedade da recorrente que os doou à locadora sob a justificativa de preservar o patrimônio familiar; IV) a doação e a locação visaram reduzir a renda líquida da delegação e o imposto de renda devido.

Esses fatos foram considerados como caracterizadores de atitude atentatória às instituições notariais e de registro e violadores do princípio da moralidade que norteia a prestação do serviço público.

A r. decisão recorrida reconheceu a prescrição em relação à doação dos móveis à empresa locadora, porque foi realizada no ano de 2009, ressalvando que a locação perdurou no tempo e por essa razão não foi abrangida pela prescrição (fls. 969).

Por fim, a r. decisão recorrida fez referência à precedente em que reconhecida a inexistência de infração disciplinar na locação de bens e serviços de empresa de que são sócios parentes de titulares da delegação (fls. 969/971), afastou a aplicação de pena de perda da delegação “…diante da novidade interpretativa” (fls. 972), e determinou que para a manutenção da locação a recorrente deverá renunciar ao usufruto das cotas sociais da locadora, considerar a depreciação do valor dos bens locados e excluir os bens que forem substituídos por outros (fls. 972).

3) Assim descritos os fatos, cabe, inicialmente, apresentar alguns esclarecimentos sobre precedente da Corregedoria Geral da Justiça citado na r. decisão da MM. Juíza Corregedora Permanente e nas razões de recurso.

O parecer que apresentei no Processo CG nº 00151965/2017 e a r. decisão então prolatada por Vossa Excelência disseram respeito à solicitação de esclarecimentos, pelo dd. Procurador Geral da Justiça, sobre a atuação do Tribunal de Justiça na cobrança de parcelas de emolumentos que não foram integralmente repassadas por Tabelião de Notas aos credores previstos na Lei Estadual nº 11.331/2002.

Naquela ocasião, foi esclarecido que a fiscalização da prestação do serviço delegado extrajudicial atribuída ao Poder Judiciário não afasta a fiscalização direta, pelo Poder Executivo e pelo Ministério Público, do pagamento das parcelas dos emolumentos que devem receber em consonância com a legislação estadual.

Foi, ainda, informado que o Ministério Público e o Poder Executivo têm competência para fiscalizar a declaração e o recolhimento das parcelas dos emolumentos que, em razão da Lei Estadual nº 11.331/2002, devem ser depositadas diretamente aos seus cofres, pois autorizados pela legislação estadual e, mais, legitimados em decorrência da natureza tributária dos seus créditos.

Ressalvou-se, mais, que não cabe à Corregedoria Permanente e à Corregedoria Geral da Justiça acompanhar diretamente, mês a mês, se os responsáveis pelas delegações de notas e de registro preencheram as guias de recolhimento e promoveram os depósitos em favor da Fazenda do Estado e o Ministério Público, nem mover ações para a cobrança das parcelas não repassadas.

Assim porque as parcelas dos emolumentos devidos ao Poder Executivo e ao Ministério Público são recolhidas aos respectivos credores, não recebendo a Corregedoria Geral da Justiça e as Corregedorias Permanentes informações sobre os valores que efetivamente ingressaram em contas não mantidas ou controladas pelo Tribunal de Justiça.

Contudo, e em consonância com o art. 236 da Constituição Federal, com a Lei nº 8.935/94 e com a legislação sobre emolumentos, a Corregedoria Geral da Justiça e as Corregedorias Permanentes são incumbidas de fiscalizar o integral cumprimento dos deveres dos responsáveis pelas delegações dos serviços extrajudiciais de notas e de registro, em que também se inserem o recolhimento e repasse de parcelas de emolumentos e o cumprimento das obrigações fiscais.

Isso não implica em substituição do Poder Executivo e do Ministério Público para a cobrança das parcelas dos emolumentos de que são credores, incluindo o ajuizamento das ações judiciais que forem necessárias, e em substituição da Receita Federal na fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais e na edição de normas sobre a escrituração dos livros fiscais e a declaração e o recolhimento de imposto de renda.

De forma mais ampla, a atuação fiscalizatória das Corregedorias diz respeito à regularidade da prestação do serviço público delegado em todos os seus aspectos, com comunicação de eventuais irregularidades aos entes públicos competentes para a adoção das medidas que, por sua natureza, não estiverem abrangidas nas atividades regulatória e disciplinar do Poder Judiciário.

Quanto ao aspecto regulatório e disciplinar, entretanto, nenhuma subtração pode ser feita em relação às atribuições do Poder Judiciário que, como afirmado, deve exercê-las em sua totalidade.

4) O art. 30, incisos V e XIV, da Lei nº 8.935/94 dispõe que são deveres dos notários e registradores:

V – proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais como na vida privada;

(…)

XIV – observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.

O descumprimento dos deveres anteriormente citados, a inobservância das prescrições legais ou normativas e a conduta atentatória às instituições notariais e de registro caracterizam infrações disciplinares e ensejam a aplicação das penas previstas na Lei nº 8.935/94, como decorre de seu art. 31:

Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I – a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II – a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

III – a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência;

IV – a violação do sigilo profissional;

V – o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.

As prescrições legais e normativas e os deveres inerentes à dignidade do exercício da função, tanto nas atividades profissionais como na vida privada, abarcam a regularidade de comportamento em relação às obrigações de cobrança e repasse de emolumentos, de lançamento no livro normativo sobre as receitas e despesas, e de cumprimento das obrigações fiscais.

Assim, por exemplo, não se autoriza a cobrança de emolumentos acima ou abaixo dos valores previstos na legislação, ou o descumprimento da obrigação de repassar aos diferentes credores, pontualmente, as parcelas dos emolumentos previstas na Lei Estadual nº 11.331/2002, ou a adoção de conduta destinada a fraudar as obrigações fiscais e tributárias como o lançamento de despesas fictícias, demonstradas por documentos fraudulentos e que não observaram os requisitos fiscais em sua emissão, ou de despesas não relacionadas com a prestação do serviço público delegado.

Irregularidades dessa natureza são sujeitas à fiscalização pelo Poder Judiciário e acarretam a imposição da sanção disciplinar cabível, sem prejuízo da comunicação do ocorrido aos entes públicos que forem competentes para as demais providências de natureza administrativa, civil e criminal adequadas.

5) Por outro lado, é importante enfatizar que a função administrativa disciplinar busca preservar os valores inerentes ao bom funcionamento da Administração Pública e das Instituições Públicas, razão pela qual os deveres são fixados em conformidade com a conduta esperada do agente, ou do prestador do serviço público delegado.

Fábio Medina Osório, sobre o tema, afirma que:

(…) Ao contrário, a função disciplinar é clássica função administrativa sancionatória, envolvida na preservação de valores imanentes ao bom funcionamento da Administração Pública ou das Instituições Públicas. Ocorre, por evidente, que nas infrações disciplinares o Direito Aministrativo possui uma maior flexibilidade típica, o erro é tratado com maior rigor (pro societate), os princípios sofrem algumas pequenas ou grandes mudanças em seus conteúdos, todas reconduzíveis ao critério da maior elasticidade das normas punitivas e da redução dos direitos dos acusados em geral” (Direito Administrativo Sancionador, 3ª ed., São Paulo: RT, 2009, p. 227).

Além disso, e além da responsabilidade pelo ilícito doloso, anoto que o prestador do serviço público delegado não se afasta da obrigação de adotar a conduta que dele é esperada pela Administração Pública diante da natureza da atividade que exerce, sendo inteiramente aplicável, também nesse ponto, a doutrina de Fábio Medina Osório em relação à caracterização do ilícito culposo:

“Lembre-se que a culpa tem especial importância no Direito Administrativo Sancionador, porque é possível uma ampla utilização das figuras culposas. O ilícito culposo tem larga utilização prática. Não vigora o princípio da excepcionalidade do ilícito culposo. Depende de uma deliberação legislativa ou da própria redação do tipo sancionador a constatação se há, ou não, a exigência de uma subjetividade dolosa ou culposa. O silêncio legislativo há de ser interpretado em seu devido contexto, podendo haver, inclusive, uma admissão implícita de uma modalidade culposa de ilícito.

Consiste a culpa, basicamente, na violação de deveres objetivos de cuidado, sendo normalmente identificada nas modalidades da imperícia, negligência ou imprudência. O agente não tem a intenção, nem a vontade de praticar o fato ilícito e proibido, mas acaba cometendo o ato reprovado por uma atitude culposa, equivocada, por uma falta de cuidado ou de atenção.

Fora de dúvida que o agente público ‘negligente’ agride o princípio constitucional da ‘eficiência’ (art. 37, ‘caput’, da CF/88), podendo revelar-se inepto ao exercício de suas atribuições, mormente quando, com suas ações ou omissões, produz danos e prejuízos ao erário” (“Direito Administrativo Sancionador”, cit., págs. 367/368).

Porém, o dever de fiscalizar e o poder disciplinar não dispensam a análise dos fatos e das normas aplicáveis diante das peculiaridades de cada caso concreto.

6) A manutenção e a escrituração do Livro Registro Diário da Receita e da Despesa, que não se confunde com o livro fiscal, é prevista no Provimento CNJ nº 45/2015 e nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça que autorizam o lançamento de despesas contraídas com a efetiva prestação do serviço público.

Essa regulamentação não é incompatível com o sistema de outorga das delegações de notas e de registro a particulares, profissionais do direito aprovados em concurso público de provas e títulos, pois o serviço que prestam é público e, portanto, permanecem sujeitos à normas de Direito Público que forem aplicáveis e à fiscalização e normatização pela Administração Pública.

O e. Desembargador Luis Paulo Aliende Ribeiro, em aprofundado estudo, bem caracteriza o regime vigente:

A imposição do regime privado de execução, vedada expressamente a atuação estatal direta, caracteriza o exercício privado de função pública e acrescenta um dado a mais para a demonstração de que a atividade notarial e de registros apresenta peculiaridades que a diferenciam de quaisquer outras, singularidade que emerge do estudo mais detalhado dessas profissões oficiais ou profissões públicas independentes.

O exercício necessariamente privado ocorre no campo destinado à gestão privada, ou seja, na atuação jurídica dos notários e registradores, o que, quanto à organização geral dos serviços e à relação de sujeição especial que liga os delegados ao Poder Público outorgante, não afasta o regime jurídico de direito público e a natureza estatal desta singular atividade de atribuição da fé pública e da publicidade oficial a atos, contratos e direitos de terceiros.

A gestão privada, isoladamente considerada, não permite, por este motivo, a caracterização da atividade notarial e de registros como atividade econômica em sentido estrito, permanecendo, em face do parcial regime jurídico de direito público, sua natureza de serviço público.

Mas os notários e registradores, embora exercentes da função pública, não são funcionários públicos, nem ocupam cargos públicos efetivos, tampouco se confundem com os servidores e funcionários públicos integrantes da estrutura administrativa estatal. Por desempenharem função que somente se justifica a partir da presença do Estado – o que afasta a idéia de atividade exclusivamente privada -, inserem-se na ampla categoria de agentes públicos, nos termos acolhidos de forma pacífica pela doutrina brasileira de direito administrativo” (Regulação da função pública notarial e de registro, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 53/54).

O referido autor esclarece:

O Estado, exonerado da execução direta ou exclusiva do serviço público, assume o dever de concomitante intervenção e de garantia de que os notários e registradores, atores privados para os quais entregou o exercício da função, cumpram de modo adequado suas incumbências para alcançar o resultado pretendido que é a satisfação do interesse público e das necessidades da coletividade. Essa atuação de garantia se efetiva por meio da regulação” (Regulação da Função Pública Notarial e de Registro, cit., p. 135/136)

No julgamento do RMS 7730/RS, de que foi relator o e. Ministro José Delgado, o Eg. Superior Tribunal de Justiça relacionou, de forma clara, os fundamentos dos poderes de normatizar e fiscalizar, podendo ser extraídas do v. acórdão as seguintes conclusões:

I) os serviços notariais e de registro são serviços públicos, prestados por meio de delegação que é forma de transferência pelo Estado, para prestação por outras pessoas, de atribuições que originariamente lhes competem por determinação legal;

II) a Constituição Federal não afastou a subordinação hierárquica entre o Poder delegante e os delegatórios, pois sendo o serviço público “…cabe ao estado o poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los exigindo sempre sua atualização eeficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para sua prestação ao público”;

III) não há autonomia dos notários e registradores em relação à fiscalização e normatização pelo Poder Judiciário.

Consta na ementa do referido v. acórdão:

CONSTITUCIONAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 236, PAR. 1º, DA CF, E DA LEI 8.935, DE 18.11.1994, ARTS. 22, 28 E 37.

1. O novo sistema nacional de serviços notariais e registrais imposto pela Lei 8.935, de 18.11.1994, com base no art. 236, par. 1º, da CF, não outorgou plena autonomia aos servidores dos chamados ofícios extrajudiciais em relação ao Poder Judiciário, pelo que continuam submetidos a ampla fiscalização e controle dos seus serviços pelo referido Poder.

2. Os procedimentos notariais e registrais continuam a ser serviços públicos delegados, com fiscalização em todos os aspectos pelo Poder Judiciário.

3. O texto da carta maior impõe que os serviços notariais e de registro sejam executados em regime de caráter privado, porém, por delegação do Poder Público, sem que tenha implicado na ampla transformação pretendida pelos impetrantes, isto e, de terem se transmudados em serviços públicos concedidos pela União Federal, a serem prestados por agentes puramente privados, sem subordinação a controles de fiscalização e responsabilidades perante o Poder Judiciário.

4. A razão desse entendimento está sustentada nos argumentos seguintes:

a) Vinculo-me a corrente doutrinária que defende a necessidade de se interpretar qualquer dispositivo constitucional de forma sistêmica, a fim de se evitar a valorização isolada da norma em destaque e, consequentemente, a sua possível incompatibilidade com os princípios regedores do ordenamento jurídico construído sob o comando da carta maior para a entidade ou entidades jurídicas reguladas.

b) Influenciado por tais posições, o meu primeiro posicionamento é o de fixar o conceito técnico-jurídico da expressão “delegação do poder público”, que constitui o tema central do debate, haja vista que é o modo institucional como os serviços notariais e de registro são, hoje, exercidos no país.

c) O conceito de delegação de serviço público, após algumas variações, está hoje pacificado como sendo a possibilidade do Poder Público conferir a outra pessoa, quer pública ou privada, atribuições que originariamente lhe competem por determinação legal.

d) Por a autoridade delegante ter a competência originária, exclusiva ou concorrente, do exercício das atribuições fixadas por lei, no momento em que delega, por para tanto estar autorizado, também, por norma jurídica positiva, estabelece-se uma subordinação entre as pessoas envolvidas no sistema hierárquico entre o transferidor da execução do serviço e quem o vai executar, em outras palavras, entre o delegante e o delegado.

e) O dispositivo constitucional em comento, no caso o art. 236, da CF, ao determinar que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, porém, por delegação do Poder Público, não descaracterizou a natureza publica de tais serviços, nem restringiu a forma de sua fiscalização, notadamente porque no par. 1º, de forma expressa, está dito que “lei regulara as atividades, disciplinara a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definira a fiscalização de seus atos pelo poder judiciário.

f) A seguir, o legislador constituinte, numa demonstração inequívoca de que não se afastou do conceito tradicional de delegação de serviço público, portanto, respeitando, em toda a sua plenitude, o princípio da subordinação hierárquica a existir entre delegante e delegado, dispôs, ainda, que “a lei federal estabelecera normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e do registro”, bem como que “o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção por mais de seis meses”.

g) É evidente que a prestação de serviços notariais e de registro público no Brasil, após a CF/1988, não tomou as características preconizadas pelos impetrantes, isto e, de que passaram a se submeter ao regime de concessão de serviço público, onde o poder fiscalizador e limitado, apenas, aos atos notariais, jamais a gestão interna da entidade que a exerce em regime absolutamente privado, por ter deixado de ser uma serventia publica da justiça.

h) Não importa, com as minhas homenagens ao patrono dos impetrantes, em face do profundo trabalho jurídico desenvolvido, não só na petição inicial, como na do recurso, a interpretação que os impetrantes assentaram a respeito do texto constitucional em discussão.

i) O fato, por si só de no art. 236, “caput”, da CF, estar inserida a expressão de que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, não conduz ao entendimento posto no recurso, pois, logo a seguir, está a determinação nuclear de que tais serviços, por continuarem a ser públicos, necessitam de delegação do poder público para quem vai exerce-los, pelo que deverão executa-los de acordo como a lei determinar e só poderão receber tal delegação os que forem, pelo próprio poder público, julgados aptos pela via do concurso público.

j) A natureza publica dos serviços notariais e de registro não sofreu qualquer desconfiguração com a CF/1988. Em razão de tais serviços estarem situados em tal patamar, isto é, como públicos, a eles são aplicados o entendimento de que cabe ao estado o poder indeclinável de regulamenta-los e controla-los exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para sua prestação ao público.

Nego provimento ao recurso” (RMS nº 7730/RS, Relator Ministro José Delgado, in DJ 27/10/1997).

Disso decorre a inexistência de conflito entre a autonomia para o gerenciamento administrativo e financeiro de que os titulares das delegações de notas e de registro são dotados (art. 21 da Lei nº 8.935/94) e a subordinação ao exercício dessa autonomia dentro dos limites legais e normativos que se destinam a preservar a correta e eficiente prestação do serviço público e o exercício da atividade em consonância com os deveres de dignificar a função e de não atentar contra as instituições notariais e de registro (arts. 30, inciso V, e 31, inciso II, ambos da Lei nº 8.935/94).

7) O item 57 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em rol aberto, autoriza o lançamento das despesas com aquisição, ou com locação, de mobiliário e equipamentos, quando contraídas para a prestação do serviço:

57. As despesas serão lançadas no dia em que se efetivarem e sempre deverão resultar da prestação do serviço delegado, sendo passíveis de lançamento no Livro Registro Diário da Receita e da Despesa todas as relativas investimentos, custeio e pessoal, promovidas a critério do delegatário, dentre outras: locação de bens móveis e imóveis utilizados para a prestação do serviço, incluídos os destinados à guarda de livros, equipamentos e restante do acervo da serventia;

(…)

d) aquisição de móveis, utensílios, eletrodomésticos e equipamentos mantidos no local da prestação do serviço delegado, incluídos os destinados ao entretenimento dos usuários que aguardem a prestação do serviço e os de manutenção de refeitório;

e) aquisição ou locação de equipamentos (hardware), de programas (software) e de serviços de informática, incluídos os de manutenção prestados de forma terceirizada;

f) formação e manutenção de arquivo de segurança;

g) aquisição de materiais utilizados na prestação do serviço, incluídos os utilizados para a manutenção das instalações da serventia; (…)”.

Destarte, o mero lançamento de despesa com locação de móveis e equipamentos não constitui irregularidade.

Também não há vedação para que a locação seja contratada com empresa que tiver em seu quadro social parentes do titular da delegação.

Nesse sentido é o precedente da Vara da Corregedoria Permanente, reproduzido na r. decisão recorrida (fls. 970/971), que tem fundamento na liberdade gerencial e financeira prevista no art. 21 da Lei nº 8.935/94.

Isso porque, ainda que a liberdade gerencial não seja ilimitada em razão dos deveres e obrigações de distintas naturezas que recaem sobre os responsáveis pelos serviços extrajudiciais, toda a renda de emolumentos não destinada aos repasses previstos em lei pertence ao titular da delegação que nela tem a sua remuneração.

Por essa razão, pagas as despesas com a manutenção da prestação do serviço e os impostos incidentes, tem o titular da delegação autonomia para dar ao seu patrimônio o destino que lhe convier, desde que não contrário à lei.

Assim, compete ao titular da delegação decidir se manterá a serventia em imóvel próprio, locado, ou que receber em comodato ou por outro modo.

Igual se dá com o mobiliário e equipamentos que não se confundirem com o acervo público e que, portanto, podem ser próprios, ou locados.

Mais que isso, sendo faculdade do titular da delegação adquirir, ou não, o imóvel, mobiliários e equipamentos utilizados na prestação do serviço, não se veda que promova a locação de empresa de que parentes foram sócios, porque são todos particulares que não estão subordinados às normas para a aquisição ou locação de bens pelo Poder Público, nessas incluídas as vedações ao nepotismo.

Por ser o titular da delegação livre para dispor da renda dos emolumentos que constituir a sua remuneração, não há impedimento ao uso dessa renda para a aquisição de patrimônio em favor próprio ou de seus parentes, nem para locar os móveis e equipamentos de terceiros, ressalvada quanto à doação a necessidade de declaração e recolhimento do imposto que for devido.

O que é vedado, por ser contrário à regular escrituração do Livro Registro Diário da Receita e da Despesa, aos deveres fiscais e à dignidade das atividades exercidas, é o lançamento das despesas com a aquisição dos mobiliários e equipamentos como decorrente da prestação do serviço e a posterior doação dos mesmos mobiliários e equipamentos para pessoa física ou jurídica com que contratada a locação.

In casu, porém, não há notícia ou prova de que assim ocorreu, não sendo esse fato descrito na Portaria inicial.

Sobre eventual irregularidade na doação dos móveis e equipamentos, ademais, a r. decisão recorrida reconheceu que houve prescrição no que se refere ao aspecto disciplinar.

A locação dos móveis foi contratada em 02 de março de 2009, por escrito (fls.65/70), fato que não é objeto de controvérsia.

Ocorrida a contratação em 02 de março de 2009, e passando o valor da locação a ser lançado no Livro Registro Diário da Receita e da Despesa conforme se depreende da Correição que originou este procedimento, não se pode imputar à recorrente má-fé pela conduta que não violou norma específica e que não era vedada por precedente da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral.

Afastada a existência de dolo, também não se pode reconhecer que a recorrente agiu com culpa nas modalidades de imperícia, imprudência ou negligência porque não era exigível que previsse que a locação de mobiliário efetivamente destinado ao uso na prestação do serviço público, que não é vedada por normas administrativas e fiscais, viria a ser considerada irregular pelo fato da empresa locadora ter seus filhos como sócios, com alteração de precedente da Corregedoria Permanente.

Não foi comprovado, além disso, que o mobiliário e equipamentos que são destinados à efetiva prestação do serviço público são locados por valor superior ao de mercado, de forma a permitir a obtenção de indevido benefício de natureza fiscal.

Portanto, neste caso concreto, a conduta imputada à recorrente não autoriza a imposição de sanção disciplinar.

8) A r. decisão recorrida impôs limites à manutenção da locação de móveis e equipamentos pela recorrente, consistentes em:

I) observar o valor de mercado para a locação, com adoção das normas e costumes relativos à depreciação dos bens locados;

II) não manter a locação em relação aos bens substituídos em razão do tempo do uso, deterioração, ou outro motivo;

III) não participar como sócia ou usufrutuária das cotas sociais da locadora (fls. 972).

Essas restrições são compatíveis com os deveres legais e normativos e devem ser mantidas.

9) Por fim, é conveniente fixar parâmetros de atuação que servirão para afastar dúvidas e responder indagações que são recorrentes em relação à locação de bens móveis.

Os parâmetros a seguir propostos, entretanto, não esgotam as hipóteses relativas à locação de bens móveis e são destinados exclusivamente à escrituração do Livro Registro Diário da Receita e da Despesa que é normativo e que tem requisitos distintos dos livros fiscais.

Portanto, e sem prejuízo do respeito às normas que deverão ser observadas para a escrituração dos livros fiscais, proponho que em relação à escrituração do Livro Registro Diário da Receita e da Despesa:

I) seja autorizada a locação de mobiliários e equipamentos, contratada com pessoas físicas ou jurídicas, desde que o responsável pela prestação dos serviços extrajudiciais de notas e de registro não participe como sócio, ou como destinatário da renda da locação mediante usufruto de cotas sociais, ou por outro meio;

II) os bens locados sejam destinados à prestação do serviço público delegado e compatíveis com essa finalidade, incluídos os destinados ao conforto e comodidade dos usuários do serviço como, por exemplo, filtros de água, aparelhos de preparo de café e chá, televisão, ar condicionado e outros equivalentes;

III) a locação observe o preço de mercado e as regras e costumes aplicáveis, com alteração do valor pela depreciação dos bens locados em razão de tempo e deterioração pelo uso;

IV) sejam exigidos os recibos e comprovantes fiscais emitidos pelo locador, observadas as regras incidentes, com seu arquivamento em conformidade com as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça;

V) sejam declarados e arquivados, em classificador próprio, os comprovantes de lançamento e recolhimento do ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos nas hipóteses em que incidir em razão de prévia doação a terceiro, pelo responsável pela prestação do serviço público, dos bens que posteriormente locar. Ressalvo que os responsáveis interinamente pelas unidades vagas dos serviços extrajudiciais e de registro permanecem sujeitos às normas específicas que vedam a contratação de despesas que possam onerar a renda da delegação, salvo autorização do Juiz Corregedor Permanente, sendo proibida, em qualquer hipótese, a locação de bens de quaisquer natureza que sejam de sua propriedade, ou de propriedade de seus cônjuges, companheiros e parentes até o terceiro grau, ou de empresas de que esses sejam sócios.

Reitero, porque relevante, que o Livro Registro Diário Auxiliar da Receita e da Despesa tem finalidade e requisitos de escrituração distintos dos livros fiscais.

Por esse motivo, se pretender utilizar livro único deverá o responsável para a delegação atentar que para efeito de imposto de renda a Receita Federal não autoriza deduções com a amplitude prevista no item 57 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, e que nessa hipótese deverão ser observadas as regras incidentes para a escrituração de livro fiscal, observado o subitem 61.1 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

61.1. É facultativa a utilização do Livro Registro Diário da Receita e da Despesa também para fins de recolhimento do Imposto de Renda (IR), ressalvada nesta hipótese a obrigação de o delegatário indicar quais as despesas não dedutíveis para essa última finalidade e também o saldo mensal específico para fins de imposto de renda.

10) Ante o exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso para julgar o presente procedimento disciplinar improcedente, ficando, porém, mantidas as determinações feitas na r. decisão recorrida sobre a locação de móveis e equipamentos e de comunicação do ocorrido às Receitas Federal e Estadual.

Sugiro a edição de orientação, com força normativa, dos parâmetros propostos, em rol não taxativo, para a locação de bens móveis.

Ressalvo, por fim, que os responsáveis interinamente pelas unidades vagas dos serviços extrajudiciais e de registro permanecem sujeitos às demais normas que vedam a contratação de despesas que possam onerar a renda da delegação, salvo se necessárias e mediante prévia autorização do Juiz Corregedor Permanente, sendo proibida a locação de bens de quaisquer natureza que sejam de sua propriedade, ou de propriedade de seus cônjuges, companheiros e parentes até o terceiro grau, ou de empresas de que esses sejam sócios.

Sub censura.

São Paulo, 07 de junho de 2019.

(a) José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e dou provimento ao recurso para julgar o procedimento disciplinar improcedente, o que faço mantendo as determinações feitas na r. decisão recorrida sobre a locação de mobiliários e equipamentos e de comunicações às Receitas Federal e Estadual. Determino, com força normativa e vinculante para os titulares de delegações dos Serviços Extrajudiciais de Notas e de Registro do Estado de São Paulo, que para efeito de escrituração do Livro Registro Diário da Receita e da Despesa:

I) é autorizada a locação de mobiliários e equipamentos, contratada com pessoas físicas e jurídicas, vedada a participação do responsável pela prestação dos serviços extrajudiciais de notas e de registro como sócio da pessoa jurídica, ou como destinatário da renda da locação mediante usufruto de cotas sociais, ou por outro meio;

II) os bens locados devem ser destinados à prestação do serviço público delegado e compatíveis com essa finalidade, podendo incluir os destinados ao conforto e comodidade dos usuários do serviço como, por exemplo, aparelhos para filtro e refrigeração de água e preparo de café e chá, televisão e outros equivalentes;

III) a locação deverá observar o preço de mercado e as regras e costumes aplicáveis, com alteração periódica do valor pela depreciação dos bens locados em razão de tempo e deterioração pelo uso;

IV) devem ser exigidos e arquivados os recibos e comprovantes fiscais emitidos pelo locador, observada a regularidade desses comprovantes em todos os seus aspectos;

V) devem ser declarados e arquivados, em classificador próprio, os comprovantes de lançamento e recolhimento do ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos nas hipóteses em que incidir em razão de prévia doação a terceiro, pelo responsável pela prestação do serviço público, dos bens que posteriormente locar.

Os responsáveis interinamente pelas unidades vagas dos serviços extrajudiciais e de registro permanecem sujeitos às demais normas que vedam a contratação de despesas que possam onerar a renda da delegação, salvo se necessárias e previamente autorizadas pelo Juiz Corregedor Permanente, sendo proibida, em qualquer hipótese, a locação de bens de quaisquer natureza que sejam de sua propriedade, ou de propriedade de seus cônjuges, companheiros e parentes até o terceiro grau, ou de empresas de que esses sejam sócios.

Alerto que se pretender utilizar livro único deverá o responsável para a delegação atentar que para efeito de imposto de renda a Receita Federal não autoriza deduções com a amplitude prevista no item 57 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, e que nessa hipótese deverão ser observadas as regras incidentes para a escrituração de livro fiscal, observado o subitem 61.1 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

61.1. É facultativa a utilização do Livro Registro Diário da Receita e da Despesa também para fins de recolhimento do Imposto de Renda (IR), ressalvada nesta hipótese a obrigação de o delegatário indicar quais as despesas não dedutíveis para essa última finalidade e também o saldo mensal específico para fins de imposto de renda.

Intime-se e publique-se no DJe, com o parecer, para ciência e observação.

São Paulo, 10 de junho de 2019.

(a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça

(DJe de 13.06.2019 – SP)