CSM|SP: Registro de Imóveis – Qualificação negativa – Imposto sobre transmissão de bens imóveis – Qualificação feita pelo oficial registrador, na matéria concernente ao imposto de transmissão, que deve se ater ao seu recolhimento – Parcelamento do débito com base em Lei Municipal – Exigibilidade do débito tributário suspensa – Princípio da legalidade tributária – Afastada a exigência, para ingresso do título no fólio real – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1117163-82.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FABIO RYODI MATSUI, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, determinando o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de abril de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1117163-82.2017.8.26.0100

Apelante: Fabio Ryodi Matsui

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 37.716

Registro de Imóveis – Qualificação negativa – Imposto sobre transmissão de bens imóveis – Qualificação feita pelo oficial registrador, na matéria concernente ao imposto de transmissão, que deve se ater ao seu recolhimento – Parcelamento do débito com base em Lei Municipal – Exigibilidade do débito tributário suspensa – Princípio da legalidade tributária – Afastada a exigência, para ingresso do título no fólio real – Apelação provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Fabio Ryodi Matsui contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que manteve o óbice imposto pelo registrador referente à exigência de recolhimento integral do valor de ITBI para ingresso do título junto ao fólio real[1]. Alega o apelante, em síntese, que ao registrador compete verificar o efetivo recolhimento do imposto, sem que, com isso, possa substituir por completo a função fiscalizatória da Fazenda Pública. Aduz que a conferência do valor do tributo recolhido ou seu parcelamento não são de competência do registrador, certo que a própria Municipalidade autorizou o parcelamento de ITBI, o que suspende a exigibilidade do tributo nos termos do art. 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional. Acrescenta que o parcelamento foi realizado em conformidade com o disposto na Lei Municipal nº 16.680/2017, de forma que as restrições impostas pela Lei nº 14.256/2006 não se aplicam à hipótese concreta, ressaltando a necessidade de observância, em matéria registral, do princípio da legalidade estrita. Pugna, assim, pelo provimento do recurso, com a consequente reforma da sentença e determinação de registro do título[2].

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso interposto[3].

É o relatório.

O dissenso versa sobre a possibilidade de registro do instrumento particular de financiamento para aquisição de imóvel, venda e compra e constituição de alienação fiduciária, entre outras avenças, firmado em 26 de maio de 2017, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 142.274 junto ao 10º Oficial de Registro de Imóvel da Capital. Na nota de devolução expedida, exigiu o registrador a apresentação da guia de recolhimento do ITBI devidamente quitada[4], entendendo que as cópias de extratos de PPI – Programa de Parcelamento Incentivado não substituem a necessária prova de pagamento do tributo, sobretudo porque não trazem elementos que permitam identificar o imóvel e a transação a que se referem[5].

O apelante optou por aderir ao programa de parcelamento instituído pelo Município, nos termos da Lei Municipal nº 16.680/17[6], com o fim de promover a quitação integral do tributo, mas de forma parcelada. Os documentos apresentados ao Sr. Oficial confirmam a homologação do pedido de parcelamento, bem como a quitação das parcelas vencidas até a apresentação do título a registro.

E nem se alegue que há dúvidas sobre o imóvel a que se refere o tributo parcelado, na medida em que o imóvel descrito na matrícula nº 142.274 corresponde àquele mencionado nos documentos referentes ao PPI formalizado. E a despeito da alegada divergência quanto ao ano do débito, a própria Municipalidade reconhece que os registros da Secretaria da Fazenda confirmam que o contribuinte aderiu ao PPI nº 3.043.021-6, na data de 18.09.2017, para pagamento do ITBI referente à transação do apartamento 72 T C 2 VG do Condomínio Bosque Jequitibá, localizado na Rua Isaac Krasilchik, s/nº[7].

Veja-se, ademais, que o expresso reconhecimento da homologação do PPI para pagamento em 120 parcelas e a confirmação do recebimento dos valores vencidos até então equivalem, no caso concreto, à expedição de certidão positiva com efeito negativo.

Por outro lado, tal como já consignado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, o parcelamento do débito é causa suspensiva da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional.

Destarte, independentemente da discussão sobre a legalidade de se exigir a comprovação do pagamento do ITBI desde a transação imobiliária, e não apenas por ocasião do registro do título, o óbice apresentado pelo Oficial não se sustenta.

Assim se afirma, pois este C. Conselho Superior da Magistratura vem decidindo que ao registrador compete verificar tão somente o recolhimento dos tributos relativos aos atos cuja prática lhe é atribuída, pois não lhe cabe discutir o valor recolhido, matéria de interesse exclusivo da Fazenda Pública, a quem a lei reserva os meios próprios para haver do contribuinte diferenças de recolhimento de impostos que entenda devidas. Sobre o tema:

“Assentou-se orientação, neste Conselho Superior, no sentido de que o elastério conferido ao artigo 289 da Lei 6.015/73, e agora ao artigo 30, XI, da Lei 8.935, é o de que ao serventuário compete verificar tão só a ocorrência do pagamento do imposto relativo aos atos cuja prática lhe é acometida. Ou seja, no caso, em que se busca a prática de ato registrário, a qualificação do Oficial, na matéria concernente ao imposto de transmissão, não vai além da aferição sobre seu recolhimento, e não sobre a integralidade de seu valor. Com efeito, qualquer diferença de imposto deve ser reclamada pela Fazenda na esfera própria.” [8]

Na mesma linha, foi decidido no julgamento da Apelação nº 0002604-73.2011.8.26.0025, em voto da lavra do então Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, que:

“A falha apontada pelo Oficial envolve questão de questionamento no âmbito do direito material. Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si. Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da Fazenda Pública, principal Interessada. Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função. Neste sentido é o parecer da D Procuradora de Justiça, citando precedente deste E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 996-6/6, de 09/12/2088).”

Desse modo, em que pese a cautela empregada, a atitude do registrador vai além de suas atribuições normais, pois não lhe cabe fazer exigências quanto ao pagamento integral do montante devido se a própria Municipalidade concordou em receber o tributo de forma parcelada.

Com isso, não se afasta a possibilidade de, caso venha a ocorrer inadimplemento das parcelas ou o recolhimento a menor, vir o Município a se valer dos meios necessários para exigir o montante devido, na forma da lei. Por ora, apenas está sendo reiterado o entendimento segundo o qual não cabe ao registrador atuar como agente fiscal, exigindo a integralidade do tributo.

No mais, importa observar que a Lei Municipal nº 16.680/2017, em que se funda o parcelamento de ITBI deferido ao apelante, não reproduz o art. 14 da Lei Municipal nº 14.256/06. Ou seja, embora o PPI e o PAT sejam programas similares, divergem quanto à sua abrangência e seus benefícios, de forma que as restrições referentes à impossibilidade de lavratura de atos e registros relacionados à transmissão de bens imóveis ou direitos a eles relativos, previstas no PAT (Lei Municipal nº 14.256/06), não podem ser estendidas ao PPI (Lei Municipal nº 16.680/2017), sob pena de afronta ao princípio da legalidade tributária.

E se assim é, há que ser afastado o óbice ao registro.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso, determinando o registro do título.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 114/118 e embargos de declaração a fls. 132/133.

[2] Fls. 141/152.

[3] Fls. 186/190.

[4] Fls. 10/11.

[5] Fls. 28.

[6] http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-16680-de-04-de-julho-de-2017.

[7] Fls. 111/113.

[8] CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 28.382-0/7. LOCALIDADE: São Paulo. DATA JULGAMENTO: 28/09/1995. DATA DJ: 07/12/1995. Relator: Antônio Carlos Alves Braga. No mesmo sentido: Apelação Cível n.º 22.679-0/9. 

(DJe de 22.05.2019 – SP)