TJ|SP: Agravo – Mandado de Segurança – Indícios de simulação de existência do estabelecimento comercial e das operações comerciais indicadas em notas fiscais eletrônicas – Suspensão preventiva da inscrição estadual e bloqueio de emissão de notas fiscais. (Fé Pública Notarial [Ata Notarial) x Fé Pública Administrativa)

Registro: 2019.0000309533

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 3000940-50.2019.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí, em que é agravante ESTADO DE SÃO PAULO, é agravada SAMECCOMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE CEREAIS LTDA.

ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao agravo. V.U. Sustentou oralmente o Dr. Igor Lima Gomes, OAB/SP21.613/ES”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO DIP (Presidente), JARBAS GOMES E OSCILD DE LIMA JÚNIOR.

São Paulo, 23 de abril de 2019.

RICARDO DIP

RELATOR

Assinatura Eletrônica

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

11ª Câmara de Direito Público

Agravo 3000940-50.2019.8.26.0000

Procedência: São Paulo

Relator: Des. Ricardo Dip (Voto 54.357)

Agravante: Fazenda do Estado de São Paulo

Agravada: Samec Comércio Importação e Exportação de Cereais Ltda.

AGRAVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDÍCIOS DE SIMULAÇÃO DE EXISTÊNCIA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL E DAS OPERAÇÕES COMERCIAIS INDICADAS EM NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS. SUSPENSÃO PREVENTIVA DA INSCRIÇÃO ESTADUAL E BLOQUEIO DE EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS.

Nada obstante a presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos, podem estes sindicar-se por todos os meios idôneos de provas processuais, e, para o caso dos autos, o testemunho qualificado que, ex lege (como não poderia deixar de ser), orna a ata notarial, compreensivo de fato captado e percepcionado, de visu, em tempo posterior à visita do agente fiscal, indicando esse testemunho, cum fide publica, o funcionamento da empresa ora agravada, emerge de todo razoável a conclusão do M. Juízo de origem.

É certo que não pode o notário atestar, com fé pública, o estado de regularidade do funcionamento da empresa, restrita a órbita de qualificação especial de seu testemunho ao espectro dos facta, sem estender-se ao status, uma vez que este não pode captar-se pela vista e pela audição, únicos órgãos dos sentidos externos aptos a dar espeque à fé pública.

Sem embargo, nos limites sumários da apreciação e decisão da tutela interina, é de admitir que está posta em dúvida a presunção inaugural que beneficiava a asserção administrativa, e, neste quadro de coisas, a dúvida deve estimar-se, ainda que num estrato provisório, de maneira benigna.

Não provimento do recurso.

RELATÓRIO:

1. A Fazenda do Estado de São Paulo tirou agravo de instrumento contra o r. decisum que, nos autos de um mandado de segurança impetrado por Samec Comércio Importação e Exportação de Cereais Ltda. contra ato da Delegado tributário regional de Jundiaí, concedeu medida de urgência

para afastar o bloqueio da emissão de notas fiscais do impetrante, bem como afastar os efeitos da suspensão de sua inscrição estadual por motivo de não localização da empresa” (e-pág. 243-6 dos autos referenciais –os destaques não estão na origem).

Sustenta a agravante a regularidade do ato administrativo, calçando seus argumentos na alínea b do item 1 do § 1º do art. 21 da Lei estadual paulista n. 6.374/1989 e no art. 3º da Portaria CAT n. 95/2006 (de 24-11), normas que versam sobre a instauração de procedimento administrativo para declaração de nulidade do Cadastro de Contribuintes de Icms do Estado de São Paulo –Cadesp.

Respondeu-se ao recurso (e-págs. 109-20).

É o relatório do necessário, conclusos os autos recursais em 3 de abril de 2019 (e-pág. 104).

VOTO:

2. Historia-se nos autos que, após verificar no Cadesp três registros e duas baixas sucessivas da empresa ora agravada, a Fazenda pública paulista aferiu, em visita realizada, aos 8 de fevereiro de 2019, por agente fiscal, ao estabelecimento da empresa, “que não havia indícios de operação no local”.

Diante de uma consequente suspeita de simular-se a existência desse estabelecimento comercial, bem como de operações mercantis indicadas em notas fiscais eletrônicas emitidas em nome de uma única empresa compradora, localizada no Estado de Minas Gerais, alega o Fisco ter concedido ocasião, em via administrativa, para confirmar-se a efetividade das operações realizadas pela ora recorrida nos meses de janeiro e fevereiro de 2019. Apenas depois e por não atendidas as providências correspondentes, foram adotadas as medidas preventivas impugnadas no vertente writreferencial.

3. Ao conceder medida liminar, o M. Juízo a quo observou ser

(…) manifesto o perigo na demora, sendo evidente o risco de dano de difícil reparação se a medida for alcançada só ao final, ou seja, evidente o risco de ineficácia do provimento jurisdicional aqui buscado caso aqui não concedido e em caso de procedência da ação ao final.

(…) o caso vertente não se enquadra em quaisquer das hipóteses taxativamente previstas em lei e nas quais é vedada a concessão de medida de urgência ou liminar em face da Administração pública, além de não dar azo a situação concretamente irreversível.

(…) há fumaça do bom direito e plausibilidade no arguido na inicial.

Deveras, e a princípio, em um primeiro exame da questão, não haveria lastro material na restrição imposta ao impetrante, quer no tocante ao bloqueio da emissão de suas notas fiscais, quer quanto à suspensão de sua inscrição estadual, ‘preventivamente por não localização’ (fls. 39), principalmente diante do documentado a fls. 40/43, por meio de Ata Notarial, através da qual, a princípio, se verifica que a parte impetrante se encontra em regular e presumido funcionamento no local em que consta ser o de seu estabelecimento no CADESP, fls. 39.

Daí porque, nessa fase de cognição sumária e parcial, a fim apenas de garantir o resultado útil do processo, impõe-se o deferimento da medida liminar, restrita a ordem, porém, apenas para a hipótese descrita na inicial e veiculada a fls. 39, ou seja, de suspensão da inscrição e estadual do impetrante ‘preventivamente por não localização’, único fato subjacente apresentado como causa de pedir.

O mais é questão a ser objeto de exame oportuno, depois do regular contraditório, não se olvidando descaber dilação probatória em ação mandamental.

Para o cumprimento da ordem, deve o impetrante adotar de imediato as providencias administrativas adequadas, cabíveis e necessárias, pena de desobediência.

A presente ordem não alcança eventual bloqueio da emissão de notas fiscais ou a suspensão da inscrição do impetrante derivada de qualquer outro fato diverso daquele noticiado na inicial” (e-pág. 243-6 dos autos referenciais –os destaques não estão no original).”

4. Nada obstante a presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos, podem estes sindicar-se por todos os meios idôneos de provas processuais, e, para o caso dos autos, o testemunho qualificado que, ex lege (como não poderia deixar de ser), orna a ata notarial, compreensivo de fato captado e percepcionado, de visu, em tempo posterior à visita do agente fiscal, indicando esse testemunho, cum fide publica, o funcionamento da empresa ora agravada, emerge de todo razoável a conclusão do M. Juízo de origem, sobretudo porque, prudentemente, diz não afetar

“eventual bloqueio da emissão de notas fiscais ou a suspensão da inscrição do impetrante derivada de qualquer outro fato diversodaquele noticiado na inicial.

É certo que não pode o notário atestar, com fé pública, o estado de regularidade do funcionamento da empresa, restrita a órbita de qualificação especial de seu testemunho ao espectro dos facta, sem estender-se ao status, uma vez que este não pode captar-se pela vista e pela audição, únicos órgãos dos sentidos externos aptos a dar espeque à fé pública.

Sem embargo, nos limites sumários da apreciação e decisão da tutela interina, é de admitir que está posta em dúvida a presunção inaugural que beneficiava a asserção administrativa, e, neste quadro de coisas, a dúvida deve estimar-se, ainda que num estrato provisório, de maneira benigna.

5. Acrescente-se que cabe, também, perfilhar o critério frequente nesta Corte de prestigiar as soluções de primeiro grau, na esfera das medidas de urgência, sempre que elas não se mostrem patentemente divorciadas dos supostos normativos e fáticos que lhes correspondam.

É que, sempre que, à origem, as tutelas de urgência não mostrem, manifestamente, vulneração de seus requisitos, cabe prestigiar a decisão primigênia, até porque, de comum, mais acercada das circunstâncias do fato objeto das demandas.

Não cabe ao Tribunal de Justiça, nomeadamente, uma espécie de exercício de discricionariedade substituinte, pois, como já se decidiu, a tutela de urgência “é ato de livre arbítrio do juiz e insere-se no poder de cautela adrede ao magistrado” (RT 674/202), de tal modo que apenas quando ostensiva e irrefutável a ilegalidade ou o abuso de poder do magistrado, é possível alterar a linha sólida do critério que, em princípio, acolhe o primado do juízo da origem.

Julgado desta Corte, de que foi relator o Des. AROLDO VIOTTI (Ag 0009608-71), invocou precedente relatado pelo Des. EVARISTO DOS SANTOS, que recruta acórdãos cônsonos de nosso Tribunal, no sentido de que

“(…) ‘o exame dos requisitos ensejadores da medida liminar está afeto ao juízo monocrático; à instância recursal revisora compete reapreciá-lo desde que a situação dos autos possa indicar exemplo teratológico não resolvido por aquele.’ (AI nº 92.010-5/2 Rel. Des. VALLIM BELLOCCHI j. de 11.11.98 e AI nº 315.636-5/2 Rel. Des. COIMBRA SCHMIDT v.u. j. de 10.03.03, dentre inúmeros outros no mesmo sentido). De outra parte: ‘(…) somente se demonstrada a ilegalidade do ato de deferimento ou negatório da liminar ou o abuso de poder do magistrado, e isto de forma irrefutável, seria admissível a substituição de tal ato vinculado ao exercício do livre convencimento do juiz, por outro da instância superior’ (AI nº 316.545-5/4 Rel. Des. CHRISTIANO KUNTZ v.u. j. de 10.03.03).”

6. Ressalta-se, por fim, em ordem ao prequestionamento indispensável ao recurso especial e ao recurso extraordinário, que todos os preceitos referidos nos autos se encontram, quodammodo, albergados nas questões decididas.

POSTO ISSO, pelo meu voto, nego provimento ao agravo manejado pela Fazenda do Estado de São Paulo, mantendo a r. decisão proferida nos autos de origem n. 1002072-80.2019 da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Jundiaí.

Eventual inconformismo em relação ao decidido será objeto de julgamento virtual, cabendo às partes, no caso de objeção quanto a essa modalidade de julgamento, manifestar sua discordância no momento da interposição de recursos.

É como voto.

Des. RICARDO DIP -relator