TJ|SP: Apelação Cível – Ação Anulatória de Débito Fiscal – ITCMD – Lançamento de AIIM sobre excesso de meação – Partilha dividida em quinhões iguais – Ausência de excesso – Dívida comum que deve ser computada – Art. 12 da Lei nº 10.705/00 que não pode ser interpretada isoladamente – Honorários advocatícios fixados por equidade – Art. 85, §8º, CPC que deve ser aplicado tanto nos casos de valor irrisório como excessivo – Precedentes STJ – Sentença de procedência mantida – Recursos oficial e voluntário da ré parcialmente providos.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1000223-64.2018.8.26.0014, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, é apelado CARLOS DANIEL RIZZO DA FONSECA.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento parcial, nos termos que constarão do acórdão. V. U. Sustentou oralmente o Dr. Eduardo Ramos Viçoso Silva.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANA LIARTE (Presidente), FERREIRA RODRIGUES E RICARDO FEITOSA.

São Paulo, 8 de abril de 2019.

ANA LIARTE

RELATOR

Assinatura Eletrônica

4ª Câmara Seção de Direito Público

Apelação Cível n° 1000223-64.2018.8.26.0014

Comarca: São Paulo

16ª Vara da Fazenda Pública

Apelante: JUÍZO EX OFFICIO e FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelado: CARLOS DANIEL RIZZO DA FONSECA

Voto nº 20.046

Apelação Cível – Ação Anulatória de Débito Fiscal – ITCMD – Lançamento de AIIM sobre excesso de meação – Partilha dividida em quinhões iguais – Ausência de excesso – Dívida comum que deve ser computada – Art. 12 da Lei nº 10.705/00 que não pode ser interpretada isoladamente – Honorários advocatícios fixados por equidade – Art. 85, §8º, CPC que deve ser aplicado tanto nos casos de valor irrisório como excessivo – Precedentes STJ – Sentença de procedência mantida – Recursos oficial e voluntário da ré parcialmente providos.

Trata-se de Ação Anulatória ajuizada por Carlos Daniel Rizzo da Fonseca contra a Fazenda do Estado de São Paulo, objetivando a declaração de nulidade do AIIM nº 4.070.350-2. Afirma que em 30 de novembro de 2015 teve contra si lavrado o AIIM em questão, que lançou ITCMD incidente sobre excedente de meação, pois na divisão do patrimônio comum teriam sido consideradas dívidas inexistentes. Informa que o débito está garantido por meio de prévia ação cautelar (processo nº 1000048-41.2016.8.26.0014). Alega que, nos casos de separação, a jurisprudência é no sentido da incidência do imposto sobre o valor líquido do patrimônio do casal.

A r. sentença de fls. 593/598 julgou procedente o pedido, “para anular a AIIM nº 4.070.350-2, confirmando a tutela anteriormente concedida”.

Ao reexame necessário soma-se o apelo da Fazenda do Estado de São Paulo (fls. 602/611) sustentando a reforma do julgamento. Afirma que a legislação proíbe o abatimento das dívidas que onerem os bens transmitidos. Ressalta que não se trata de tributação sobre herança, mas de transmissão de bens por sucessão hereditária ou doação. Impugna o valor dos honorários advocatícios fixados, requerendo a sua diminuição.

Regularmente processado o recurso, o Apelado apresentou contrarrazões (fls. 616/625).

É o relatório, adotado, quanto ao restante, o da sentença apelada.

Os recursos comportam parcial provimento, apenas quanto aos honorários advocatícios.

É dos autos que, em 30 de novembro de 2015, o Fisco Estadual lavrou Auto de Infração e Imposição de Multa contra o autor, pois “deixou de pagar o ITCMD no montante de 189.196,99 (cento e oitenta e nove mil, cento e noventa e seis reais e noventa e nove centavos), por omissão, conforme datas e valores discriminados no demonstrativo juntado, o fato se concretizou pelo recebimento de transferência patrimonial com a dedução indevida de dívidas, em formal de partilha por se tratar de divisão de patrimônio comum”.

O autor separou-se de seu cônjuge e, na divisão de bens, foram computadas as dívidas do casal. O documento de fls. 76/86 comprova que o casal possuía patrimônio bruto no montante de R$ 11.232.139,00 (onze milhões, duzentos e trinta e dois mil, cento e trinta e nove reais), de modo que a ex-cônjuge do autor couberam bens equivalentes a R$ 1.487.855,00 (um milhão, quatrocentos e oitenta e sete mil, oitocentos e cinquenta e cinco reais); e a ele couberam bens e direitos no valor de R$ 11.264.011,00 (onze milhões, duzentos e sessenta e quatro mil e onze reais), além da assunção integral da dívida do casal existente no valor de R$ 9.776.156,00 (nove milhões, setecentos e setenta e seis mil cento e cinquenta e seis reais).

O Fisco, apesar de no processo de separação consensual ter atestado “que não há incidência de ITCMD ‘doação’ no caso dos autos” (fl. 126), discordou do entendimento e, desconsiderando as dívidas existentes, lançou o ITCMD referente à diferença partilhável a maior que, em tese, teria ficado para o ora Apelado. Portanto, a questão tratada nos autos é a possibilidade ou não de se considerar as dívidas do casal no momento da divisão do patrimônio comum.

O artigo 155 da Constituição Federal estabelece:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

 transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

 relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal

(…)”.

A Lei Estadual nº 10.705/00, que dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos ITCMD, no Estado de São, prevê:

Artigo 2º  O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

(…)

II  por doação.

(…)

§ 5º Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectivameação ou quinhão.

(…)

Artigo 12  No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio. (negritei)

Como bem explicado na r. sentença apelada, “cumpre esclarecer que o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação é o imposto incidente sobre a transmissão de qualquer bem ou direito por sucessão ou por doação. Quando há um divórcio e a partilha dos bens não se dá em conformidade com a meação, isto é, na divisão patrimonial um dos cônjuges fica com uma parte maior da massa de bens do que a que lhe cabia, entende-se que houve uma doação, uma transmissão gratuita, entre os cônjuges e, portanto, é devida a incidência do ITCMD.” (fl. 595 3º parágrafo).

Nesse passo, apenas sobre o excesso de meação incide o tributo. No caso, não se verificou partilha desigual dos quinhões do patrimônio comum, de modo que não há falar em excesso de meação, uma vez que os quinhões foram divididos em mesmo valor para cada consorte na separação. Veja que, assim como na apuração dos valores a serem partilhados no momento da separação do casal, o que há de se considerar para a tributação é o patrimônio líquido partilhável, sendo de rigor a redução de eventuais dívidas existentes.

Em semelhança ao princípio da responsabilidade “cum viribus hereditatis”, não é possível considerar, na partilha dos bens comuns de um casal, o monte total, devendo-se observar o monte partilhável, excluindo-se as dívidas existentes, portanto. Veja que não considerar as dívidas comuns e presumir doação entre os cônjuges é que implicaria em divisão desigual dos quinhões.

Ressalte-se que, como dito, o fato gerador do ITCMD é a transmissão de bem por doação. Por isso, a mera regularização dos bens da meação do patrimônio comum do casal não está sujeita à incidência do tributo. Assim, tem-se que o artigo 12 da Lei nº 10.705/2000 deve ser interpretado em conjunto com essas considerações, sob pena de se instituir novo imposto, com fato gerador diverso daquele previsto constitucionalmente.

Nesse sentido é o entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. 1. Incidência de ITCMD – Excesso de meação – Separação consensual Pagamento de ITBI pela partilha de natureza onerosa Assunção pelo varão do valor total da dívida do casal, mediante partilha apenas do patrimônio líquido – Hipótese que não caracteriza meação excedente para autorizar a incidência de ITCMD – Tributo que incide sobre o monte partível e não sobre o monte-mor total, deduzindo-se o passivo do casal Dívidas que não podem ser compensadas financeiramente para a descaracterização da doação Procedência da ação – Manutenção da sentença. 2. Reexame oficial e recurso voluntário não providos. (Apelação nº 0015058-64.2012.8.26.0053, 12ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Osvaldo de Oliveira, j. 14.5.2014).

DIREITO TRIBUTÁRIO Ação anulatória ITCMD Meação de bens na separação judicial Bens imóveis recebidos a mais compensados com pagamento em dinheiro à ex-esposa Acordo homologado judicialmente Inexistência de doação Inocorrência de fato gerador do imposto estadual Precedentes deste Tribunal de Justiça Cobrança indevida Restituição exigível Valor que deve ser corrigido apenas pela SELIC Entendimento do Superior Tribunal de Justiça Sentença reformada, em parte. Recurso do autor provido, em parte, e recurso da Fazenda não provido. (Apelação nº 0110438-56.2008.8.26.0053, 1ª Câmara Extraordinária de Direito Público, rel. Des. Oscild de Lima Júnior, j. 27.8.2015).

Mandado de segurança ITCMD Incidência do tributo sobre o total de ativos, sem o abatimento de quaisquer dívidas Impossibilidade Afronta ao princípio da capacidade contributiva Precedentes – Ação julgada procedente na 1ª Instância Sentença mantida Recursos oficial e voluntário não providos. (Apelação nº 1025474-98.2017.8.26.0053, 6ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Leme de Campos, j. 18.12.2017).

Quanto aos honorários advocatícios, de rigor o acolhimento da pretensão da Apelante, com a redução do valor fixado.

O artigo 85 do CPC estabelece os critérios para fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais. Nesse passo, a r. sentença determinou a incidência de honorários correspondentes a 8% sobre o valor dado à causa. Como argumentado pela Fazenda do Estado, o montante soma quantia aproximada de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), valor excessivo, considerando o §2º do referido artigo, uma vez que a natureza da causa e a matéria de direito discutida não revelaram alta complexidade.

O §8º do referido artigo 85 do CPC determina que “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o”.

Como já decidido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, a fixação de honorários por equidade deve se dar tanto nos casos em que a verba honorária é ínfima como naqueles em que é excessiva. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO ART. 85, §§ 3º E 8º DO CPC/2015, DESTINADA A EVITAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DESPROPORCIONAL. POSSIBILIDADE.

1. No regime do CPC/1973, o arbitramento da verba honorária devida pelos entes públicos era feito sempre pelo critério da equidade, tendo sido consolidado o entendimento jurisprudencial de que o órgão julgador não estava adstrito ao piso de 10% estabelecido no art. 20, § 3º, do CPC/1973.

2. A leitura do caput e parágrafos do art. 85 do CPC/2015 revela que, atualmente, nas causas envolvendo a Fazenda Pública, o órgão julgador arbitrará a verba honorária atento às seguintes circunstâncias: a) liquidez ou não da sentença: na primeira hipótese, passará o juízo a fixar, imediatamente, os honorários conforme os critérios do art. 85, § 3º, do CPC/2015; caso ilíquida, a definição do percentual a ser aplicado somente ocorrerá após a liquidação de sentença; b) a base de cálculo dos honorários é o valor da condenação ou o proveito econômico obtido pela parte vencedora; em caráter residual, isto é, quando inexistente condenação ou não for possível identificar o proveito econômico, a base de cálculo corresponderá ao valor atualizado da causa; c) segundo disposição expressa no § 6º, os limites e critérios do § 3º serão observados independentemente do conteúdo da decisão judicial (podem ser aplicados até nos casos de sentença sem resolução de mérito ou de improcedência); e d) o juízo puramente equitativo para arbitramento da verba honorária – ou seja, desvinculado dos critérios acima –, teria ficado reservado para situações de caráter excepcionalíssimo, quando “inestimável” ou “irrisório” o proveito econômico, ou quando o valor da causa se revelar “muito baixo”.

(…)

5. A regra do art. 85, § 3º, do atual CPC – como qualquer norma, reconheça-se – não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal. Por mais claro que possa parecer seu conteúdo, é juridicamente vedada técnica hermenêutica que posicione a norma inserta em dispositivo legal em situação de desarmonia com a integridade do ordenamento jurídico.

6. Assim, o referido dispositivo legal (art. 85, § 8º, do CPC/2015) deve ser interpretado de acordo com a reiterada jurisprudência do STJ, que havia consolidado o entendimento de que o juízo equitativo é aplicável tantona hipótese em que a verba honorária se revela ínfimacomo excessiva, à luz dos parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC/1973 (atual art. 85, § 2º, do CPC/2015).

7. Conforme bem apreendido no acórdão hostilizado, justifica-se a incidência do juízo equitativo tanto na hipótese do valor inestimável ou irrisório, de um lado, como no caso da quantia exorbitante, de outro. Isso porque, observa-se, o princípio da boa-fé processual deve ser adotado não somente como vetor na aplicação das normas processuais, pela autoridade judicial, como também no próprio processo de criação das leis processuais, pelo legislador, evitando-se, assim, que este último utilize o poder de criar normas com a finalidade, deliberada ou não, de superar a orientação jurisprudencial que se consolidou a respeito de determinado tema.

(…)

9. A prevalecer o indevido entendimento de que, no regime do novo CPC, o juízo equitativo somente pode ser utilizado contra uma das partes, ou seja, para majorar honorários irrisórios, o próprio termo “equitativo” será em si mesmo contraditório.

10. Recurso Especial não provido. (REsp 1789913/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11/3/2019).

Assim, em interpretação extensiva do artigo 85, §8º, CPC, fixo os honorários advocatícios sucumbenciais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), já incluídos os recursais (§11).

Diante do exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso, para diminuir o valor dos honorários de sucumbência, na forma acima exposta.

Ana Liarte

Relatora