CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura de compra e venda – CND da Receita Federal – Exigência afastada, conforme atual orientação do CNJ, do CSM e nos termos das NSCGJ – Penhoras promovidas em execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional – Documentos apresentados para o registro que somente autorizam o cancelamento da averbação de uma dessas penhoras – Impedimento para o registro – Dúvida procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 1056244-85.2017.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante LEVI RODRIGUES DOS SANTOS, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Negaram provimento ao recurso e mantiveram a recusa do registro, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), DAMIÃO COGAN (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 28 de junho de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1056244-85.2017.8.26.0114

Apelante: Levi Rodrigues dos Santos

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas

VOTO Nº 37.491

Registro de Imóveis – Escritura de compra e venda – CND da Receita Federal – Exigência afastada, conforme atual orientação do CNJ, do CSM e nos termos das NSCGJ – Penhoras promovidas em execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional – Documentos apresentados para o registro que somente autorizam o cancelamento da averbação de uma dessas penhoras – Impedimento para o registro – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda da metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 61.845 do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Campinas porque não foi apresentada a Certidão Negativa de Débitos da Receita Federal em relação à empresa vendedora.

O apelante alegou, em suma, que a exigência da apresentação da Certidão Negativa de Débitos foi afastada pelo Conselho Nacional de Justiça ao julgar procedimento que diz respeito ao art. 1º, inciso IV, da Lei nº 7.711/99 e que essa norma foi declarada inconstitucional pelo Eg. Supremo Tribunal Federal. Afirmou que não há solidariedade tributária passiva entre o adquirente e o alienante do imóvel e que a Fazenda Nacional deve valer-se de outros meios para exigir o cumprimento de obrigações tributárias do vendedor. Requereu a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro da escritura de compra e venda (fls. 74/77).

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 98/105).

É o relatório.

Cuida-se de escritura de compra e venda da metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 61.845 do 2º Registro de Imóveis de Campinas, outorgada por Aliança de Serviços Ltda. (fls. 07/08) que teve o registro negado em razão da não apresentação da Certidão Negativa de Débitos – CND da Receita Federal (fls. 21), em nome da vendedora, conforme previsto no art. 47, inciso I, alínea b, da Lei 8.212/91.

O tema objeto do debate não é novo. Tampouco existe unanimidade na doutrina quanto à possibilidade de afastamento dessa exigência pela via administrativa.

Nada obstante, são diversos os precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura quanto à inexigibilidade da certidão negativa de tributos federais (CND) para ingresso de títulos no registro de imóveis [1].

De fato, a exigência da CND pode configurar forma heterodoxa e atípica de exigibilidade de débitos tributários, sem o devido processo legal, em afronta à Constituição Federal, por traduzir verdadeira sanção política ao jurisdicionado.

O próprio Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias.

Tal entendimento se encontra consubstanciado em enunciados da Suprema Corte (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI), conforme voto do E. Ministro CELSO DE MELLO:

O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional – constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso” [2].

A doutrina se posiciona no mesmo sentido quanto à impossibilidade de cobrança atípica, feita em ofensa ao due process of law:

Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. (…) São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal” [4].

A matéria se encontra normatizada no âmbito administrativo deste E. Tribunal de Justiça, conforme Item 119.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial:

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais” [5].

Não bastasse a mencionada previsão normativa, recentemente, o C. Conselho Nacional de Justiça-CNJ, no julgamento do Pedido de Providências n° 0001230-82.2015.2.00.000, por votação unânime, firmou entendimento de que, reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1°, inciso IV da Lei n° 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação de quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições para o ingresso de qualquer título do registro de imóveis com base na referida norma.

Neste cenário, a exigência de apresentação da Certidão Negativa de Débitos da Receita Federal deve ser afastada.

Contudo, a suscitação da dúvida devolve a qualificação, em sua totalidade, ao órgão julgador que não se restringe à análise dos fundamentos da recusa opostos pelo Oficial de Registro de Imóveis (C.S.M., Apelação Cível nº 33.111-0/3 da Comarca de Limeira, relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha).

In casu, as notas de devolução de fls. 19 e 21 fazem referência à possibilidade de cancelamento das averbações das penhoras promovidas em execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional contra a vendedora do imóvel, com amparo nos documentos apresentados pelo apelante, e ao fato de que a terceira penhora que grava o imóvel não seria impeditiva do registro porque foi posterior à escritura de compra e venda.

A certidão de fls. 23/29 demonstra que a alienante Aliança de Serviços Ltda. é proprietária da metade ideal do imóvel (R. 08 – fls. 26/27) que foi penhorada em duas execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional (Av.09 e Av.10) e em execução de débito trabalhista (Av.11).

Embora a penhora na execução trabalhista não impeça o registro, porque subsistirá à compra e venda, igual não ocorre com as penhoras em execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional que, conforme precedentes deste Col. Conselho Superior da Magistratura, vedam o acesso ao registro de atos de alienação voluntária em razão da indisponibilidade decorrente do art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91. Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA PÚBLICA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA COM PACTO ADJETO DE CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA E OUTRAS AVENÇAS – IMÓVEL INDISPONÍVEL – PENHORA, EM EXECUÇÃO FISCAL, A FAVOR DA FAZENDA NACIONAL E DA UNIÃO – RECUSA DO REGISTRO COM BASE NO ARTIGO 53, §1°, LEI 8.212/91 – ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA – IRRELEVÂNCIA DA AQUISIÇÃO ANTERIOR POR ALIENAÇÃO FORÇADA – REGISTRO INVIÁVEL – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO” [6] (g.n,).

Consta dos autos certidão e mandado autorizando o cancelamento da averbação da penhora promovida pela Fazenda Nacional no Processo nº 171/05, averbada sob nº 09 (fls. 12 e 27), e da penhora averbada sob nº 11, promovida na ação de execução trabalhista (fls. 13 e 28).

Não foi apresentado, porém, mandado ou certidão para o cancelamento da penhora averbada sob nº 10, em 28 de abril de 2015, que foi realizada em execução fiscal movida pela Fazenda Nacional que tem curso no Setor de Execuções Fiscais da Comarca de Itatiba, Processo nº 160/08.

Portanto, subsiste o impedimento para o registro do contrato de alienação voluntária do imóvel em razão de indisponibilidade decorrente da averbação de penhora promovida em execução fiscal movida pela Fazenda Nacional, do que decorre a procedência da dúvida.

Por essas razões, embora por fundamento diverso do adotado na r. sentença, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] CSM, Apelação n° 0004526-23.2015.8.26.0539, Rel. Desembargador PEREIRA CALÇAS; Apelação n° 0006907-12.2012.8.26.0344, Rel. Desembargador RENATO NALINI.

[2] STF, RE 666405/RS.

[4] MACHADO, Hugo De Brito, Sanções Políticas no Direito Tributário, Revista Dialética e Direito Tributário nº 30, p. 46/47.

[5] CTN, art. 192; CPC, arts. 1.026 e 1.031 e Proc. CG 61.983/82; Apelação nº 006907-12.2012.8.26.0344, Marília (SP); NSCGJSP, XIV, 59.2.

[6] TJSP; Apelação 3003761-77.2013.8.26.0019; Relator (a): Elliot Akel; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Americana – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/06/2014; Data de Registro: 16/06/2014.

(DJe de 18.03.2019 – SP)