CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Cancelamento de hipoteca registrada – Prenotação do instrumento particular de alienação fiduciária – Averbação do restabelecimento da hipoteca anteriormente cancelada – Exigência de prévio cancelamento da hipoteca para registro do título já prenotado – Ofensa ao princípio da prioridade – Apelação provida, com observação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1002137-02.2018.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes SANDRA GOLDMAN LEWKOWICZ e H MOTORS COMERCIAL IMPORTADORA DE PEÇAS E SERVIÇOS EM VEICULOS LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do instrumento particular de alienação fiduciária, com menção ao número e data da prenotação do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de fevereiro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1002137-02.2018.8.26.0100

Apelantes: SANDRA GOLDMAN LEWKOWICZ e H Motors Comercial Importadora de Peças e Serviços Em Veiculos Ltda

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 37.642

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Cancelamento de hipoteca registrada – Prenotação do instrumento particular de alienação fiduciária – Averbação do restabelecimento da hipoteca anteriormente cancelada – Exigência de prévio cancelamento da hipoteca para registro do título já prenotado – Ofensa ao princípio da prioridade – Apelação provida, com observação.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, mantendo a recusa do registro, na matrícula nº 74.229, de instrumento particular de alienação fiduciária de imóvel.

Alegam os apelantes, em síntese, que a prenotação antecipa os efeitos do registro, de forma que não poderia ter ocorrido o restabelecimento da hipoteca em favor de GM Factoring – Sociedade de Fomento Comercial Ltda., sem observância da ordem de prioridade decorrente da anterior apresentação do instrumento de particular com garantia de alienação fiduciária, em 30.11.2017. Aduzem que não se pode desconsiderar a anterioridade da prenotação do título e, assim, defendem a efetivação do pretendido registro.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 111/116).

É o relatório.

Nos termos da Av. 7, datada de 28.11.2017, foi averbado o cancelamento da hipoteca registrada sob nº 3 junto à matrícula nº 74.229 do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, em cumprimento à ordem expedida nos autos do Processo nº 1005782-35.2017.8.26.0176, conforme ofício datado de 16.11.2017 e prenotado em 21.11.2017 (fls. 29).

Na sequência, os apelantes apresentaram para registro, na referida matrícula, o instrumento particular de alienação fiduciária prenotado sob nº 436.910, em 30.11.2017.

E então, sobreveio nova ordem judicial para manutenção da hipoteca anteriormente cancelada, conforme ofício datado de 01.12.2017 e prenotado nesse mesmo dia, ficando, destarte, restabelecido o R. 3 da matrícula em questão, conforme Av. 8, datada de 07.12.2017 (fls. 30).

Nessas circunstâncias, o título apresentado pelos apelantes foi objeto de nota de devolução, em que o registrador condicionou o registro do instrumento de alienação fiduciária ao prévio cancelamento da hipoteca (fls. 31).

Ora, é sabido que, tratando-se de títulos representativos de direitos contraditórios ou que representem uma graduação de direitos, a tramitação da qualificação do mandado de restabelecimento da hipoteca deveria aguardar o resultado da qualificação do instrumento de alienação fiduciária, prenotado em primeiro lugar.

O ofício a fls. 30 tem conteúdo de mandado judicial direcionado à manutenção da hipoteca cujo cancelamento havia sido anteriormente registrado. Não se voltando a ordem, pois, à suspensão do procedimento de registro de título específico, qual seja, o instrumento particular de alienação fiduciária apresentado pelo apelante, não caberia ao Oficial de Registro, no exame de sua qualificação, exigir que os apresentantes do título buscassem o cancelamento da hipoteca.

A opção tomada pelo registrador deixou de observar o o que prevêem os itens 39 e 39.1, do Capítulo XX, das NSCGJ, que assim estão redigidos:

39. No caso de prenotações sucessivas de títulos contraditórios ou excludentes, criar-se-á uma fila de precedência. Cessados os efeitos da prenotação, poderá retornar à fila, mas após os outros, que nela já se encontravam no momento da cessação.

39.1. O exame do segundo título subordina-se ao resultado do procedimento de registro do título que goza da prioridade. Somente se inaugurará novo procedimento registrário, ao cessarem os efeitos da prenotação do primeiro. Nesta hipótese, os prazos ficarão suspensos e se contarão a partir do dia em que o segundo título assumir sua posição de precedência na fila.

A prioridade se apura no protocolo do Registro de Imóveis, de acordo com a ordem de seu ingresso. Por outro lado, a Lei de Registros Públicos disciplina a matéria e estabelece regras que devem ser observadas pelos Oficiais. Sobre o tema, merece ser lembrada a lição de Afrânio de Carvalho:

“O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois” (Registro de Imóveis, 4a ed., Editora Forense, 1998, p. 181).

A prenotação subsiste também na hipótese de suscitação de dúvida, prevista no art. 198 da Lei de Registros Públicos, pois, se julgada improcedente, a prioridade fará com que seus efeitos retroajam à data da protocolização do título. Na hipótese de ser julgada procedente, a prenotação será cancelada (art. 203 da Lei de Registros Públicos).

Por fim, cumpre ressaltar que a exigência de cancelamento da hipoteca não se sustenta pois, como ensina Melhim Namem Chalhub:

“(…) na hipoteca o bem permanece no patrimônio do devedor e, assim, sendo ele, o devedor, titular de domínio sobre o imóvel, pode constituir sobre ele novos gravames e até mesmo vendê-los, hipótese em que, por força da seqüela, o gravame hipotecário passa à responsabilidade do adquirente.” (“Negócio Fiduciário”, Ed. Renovar, Rio de Janeiro – São Paulo – Recife, 2009, p. 204).

Como se vê, a hipoteca não impede o registro do instrumento de alienação fiduciária, devendo a questão relativa a eventual preferência de crédito ser debatida em sede própria.

Diante do exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do instrumento particular de alienação fiduciária, com menção ao número e data da prenotação do título.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 15.03.2019 – SP)