1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Escritura de Inventário e Partilha – Herdeiro renunciante – Indisponibilidade em nome dele – Cabe ao credor buscar os meios necessários para satisfazer o seu crédito – Escritura técnica e juridicamente perfeita – Compete ao Oficial analisar os elementos extrínsecos ao titulo, ou seja o aspecto formal, conforme previsto no artigo 214 da Lei de Registros Públicos – Dúvida improcedente.

Processo 1008588-09.2019.8.26.0100

Dúvida

Notas

M. R. M.

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por M. R. M. em face da negativa do Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro da escritura de inventário e partilha dos bens do Espólio de J. P. M., pela qual o imóvel matriculado sob nº 10.555 foi partilhado à viúva meeira e apenas aos herdeiros filhos Robson e Márcio, em razão da renúncia formalizada por L. C. M..

O óbice registrário refere-se à existência de indisponibilidade dos bens de L. C. M., determinada pelo MMº Juízos da 10ª Vara Federal das Execuções Fiscais da Capital e da 28ª Vara do Trabalho da Capital, logo, é necessária a apresentação do cancelamento de tal ordem, podendo a renúncia encobrir uma alienação disfarçada. Juntou documentos às fls.81/121.

Insurge-se o suscitante do óbice imposto sob o argumento de que diante do repúdio à herança, a parte ideal que era cabível ao renunciante retorna ao monte mor para ser distribuída nas proporções fixadas pela lei. Salienta que eventual direitos de credores do renunciante não impede o herdeiro de renunciar e os demais herdeiros de seguir e finalizar a sucessão com o competente registro notarial da escritura de inventário. Apresentou documentos às fls.09/72.

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls.128/129).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Em que pesem o zelo e diligência do Oficial, entendo que a dúvida é improcedente. Compulsando os presentes autos, verifico que a ordem de indisponibilidade derivou de ação de execução fiscal que tramitou perante o MMº Juízo da 10ª Vara das Execuções Fiscais da Capital, bem como ação trabalhista (processo nº 018810058.2009.50.20028), que tramitou perante o MMº Juízo da 28ª Vara do Trabalho da Capital.

O imóvel, objeto da partilha, matriculado sob nº 10.555, foi adquirido exclusivamente pelos genitores do suscitante, J. P. M. casado com I. da M. M., tanto é que não foram abarcados pela indisponibilidade decretada nas ações mencionadas.

Corroborando os fatos expostos, ao lavrar a escritura de inventário e partilha dos bens do Espólio de J. P. M., o 23º Tabelião de Notas da Capital procedeu a consulta na base de dados da “Central de Indisponibilidade de Bens”, obtendo o resultado negativo para os CPFs dos interessados (fl.30).

De fato, questão delicada existe quando da renúncia se depara com a existência de credores do herdeiro renunciante. Isto porque, de acordo com o artigo 1.813 do Código Civil:

“quando o herdeiro prejudicar seus credores, renunciando à herança, poderão estes, com a autorização do juiz , aceitá-la em nome do renunciante”, no prazo de 30 dias do conhecimento do ato, devolvendo ao monte o valor que superar o seu crédito (§§ 1º e 2º do referido artigo).

De acordo com os ensinamentos de Francisco José Cahali e Karin Regina Rick Rosa:

“Quer nos parecer todavia, que a prerrogativa prevista no artigo 1813, citado, representa exclusivamente um benefício processual; e assim, inexistindo processo judicial, tal providencia não lhe é outorgada. Note-se, porém, que o direito material do credor em buscar solver seu crédito permanece integro, inclusive podendo invocar, em seu favor, a fraude contra credores ou fraude à execução, conforme o caso, institutos que tornam ineficazes ou invalidam aquela renuncia. Assim, por caminho diverso, embora talvez mais espinhoso, o credor pode alcançar o mesmo resultado daquela habilitação excepcional do art. 1813. Assim, a existência ou não de credores do herdeiro renunciante é matéria totalmente estranha à escritura de inventário e partilha extrajudicial, e em nada interfere na sua lavratura” (g.n) (Escrituras Públicas, Separação, Divórcio, Inventário e Partilhas Consensuais, ed. Revista dos Tribunais, 2007, pags.81/84).

Na presente hipótese, verifica-se que o imóvel objeto da matrícula nº 10.555, que o herdeiro L. C. M. renunciou a herança em favor do monte mor, bem como não foi incluído dentre os bens atingidos pela indisponibilidade.

Entendo que a alegação do registrador de que a renuncia pode encobrir alienação disfarçada, deverá ser aventada pelos credores nos autos da ação fiscal e trabalhista, tratando-se de matéria que refoge ao procedimento administrativo.

Neste contexto, compete ao Oficial analisar os elementos extrínsecos ao titulo, ou seja o aspecto formal, conforme previsto no artigo 214 da Lei de Registros Públicos, daí que havendo vício referente a existência de indisponibilidade dos bens decorrentes de execução em face do herdeiro renunciante deverá ser alvo de eventual ação a ser formulada pelos detentores do crédito. Logo, o óbice registrário imposto pelo Oficial deverá ser afastado, para que se possibilite o ingresso do título apresentado.

Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida inversa suscitada por M. R. M. em face da negativa do Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, e consequentemente determino o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. Sem prejuízo, expeçam-se oficios aos MMº Juízos da 10ª Vara das Execuções Fiscais da Capital e 28ª Vara Trabalhista da Capital, comunicando desta decisão, para as providências que entenderem cabíveis.

P.R.I.C.

(DJe de 07.03.2019 – SP)