1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Extinção de união estável com partilha de bens – Imóvel adquirido como solteiros, sem menção da união estável no título – Desnecessidade de retificar o título – Averba-se a existência da união estável, qualificando as partes e o fato do bem ter sido adquirido na constância da união – Preservada a continuidade, a partilha pode ingressar no registro – Procedente o pedido de providências formulado pela parte em face do Oficial.

Processo 1049309-37.2018.8.26.0100

Pedido de Providências

Registro de Imóveis

A. F. de S.

Caixa Econômica Federal – CEF e outro

Vistos.

Uma vez que o presente procedimento visa a averbação de escritura de união estável, objeto de averbação, para posterior registro da partilha do imóvel, recebo o feito como pedido de providências.

Trata-se de ação ajuizada por A. F. de S. e C. L. M. M. em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, após negativa de registro de Escritura Pública de Dissolução de União Estável com Partilha de Bens, cujos objetos eram os imóveis matriculados sob os nºs 146.109 e 146.110 na mencionada serventia.

A negativa se deu pois consta das matrículas que os imóveis foram adquiridos por Alessandro, na condição de solteiro, não sendo possível partilhar o bem de sua exclusiva propriedade, exigindo o Oficial que fosse retificado o título pelo qual Alessandro adquiriu os bens, para ali constar a união estável.

Os requerentes aduzem que já mantinham união estável, declarada por escritura pública, quando os bens foram adquiridos, mas que tal situação não constou no instrumento causal, sendo que não é possível cumprir a exigência do Oficial, pois a Caixa Econômica Federal, outorgante do instrumento, alega que não pode realizar a retificação pretendida, uma vez que a venda já foi celebrada e quitada. Alegam que os imóveis sempre foram tratados como de patrimônio comum, razão pela qual o incluíram na partilha da dissolução da união estável. Requerem o registro da partilha. Juntaram documentos às fls. 08/35.

O Oficial manifestou-se às fls. 44/46, com documentos às fls. 47/91. Aduz que no instrumento particular de venda e compra apenas Alessandro consta como comprador, sendo necessária a reratificação deste para alterar a matrícula do imóvel e possibilitar o registro da partilha.

A Caixa Econômica Federal manifestou-se às fls. 93/94, informando que à época do negócio o comprador se declarou como solteiro, não havendo qualquer interesse ou possibilidade de se alterar o instrumento.

O Ministério Público opinou às fls. 101/104, pela qualificação positiva dos títulos.

É o relatório. Decido.

Os títulos merecem ingresso no fólio registral. Acerca da união estável perante o registro imobiliário, assim decidi no Proc. 1035377-16.2017.8.26.0100:

“Não há óbice em dizer que uma vez que se declararam solteiros à época da compra, não se pode agora dizer que estavam em união estável: como se sabe, por muitos anos apenas eram reconhecidos os estados civis de solteiro, casado, separado, divorciado ou viúvo. Não era aceita a declaração do estado civil “em união estável”, condição que vem sendo reconhecida apenas mais recentemente, inclusive constando em escrituras públicas. Ora, não podendo se declarar conviventes, declararam-se solteiros, sem prejuízo a possibilidade de reconhecimento futuro da existência da união estável quando adquiriam o bem, havendo assim a comunicação. Como dito, não importa que tal reconhecimento seja feito após a morte de um deles, vez que há permissão normativa para que seja realizado pelos herdeiros em comum acordo.”

No mesmo sentido, decidiu o Conselho Superior da Magistratura, no Proc. 1101111-45.2016.8.26.0100, j. 10/04/2018, Rel. Pinheiro Franco:

“[P]ara efeito de registro deverá ser entendimento como estado civil o de solteiro, casado, viúvo, separado e divorciado, não o constituindo,portanto, o de “companheiro”, embora possa essa qualidade ser indicada tanto em atos e negócios jurídicos como nos documentos e registros que deles decorrerem. Portanto, para efeito de registro imobiliário, permanece aplicável a lição de Irineu Antonio Pedrotti: “A qualificação do homem e da mulher compreende nacionalidade, naturalidade, filiação, estado civil, RG, CPF/MF, domicílio, residência, e outros caracteres subsidiários. Como estado civil pode dizer que é solteiro, casado, viúvo, separado consensual ou judicialmente(anteriormente desquitado amigável ou judicialmente), divorciado amigável ou judicialmente. Mas, agora, com a Constituição de 1988, não poderá dizer unido estavelmente? E, esse estado não demonstra a entidade familiar dada pela nova norma constitucional? O concubinato e/ou a sociedade de fato, e/ou a união estável não cria, em verdade um estado civil e nem modifica a condição jurídica que a pessoa tem. Tratando-se que alguém que viva more uxório será considerado concubino, companheiro, unido estavelmente, por se encontrar configurada essa situação jurídica. Pode-se usar a expressão unido estavelmente para demonstrar a existência de uma entidade familiar,autorizada pelo preceito constitucional…” (“Concubinato – União Estável”, 4º ed., São Paulo: LEUD, 1999, p. 203/204). (…) Desse modo, ou titular do direito é qualificado no Registro de Imóveis como solteiro, viúvo, separado ou divorciado e mantendo união estável, do que não decorrerá eventual direito conflitante entre eventual cônjuge e companheiro,ou é casado e, em consequência, não poderá ser qualificado também como “em união estável”, pois neste caso os direitos do cônjuge e do companheiro poderão ser incompatíveis entre si, exceto se o reconhecimento da união estável decorrer de ação judicial que atinja o imóvel.”

O conjunto dos trechos acima possibilita concluir que não há qualquer alteração a ser realizada no instrumento que gerou os R. 05 nas matrículas nº 146.109 e 146.110, uma vez que o estado civil de Alessandro era solteiro e assim foi declarado.

A condição de manter união estável, contudo, foi omitida, e um dos fatores para isso, como acima mencionado, é o fato da condição de união estável não ser comumente declarada na lavratura de negócios jurídicos, tendo em vista sua informalidade. Assim, tanto o registro como o instrumento estão corretos, não sendo o caso de qualquer retificação, até porque já declarado pela Caixa a impossibilidade de realizá-la.

Ocorre que a união estável gera efeitos patrimoniais, como a comunicação do bem entre os companheiros, sendo necessária uma solução para a controvérsia. Se por um lado não é possível a alteração do título de compra e venda, por outro não parece haver óbice à averbação da escritura de declaração de união estável. Veja-se que, na hipótese de pessoa solteira adquirir bem, contraindo posteriormente matrimônio no regime de comunhão universal, a averbação do casamento também é feita após o registro de compra e venda, com comunicação do bem. Isso a demonstrar a possibilidade de averbação posterior alterar a titularidade do bem.

Por analogia, portanto, pode-se entender como viável a averbação da união estável no presente caso, levando a comunicação do bem, possibilitando assim o registro de sua partilha. Não vislumbro, ainda, qualquer tentativa de simulação, fraude ou prejuízo a terceiros, uma vez que a escritura de fl. 10, que declara a união estável, foi lavrada já em 2002, anteriormente à aquisição dos imóveis, além de ambos os companheiros terem feito parte da escritura de partilha, declarando que os bens foram adquiridos na constância da união estável.

Ainda, no silêncio, presume-se o regime da comunhão parcial de bens.

Conforme o já citado precedente Proc. 1101111- 45.2016.8.26.0100:

“(…) deverá constar no registro do imóvel o regime de bens adotado caso diverso da comunhão parcial de bens que é o regime legal (art. 1.725 do Código Civil), sendo que no silêncio presumir-se-á o regime de comunhão parcial.” Finalmente, como bem exposto pela D. Promotora: “Vale dizer, aliás, que a ausência de indicação de CRISTINA no instrumento particular de compra e venda é irrelevante, uma vez que a citada comunhão é compulsória e abrange todos os bens adquiridos por eles na constância da união estável (com exceção, claro, daqueles indicados no artigo 1.659 do CC, o que não é o caso). (…) Anote-se, outrossim, que os atos a serem praticados não vulneram o interesse de qualquer das partes (sendo que todos concordam com a comunhão dos bens entre o casal), ao passo que as exigências formuladas pelo Oficial não servem a garantir mais segurança do que a já existente com a averbação e o registro das escrituras. Em suma, tanto a retificação do instrumento que ocasionou o registro, quanto a averbação da união estável são suficientes a aclarar a real titularidade do bem, permitindo-se, ato contínuo, o registro da partilha.”

Portanto, deve o Oficial averbar a declaração de união estável, fazendo constar a qualificação da companheira e o fato do bem ter sido adquirido na constância da união, comunicando-se. Preservada, assim, a continuidade, a escritura de partilha também poderá ingressar no fólio real. Veja-se que, acaso julgado improcedente o pedido, as partes teriam que buscar provimento jurisdicional, chegando ao mesmo resultado aqui alcançado, pois ambos os companheiros concordam que houve a comunicação dos imóveis e pretendem sua partilha amigável.

Do exposto, julgo procedente o pedido de providências formulado por A. F. de S. e C. L. M. M. em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, permitindo a averbação da declaração de união estável e registro da escritura de dissolução e partilha.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C

(DJe de 26.07.2018 – SP)