TJ|SP: Apelação Cível e Recurso “Ex Officio” – Mandado de Segurança – Município de São Paulo – ITBI – Impetração para garantir o direito líquido e certo de recolhimento do tributo com base no valor venal do imóvel utilizado para fins de IPTU, pois maior que o valor da transação – Ilegalidade na adoção de valor de referência como base de cálculo – Lei Municipal nº 14.256/06 – Declar ação de inconstitucionalidade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei nº 11.154/91, do Município de São Paulo, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça – Impossibilidade de cálculo sobre o IPTU – Bases de cálculo distintas – Inteligência do art. 38 do CTN – Possibilidade de recolhimento com base no valor da transação – Pode o Município, no entanto, valer-se do art. 148 do CTN quando entender que o valor declarado pelas partes esteja em desacordo com o mercado imobiliário, podendo nesta hipótese arbitrar a base de cálculo para efeito de pagamento de ITBI mediante o devido processo, atendido o princípio do contraditório – Valor da transação que, no entanto, é inferior ao valor venal par a fins de IPTU – Proibição da “reformatio in pejus” – Sentença mantida – Recursos improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1007792-04.2015.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, é apelado RTP4 PARTICIPAÇÕES LTDA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVA RUSSO (Presidente) e ERBETTA FILHO.

São Paulo, 5 de julho de 2018.

Rezende Silveira

Relator

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO N°: 1007792-04.2015.8.26.0053

APELANTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO e JUÍZO “EX OFFICIO”

APELADA: RTP4 PARTICIPAÇÕES LTDA.

COMARCA: SÃO PAULO

VOTO Nº 15321

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL e RECURSO “EX OFFICIO” – Mandado de Segurança – Município de São Paulo – ITBI – Impetração para garantir o direito líquido e certo de recolhimento do tributo com base no valor venal do imóvel utilizado para fins de IPTU, pois maior que o valor da transação – Ilegalidade na adoção de valor de referência como base de cálculo – Lei Municipal nº 14.256/06 – Declar ação de inconstitucional idade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei nº 11.154/91, do Município de São Paulo, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça – Impossibilidade de cálculo sobre o IPTU – Bases de cálculo distintas – Inteligência do art. 38 do CTN – Possibilidade de recolhimento com base no valor da transação – Pode o Município, no entanto, valer-se do art. 148 do CTN quando entender que o valor declarado pelas partes esteja em desacordo com o mercado imobiliário, podendo nesta hipótese arbitrar a base de cálculo para efeito de pagamento de ITBI mediante o devido processo, atendido o princípio do contraditório – Valor da transação que, no entanto, é inferior ao valor venal par a fins de IPTU Proibição da “reformatio in pejus” – Sentença mantida – Recursos improvidos.

Vistos.

Trata-se de reexame necessário e tempestivo recurso de apelação, interposto pela PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO (fls. 126/139) por meio do qual objetiva a reforma da sentença de fls. 123/124 que concedeu a segurança para determinar que o ITBI seja calculado sobre o valor utilizado como base de cálculo do IPTU dos imóveis descritos na inicial.

Sustenta, preliminarmente, a inadequação da via mandamental, pois a análise da matéria depende da produção de provas. No mérito, insiste na legalidade da exação, pois a base de cálculo do ITBI está prevista na Lei Municipal 11.154/91, com as alterações das Leis Municipais 14.125/05 e 14.256/06. Sustenta, ainda, que a eleição do valor venal, como valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado (artigo 7º da Lei Municipal nº 11.154/91) atende ao princípio da legalidade, previsto no artigo 150, I, da Constituição Federal. Alega que a base de cálculo do ITBI é distinta daquela tomada para fins de cálculo do IPTU, daí porque pugna pela reforma da sentença, com a denegação da segurança, caso não acolhida a matéria preliminar.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 142/166).

É o relatório.

Conheço do reexame necessário, por força do art. 14, § 1º da Lei 12.016/2009.

Os recursos não merecem provimento.

Inicialmente, não prospera a preliminar de inadequação da via eleita, pois a impetrante não pretende que seja fixado o valor venal de seu imóvel, mas sim o reconhecimento do direito de recolher o ITBI pelo valor venal para fins de IPTU, não havendo, para tanto, necessidade de dilação probatória.

Por sua vez, o artigo 38 do CTN, tratando do ITBI, dispõe que “A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos“.

O conceito de valor venal não é definido pelo Código Tributário Nacional, mas Aliomar Baleeiro deu uma definição para valor venal que se tornou clássica, dizendo: “valor venal é aquele que o imóvel alcançará para compra e venda a vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis”. (BALEEIRO, Aliomar. “Direito Tributário Brasileiro.” 10ª Edição revista e atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 157).

A Municipalidade de São Paulo aplicou os termos da Lei Municipal n. 14.256/2006 a qual deu nova redação à Lei n. 11.154/1991, acrescentando, no artigo 26, os artigos 7º-A e 7º-B, redigidos da seguinte forma:

“Art. 7º-A. A Secretaria Municipal de Finanças tornará públicos os valores venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município de São Paulo.

Parágrafo único. A Secretaria Municipal de Finanças deverá estabelecer a forma de publicação dos valores venais a que se refere o “caput” deste artigo.”

Art. 7º-B. Caso não concorde com a base de cálculo do imposto divulgada pela Secretaria Municipal de Finanças, nos termos de regulamentação própria, o contribuinte poderá requerer avaliação especial do imóvel, apresentando os dados da transação e os fundamentos do pedido, na forma prevista em portaria da Secretaria Municipal de Finanças, que poderá, inclusive, viabilizar a formulação do pedido por meio eletrônico.”

Referido dispositivo legal, no entanto, fere o princípio da legalidade, por violar o artigo 150, inciso I, da CF e o art. 97, incisos II e IV, do Código Tributário Nacional que é lei de caráter nacional, devendo servir de guia para a instituição de impostos pelos entes federativos.

A propósito, o Órgão Especial, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n° 0056693-19.2014.8.26.0000, reconheceu a inconstitucionalidade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei n. 11.154/91, do Município de São Paulo, acrescidos pela Lei Municipal n. 14.256/2006, conforme ementa vazada nos seguintes termos:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – Artigo 7º da Lei n. 11.154, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelas Leis nos. 14.125, de 29 de dezembro de 2005, e 14.256, de 29 de dezembro de 2006, todas do Município de São Paulo, que estabelece o valor pelo qual o bem ou direito é negociado à vista, em condições normais de mercado, como a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis ( ITBI ) – Acórdão que, a despeito de não manifestar de forma expressa, implicitamente também questionou as disposições dos artigos 7º-A, 7º-B e 12 da mesma legislação municipal – Valor venal atribuído ao imóvel para apuração do ITBI que não se confunde necessariamente com aquele utilizado para lançamento do IPTU – Precedentes do STJ – Previsão contida no aludido artigo 7º que, nessa linha, não representa afronta ao princípio da legal idade, haja vista que, como regra, a apuração do imposto deve ser feita com base no valor do negócio jurídico realizado, tendo em consideração as declarações prestadas pelo próprio contribuinte, o que, em princípio, espelharia o “real valor de mercado do imóvel” – “Valor venal de referência”, todavia, que deve servir ao Município apenas como parâmetro de verificação da compatibilidade do preço declarado de venda, não podendo se prestar para a prévia fixação da base de cálculo do ITBI – Impossibilidade, outrossim, de se impor ao sujeito passivo do imposto, desde logo, a adoção da tabela realizada pelo Município – Imposto municipal em causa que está sujeito ao lançamento por homologação, cabendo ao próprio contribuinte antecipar o recolhimento – Arbitramento administrativo que é providência excepcional , da qual o Município somente pode lançar mão na hipótese de ser constatada a incorreção ou falsidade na documentação comprobatória do negócio jurídico tributável – Providência que, de toda sorte, depende sempre da prévia instauração do pertinente procedimento administrativo, na forma do artigo 148 do Código Tributário Nacional, sob pena de restar caracterizado o lançamento de ofício da exação, ao qual o ITBI não se submete – Artigos 7º-A e 7º-B que, nesse passo, subvertem o procedimento estabelecido na legislação complementar tributária, em afronta ao princípio da legalidade estrita, inserido no artigo 150, inciso I , da Constituição Federal – Inadmissibilidade, ainda, de se exigir o recolhimento antecipado do tributo, nos moldes estabelecidos no artigo 12 da Lei Municipal n. 11.154/91, por representar violação ao preceito do artigo 156, inciso II , da Constituição Federal – Registro imobiliário que é constitutivo da propriedade, não tendo efeito meramente regularizador e publicitário, razão pela qual deve ser tomado como fato gerador do ITBI – Regime constitucional da substituição tributária, previsto no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal , que nem tem lugar na espécie, haja vista que não se cuida de norma que autoriza a antecipação da exigibilidade do imposto de forma irrestrita – Arguição acolhida para o fim de pronunciar a inconstitucionalidade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei n. 11.154/91, do Município de São Paulo” (g.n. ) (Des. Rel. Paulo Dimas Mascaretti, Órgão Especial, Data do julgamento: 25/03/2015) .

Em face desta decisão, é forçoso o acolhimento de seus termos, na medida em que, como órgão máximo desta Corte, o acatamento de suas decisões é medida que se impõe, não restando, com isso, hipótese para qualquer discussão sobre a matéria.

Por outro lado, não há previsão para que a base de cálculo do IPTU seja utilizada para cálculo do ITBI, no que prevaleceria o valor da transação, cabendo à Municipalidade atentar ao procedimento previsto no art. 148 do CTN, oportunizando ao contribuinte eventual impugnação. Entretanto, o valor das transações no caso é inferior ao valor venal para fins de IPTU razão pela qual, a fim de evitar a “reformatio in pejus”, outra solução não há no caso que a manutenção da sentença que determinou o cálculo do ITBI com base no valor venal lançado para o IPTU.

Diante do exposto, meu voto nega provimento aos recursos.

REZENDE SILVEIRA

Relator