CNJ: 1. Consulta – 2. Tribunal de Justiça da Paraíba – 3. A consulta é respondida no sentido que “a gratuidade de justiça deve ser estendida, para efeito de viabilizar o cumprimento da previsão constitucional de acesso à jurisdição e a prestação plena aos atos extrajudiciais de notários e de registradores. Essa orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF/88), restando, portanto, induvidosa a plena eficácia da Resolução nº 35 do CNJ, em especial seus artigos 6º e 7º.”


Autos: CONSULTA – 0006042-02.2017.2.00.0000

Requerente: CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

EMENTA: 1. Consulta. 2. Tribunal de Justiça da Paraíba. 3. A consulta é respondida no sentido que “a gratuidade de justiça deve ser estendida, para efeito de viabilizar o cumprimento da previsão constitucional de acesso à jurisdição e a prestação plena aos atos extrajudiciais de notários e de registradores. Essa orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF/88), restando, portanto, induvidosa a plena eficácia da Resolução nº 35 do CNJ, em especial seus artigos 6º e 7º.

Conselheiro Arnaldo Hossepian Junior

Relator

ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu à consulta, nos termos do voto do Relator. Vencido, em parte, o Conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga que entende pela necessidade de alteração da Resolução nº 35/2007. Plenário Virtual, 20 de abril de 2018. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros João Otávio de Noronha, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votaram a Excelentíssima Conselheira Presidente Cármen Lúcia e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Federal.

RELATÓRIO

Vistos, etc.

Trata-se de Consulta protocolada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado da Paraíba. Em resumo, a Corregedoria requerente entendeu que há dúvida pertinente quanto à manutenção da gratuidade das escrituras de separação e divórcio diante da vigência do Novo Código de Processo Civil.

O tema é pertinente em razão da possibilidade, apontada pelos requerentes, da revogação tácita dos artigos 6º e 7º da Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça que prevê e disciplina a aplicação da Lei n° 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro:

Art. 6° A gratuidade prevista na Lei no 11.441/07 compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais.

Art. 7° Para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei n° 11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído.

É, em resumo, o relatório.

Brasília, 16 de agosto de 2017.

Conselheiro Arnaldo Hossepian Junior

Relator

VOTO

A Lei nº 11.441/07 invocou a possibilidade de ser realizada de forma administrativa em tabelionato de notas, inventários e partilhas, separações e divórcios consensuais.

A medida, que deu novo fôlego à jurisdição voluntária, foi bem recebida pela doutrina em virtude da simplificação dos procedimentos, sem a necessidade do ingresso de demandas junto ao Poder Judiciário, tudo em prol da agilidade da prestação jurisdicional, destaca Rodrigo Pinto (2005, p.151[1]): “[…] inventário extrajudicial, neste âmbito, constitui medida assaz exitosa, porquanto prima pela racionalidade da atividade jurisdicional ao retirar do foro processos carentes de litigiosidade, desobstruir as varas sucessórias e desonerar magistrados, servidores, advogados e partes”.

O Conselho Nacional de Justiça, em 2007, a fim de elucidar as dúvidas e uniformizar os procedimentos, editou a Resolução nº 35, disciplinando a aplicação da aludida lei pelos serviços notariais de todo o País.

A Resolução 35 do CNJ que disciplinou a Lei nº 11.441/2007 deixa clara, a expressão “gratuidade” em seus arts. 6º e 7º, entendendo que o hipossuficiente obtém o benefício livre de todos os emolumentos para a escritura pública de inventario, partilha, separação e divórcio consensuais[2].

Em que pese, aparentemente, a questão ter sido pacificada com a atuação do CNJ, em razão da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil de 2015, com a inexistência de regra nos moldes do §3º do art. 1.124-A do já revogado CPC/73, há dúvida, apresentada pela Corregedoria-Geral do Estado da Paraíba, se o sistema inaugurado pelo CPC/15 permite que se chegue à conclusão de que permanece o direito à gratuidade das pessoas que se declarem pobreza.

De início, é bom ressaltar que a duração razoável do processo – fundamento para as novas competências dos cartórios extrajudiciais – é garantia fundamental estendida a toda e qualquer pessoa (CF, art. 5º, LXXVIII; CPC, art. 4º). Nesse sentido, Flávio Tartuce[3] sustenta que “a gratuidade de justiça para os atos extrajudiciais tem fundamento na tutela da pessoa humana (art.1º, inciso III, da CF/1988) e na solidariedade social que deve imperar nas relações jurídicas (art.3º, inciso I, da CF/1988) fundamento último este que afasta alguns dos principais argumentos dos defensores da impossibilidade de concessão simples da gratuidade para atos notariais.”

Por ouro lado, por outorga de delegação deve-se compreender a transferência de um direito e de sua execução. Assim, é transferido o direito das funções de notas e registro juntamente com sua execução. No entanto, mesmo com a transferência que acarreta o exercício em caráter privado das delegações, a natureza do serviço continua a ser pública.

Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, em face da natureza pública dos serviços notariais, que seria possível a gratuidade dos atos relacionados ao exercício da cidadania. Vejamos:

CONSTITUCIONAL. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE. ATIVIDADE NOTARIAL. NATUREZA. LEI 9.534/97. REGISTROS PÚBLICOS. ATOS RELACIONADOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. GRATUIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO NÃO OBSERVADA. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. I – A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. II – Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os “reconhecidamente pobres” do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. III – Precedentes. IV – Ação julgada procedente. STF, ADC5, Rela. Min. Nelson Jobim, DJe-117, DIVULG 04-10-2007, p. 05-10-2007.

E o STJ, em processo de Relatoria do i. Ministro João Otávio de Noronha, analisando o tema da extensão dos benefícios da gratuidade determinada judicialmente no âmbito extrajudicial das serventias ou serviços de notas e de registro decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ATOS REGISTRAIS E NOTARIAIS EXTRAJUDICIAIS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. EXTENSÃO. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.

1. A gratuidade de justiça concedida em processo judicial deve ser estendida aos serviços notariais e registrais para tornar efetiva a prestação jurisdicional.

2. Divergência jurisprudencial comprovada.

3. Recurso especial conhecido e provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.549.939 – DF)

Embora o caso concreto estivesse relacionado à decisões judiciais, compulsando o voto proferido extrai-se: “a orientação jurisprudencial acima exposta é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos.”

A visão contemporânea do acesso à justiça não se limita a simplesmente possibilitar que todos possam ir a juízo, mas abrange uma série de possibilidades de realização da justiça; para que se possa dar a cada um o que é seu. Nesse sentido, sobreleva a possibilidade de atuação em instâncias tanto jurisdicionais como extrajudiciais.

Segundo Cappeletti:

“A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”[4]

Em resposta ao problema da entrega do direito ao jurisdicionado, medidas de desjudicialização podem ser capazes de reduzir a morosidade jurisdicional. Essas medidas, no entanto, não podem ser elitizadas pela ausência de gratuidade aos que dela necessitam. Nesse sentido, é direito de qualquer cidadão optar, sem obstáculos, a não ser os previstos na lei, a concessão do benefício da gratuidade, que até mesmo no processo judicial é garantido a todos aqueles que dele dependam.

Técnicas processuais se legitimam na medida que possam servir ao jurisdicionado e à sociedade. Não se admite, portanto, a construção de novos óbices à distribuição da justiça, especialmente pela dificuldade de acesso por custos ou condições pessoais de incapacidade ou despreparo das partes.

Em nosso ordenamento, desde 1950 a Lei nº 1.060 vem disciplinando, de forma consistente, a assistência judiciária gratuita ao ditar regras sobre a atuação em juízo. De forma ainda mais ampla, a Constituição Federal prevê, entre as garantias fundamentais, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Em arremate, convém consignar que Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948, em seu artigo XXV, prevê a proibição do retrocesso social como obstáculo constitucional à frustração e ao inadimplemento, pelo poder público, de direitos prestacionais.

Existe uma relação umbilical entre a proibição ao retrocesso, a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica, o que significa dizer que há limitação ao legislador à edição de regras que possam implicar em retrocessos sociais – nas hipóteses em que se garante ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos. Não é possível frustar expectativas, criadas pelo Estado, destinadas a concretizar direitos fundamentais.

O acesso à justiça, como já apontado, tem assumido caráter de justiça social, sendo considerado como um dos direitos humanos fundamentais, obrigação essencial e indelegável do Estado e pressuposto da cidadania.

Quanto à questão, destaca-se decisão do Supremo Tribunal Federal:

“O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados.” (ARE 639337 AgR, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)

Portanto, é inafastável a conclusão de que a assistência jurídica é integral, e, mais que isso, a assistência gratuita àqueles que dela necessitem, deve ser vista como um direito fundamental a concretizar, envolvendo também as vias extrajudiciais de efetivação do acesso à ordem jurídica, sendo qualquer lacuna ou regramento em contrário inadmissível configuração de retrocesso, vedado por princípios constitucionais.

Assim, por todo exposto, a consulta é respondida no sentido que a gratuidade de justiça deve ser estendida, para efeito de viabilizar o cumprimento da previsão constitucional de acesso à jurisdição e a prestação plena aos atos extrajudiciais de notários e de registradores. Essa orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF/88), restando, portanto, induvidosa a plena eficácia da Resolução nº 35 do CNJ, em especial seus artigos 6º e 7º.”

Brasília, 16 de agosto de 2017.

Conselheiro Arnaldo Hossepian Junior

Relator

___________________

[1] PINTO, Rodrigo Strobel. O inventário extrajudicial. Revista de Processo, São Paulo, v. 30, n. 122, p.149-150, 2005.

[2] RESOLUÇÃO Nº 35, DE 24 DE ABRIL DE 2007.

Disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.

[…]

Art. 6º A gratuidade prevista na Lei n° 11.441/07 compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais.

Art. 7º Para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei nº 11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído.

[3] O novo CPC e o Direito Civil: impactos, diálogos e interações. São Paulo: Método, 2015.

[4] Capelletti, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. Pág.08

VOTO

Registro, novamente, os fundamentos de minha divergência parcial. Acompanho S. Exª. O Ilustre Conselheiro Relator em seu judicioso voto. Apenas e tão-somente, na conclusão, é que acrescento que há necessidade de se alterar a Resolução nº 35/2007, na medida em que os arts. 6º, 7º e 8º daquela Resolução fazem referência ao Cód. de Proc. Civ., com a alteração da Lei 11.441/2007, dispositivos revogados pelo atual Código de Processo Civil que não reproduz a regra anterior.

Ministro ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA

Conselheiro

Brasília, 2018-04-25.

DJ 30.04.2018