CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Formal de Partilha – Imóvel doado em favor do autor da herança e sua mulher, casados pelo regime da comunhão universal de bens, além de três outros donatários – Posterior falecimento do único donatário que era casado – Pretensão, pela viúva, de atribuição de quinhões separados do imóvel em seu favor e em favor de seu marido, de forma a que cada um tivesse o equivalente a 20% do imóvel – Interpretação que não encontra respaldo na escritura pública de doação e em seu registro – Dúvida procedente, com manutenção da recusa do registro do título – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1006915-68.2016.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que são partes são apelantes REGINA CELIA SOPHIE RIBEIRO e ADRIANA SOPHIE OLMEDO, é apelado OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO VICENTE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de março de 2018.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1006915-68.2016.8.26.0590

Apelantes: Regina Celia Sophie Ribeiro e Adriana Sophie Olmedo

Apelado: Oficial do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Vicente

VOTO Nº 37.306

Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Formal de Partilha – Imóvel doado em favor do autor da herança e sua mulher, casados pelo regime da comunhão universal de bens, além de três outros donatários – Posterior falecimento do único donatário que era casado – Pretensão, pela viúva, de atribuição de quinhões separados do imóvel em seu favor e em favor de seu marido, de forma a que cada um tivesse o equivalente a 20% do imóvel – Interpretação que não encontra respaldo na escritura pública de doação e em seu registro – Dúvida procedente, com manutenção da recusa do registro do título – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 148/150, que manteve a recusa de formal de partilha envolvendo imóvel matriculado sob número 68.674, perante o Registro de Imóveis da mesma Comarca, a teor de que o registro do formal nos termos pretendidos seria temerário sem a prévia retificação do R.03 da matrícula 68.674, havendo risco de prejuízo aos coproprietários do imóvel, os quais não manifestaram anuência quanto à pretensão das suscitantes.

Sustentam as apelantes que a doadora Beatriz Ribeiro pretendeu doar à nora Regina Célia parte ideal do imóvel de sua propriedade, não tendo a nora figurado da escritura apenas na qualidade de cônjuge do filho donatário. Nessa linha de argumentação, sustentam ter sido corretamente elaborado o plano de partilha e requerem a reforma da r. decisão de primeiro grau.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Por meio da escritura de doação copiada às fls. 19/23, registrada na Matrícula nº 68.674 do Registro de Imóveis da Comarca de São Vicente em 28 de dezembro de 1989 (fls. 14/17), Beatriz Ribeiro doou o imóvel para” “JAIR RIBEIRO (qualificado) e sua mulher REGINA CÉLIA SOPHIE RIBEIRO (qualificada); ADRIANA SOPHIE RIBEIRO (qualificada); JORGE RIBEIRO(qualificado); GEORGETE MATIAS RIBEIRO (qualificada)”, reservando para si o usufruto vitalício.

Com o óbito de Jair Ribeiro, no ano de 2014, foi promovido o arrolamento em que realizada a partilha de quinhão equivalente a 20% da nua propriedade do imóvel, atribuído inteiramente à herdeira filha (fls. 42 e 51), sem menção da participação da viúva na partilha desse imóvel (fls.41).

O registro do formal de partilha foi recusado pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis porque: 1) a leitura da escritura pública de doação permite compreender que o falecido e sua esposa receberam, em conjunto, o total correspondente a 25% do imóvel, e não cada qual 20% desse bem; 2) incide o disposto no art. 1.791, do Código Civil, sendo o Espólio uma universalidade de bens; 3) com o óbito da doadora o domínio pleno se consolidou em favor dos donatários (fls. 86/93).

As razões apresentadas para a suscitação da dúvida inversa e as razões de apelação mostram que a omissão na partilha decorreu do entendimento, pelas apelantes, de que o imóvel foi doado em seu favor de Jair e sua esposa Regina Célia na proporção de 20% da nua propriedade para cada um, e em favor dos demais três donatários que teriam recebido, também cada um, quinhão de 20% da nua propriedade.

Essa interpretação, contudo, não se coaduna com o teor do registro da doação e com a escritura pública por meio da qual foi realizada.

Assim porque, como visto, consta na escritura pública que o imóvel foi doado para Jair Ribeiro e sua mulher Regina Célia Sophie Ribeiro, casados pelo regime da comunhão universal de bens, sem especificar a transmissão de quinhões distintos do imóvel para cada um desses donatários.

Porém, a escritura pública especifica os donatários do imóvel, separando suas qualificações com “ponto e vírgula”, e o faz de modo e identificá-los como sendo: 1) Jair Ribeiro e sua mulher Regina Célia Sophie Ribeiro, casados pelo regime da comunhão de bens; 2) Adriana Sophie Ribeiro, solteira; 3) Jorge Ribeiro, viúvo; 4) Georgete Matias Ribeiro, solteira (fls. 19/20).

Na escritura pública e no registro da doação (fls. 14/16) foi utilizada forma padrão de redação que identifica e separa os donatários conforme o número de adquirentes do imóvel, agrupando aqueles que por serem casados adquirem quinhão em conjunto, na proporção de metade desse quinhão para cada um dos cônjuges.

Ademais, conforme disposto no art. 1.667, I, do Código Civil, no regime da comunhão universal não se comunicam os bens doados com cláusula de incomunicabilidade, nem os sub-rogados em seu lugar:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;”

Por essa razão, a menção da doação de quinhão do imóvel em favor de Jair Ribeiro e sua mulher deve ser compreendida como destinada à permitir a comunicação do quinhão entre os cônjuges que o receberam em doação, sem excluir a esposa da doação feita ao seu marido.

Essa interpretação não se altera pela consignação, na escritura pública, de que: “a presente doação é feita aos donatários seus filhos, noras e netos com a reserva de usufruto vitalício para ela doadora…” (fls. 21).

Ao contrário, a inclusão de Regina Célia Sophie Ribeiro se presta para confirmar que foi beneficiada com a doação em conjunto com seu marido que era filho da doadora.

Considerada a forma de redação da escritura pública, para que a apelante fosse reconhecida como donatária de quinhão separado do imóvel era necessário que assim fosse consignado de forma expressa na escritura pública, com especificação do quinhão destinado à Jair e do quinhão destinado à sua cônjuge Regina e com a indicação de que esses quinhões não se comunicariam em razão do regime de bens adotado no casamento de ambos.

Isso porque, a par da forma adotada na redação da escritura pública, não haveria razão para a doação separada de quinhões a marido e mulher casados pelo regime da comunhão universal, pois sem cláusula de incomunicabilidade esses quinhões acabariam por se comunicar entre ambos os cônjuges, passando a constituir bem comum.

Desse modo, a melhor interpretação é a de que a doação foi realizada em favor de quatro donatários, mas com comunicação do quinhão doado para Jair Ribeiro em favor de sua cônjuge, Regina Célia Sophie Ribeiro.

Portanto, correta a exigência de retificação do título para que a partilha diga respeito a quinhão equivalente a 25% do imóvel recebido em doação por Jair Ribeiro e Regina Célia Sophie Ribeiro.

Por fim, importa observar que os demais donatários do imóvel não participaram do inventário dos bens deixados pelo falecimento de Jair Ribeiro, mas serão afetados pela forma da partilha realizada porque, em tese, terão reduzidos seus quinhões no bem que lhes foi doado.

Ressalva-se, porém, a possibilidade de retificação da matrícula para constar que cada um dos donatários recebeu quinhão do imóvel distinto daquele atualmente presumido, ou seja, 25% do bem, observando-se na retificação a necessidade de anuência de todos os donatários, ou o recurso à via contenciosa caso haja litígio em relação à essa matéria.

Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 19.04.2018 – SP)