CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de quatro imóveis localizados em duas circunscrições distintas – Aplicabilidade do artigo 187 da Lei 6.015/73 – Impossibilidade de cisão do título e do registro da escritura apenas em relação a um de dois imóveis localizados em uma mesma circunscrição – Óbice mantido – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação n.º 1000311-58.2016.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que são partes é apelante CARLOS ROSENBERGS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para permitir o registro da escritura de permuta somente em relação ao imóvel matriculado sob o nº 11.699 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Americana, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de dezembro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1000311-58.2016.8.26.0019

Apelante: Carlos Rosenbergs

Apelado: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Americana

VOTO N.º 29.837

Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de quatro imóveis localizados em duas circunscrições distintas – Aplicabilidade do artigo 187 da Lei 6.015/73 – Impossibilidade de cisão do título e do registro da escritura apenas em relação a um de dois imóveis localizados em uma mesma circunscrição – Óbice mantido – Apelação provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Carlos Rosenbergs contra a sentença de fls. 135/140, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de escritura pública de permuta, referente ao imóvel matriculado sob o nº 11.699 no Registro de Imóveis de Americana.

Sustenta o apelante que a sentença não deve subsistir, pois os imóveis permutados se localizam em circunscrições diferentes, razão pela qual não é aplicável o disposto no artigo 187 da Lei 6.015/73 (fls. 145/151).

A Procuradoria de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 168/172).

É o relatório.

Apresentada a escritura, o oficial emitiu nota devolutiva, indicando alguns óbices ao ingresso do título no fólio real. Um desses óbices não foi superado, motivo pelo qual a sentença proferida e o recurso de apelação interposto têm por objeto a exigência que se revelou obstáculo intransponível ao registro do título: a aplicação do artigo 187 da Lei 6.015/73 e a imposição de que se realize o registro da escritura em relação aos imóveis localizados na mesma circunscrição imobiliária.

Inicialmente, é importante destacar o texto do artigo 187 da Lei 6.015/73, razão da divergência instaurada nestes autos:

“Art. 187. Em caso de permuta, e pertencendo os imóveis às mesmas circunscrições, serão feitos os registros nas matriculas correspondentes, sob um único numero de ordem no Protocolo”.

A tese do recorrente é a de que, estando os imóveis permutados localizados em circunscrições diferentes, o dispositivo legal não se aplica. O oficial, por seu turno, negou o pedido de registro do título em relação a um dos imóveis de sua circunscrição, sob o fundamento de que não é possível o registro da escritura de permuta apenas em relação a um dos dois imóveis situados em Americana, ainda que os outros estejam localizados em circunscrição diversa.

E a razão está com o recorrente.

Pela escritura pública copiada a fls. 36/53, ajustou-se a permuta de partes ideais de quatro imóveis, dois dos quais estão situados em Americana e dois, em Santos.

Em Santos, já houve o registro da escritura pública de permuta em relação aos dois imóveis que estão lá localizados (fls. 27/33). Restam os dois imóveis, que também são objeto da escritura pública de permuta, e que estão localizados em Americana.

Em Americana, estão localizados dois imóveis, o de matrícula 11.699 e o situado na Rua Rui Barbosa, 89, Centro (ainda sem número de matrícula e sem indicação de transcrição). E o recorrente pretende que o registro da escritura se dê somente em relação ao primeiro imóvel, matriculado sob o nº 11.699, deixando de realizar o registro da escritura em relação ao segundo, pedido que foi negado pelo oficial, mas que deve ser admitido.

Em julgamento recente, o Conselho Superior da Magistratura acabou por reconhecer a cindibilidade da escritura de permuta de modo a permitir o registro da transmissão do domínio em relação a um dos imóveis permutados, ainda que localizados na mesma circunscrição. Segue a ementa:

“PERMUTA. REGISTRO. DÚVIDA. IMÓVEIS SITUADOS EM CIRCUNSCRICOES DIVERSAS. POSSIBILIDADE DA INSCRICAO AUTONOMA DE UMA DAS AQUISIÇÕES. Provimento do recurso” (CSM, apelação 1004930-06.2015.8.26.0362, julgado em 22 de novembro de 2016, Voto vencedor Des. Ricardo Dip).

Ainda que o julgamento citado tenha tratado de imóveis situados em circunscrições diversas, é certo que na fundamentação do V. Acórdão mencionado decidiu-se que nem mesmo quando os imóveis estejam localizados na mesma circunscrição deva se exigir o registro de todos os fatos inscritíveis. Em outros termos, prevaleceu no Conselho Superior da Magistratura a interpretação no sentido de que o artigo 187 da Lei 6.015/73 estabelece regra de técnica para a inscrição no protocolo e não exige a feitura de todos os registros, nem mesmo quando todos os imóveis estejam localizados na mesma circunscrição.

E, a admitir a cindibilidade da escritura de permuta, já tendo sido realizado o registro em relação aos imóveis localizados em Santos, deve ser permitido o registro da escritura de um dos dois imóveis localizados em Americana, como pretende o recorrente.

Anota-se, ademais, que não houve sequer requerimento de registro por parte do interessado em relação ao segundo imóvel localizado em Americana.

Ante o exposto, dou provimento à apelação para permitir o registro da escritura de permuta somente em relação ao imóvel matriculado sob o nº 11.699 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas de Americana.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Tribunal de Justiça de São Paulo

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 1000311-58.2016.8.26.0019

Comarca: Americana

Apelante: Carlos Ronsenbergs

Apelado: Oficial do Registro de Imóveis da Comarca

VOTO DE VENCEDOR (Voto n. 51.543):

1. Adotando o resumo processual já proferido pelo eminente Relator, Des. MANOEL PEREIRA CALÇAS, também acompanho sua conclusão para dar provimento ao recurso.

2. O caso é de qualificação registral negativa a pleito de permuta de dois imóveis, com o argumento de que inviável o registro de apenas uma das aquisições.

3. Em que pese ao fato de o digno Registrador da Comarca ter adotado posição que se conforta por doutrina a que não se nega razoabilidade, calha que este Conselho, no julgamento recente da Apelação n. 1004930-06.2015.8.26.0362, de Mogi Guaçu, perfilhou oposta postura doutrinal não menos razoável.

Nesse apontado precedente assentou-se que

“O contrato de permuta apresenta quer equivalância de obrigações dos contratantes, quer recíproca dupla função dos bens permutados: na espécie, trata-se de imóveis que, sob certo aspecto, são objeto material de uma aquisição, mas, sob outro, simples instrumento de pagamento da aquisição concorrente.

Essa característica da permuta não implica, ipso facto, a perda da autonomia jurídica dos títulos, e, com isto, sua consequente cindibilidade formal e material.

É que a permuta é um contrato de natureza consensual, de sorte que o titulus se aperfeiçoa sem a tradição. Esta última, quando a permuta diga respeito a bens imóveis, exige o modo registral, constitutivo, para que se atualize a transcendência real do contrato, ajuste que, no entanto, já se tem por aperfeiçoado com o só acordo de vontades, inclusivo da intenção da traditio.

Por mais discutível seja que a evicção e o vício redibitório importem num desfazimento obrigatório da permuta – tese que negaria, sem mais, a possibilidade de o prejudicado, em tais situações, eleger entre a (i) indenização e (ii) a recuperação do imóvel que serviu por meio pagamento (vide , neste sentido, a doutrina de Pelayo de la Rosa Diaz, La permuta: Desde Roma al derecho español actual. Madri: Montecorvo, 1976, p. 360 et sqq.) -, certamente não se admitirá, contudo, que o ajuste de permuta fique entregue à potestatividade de um dos contratantes, ao ponto de que, refutando-lhe o registro (isto é, frustrando-lhe a intenção da traditio implicada no consenso negocial), possa acarretar-lhe unilateralmente a resolução.

A própria técnica registral adotada pela Lei n. 6.015/1973 indica, reitere-se, que a necessidade de dois ou mais distintos registros stricto sensu reclame qualificações registrais autônomas.

No plano do direito material (i.e., do direito das obrigações), a questão põe-se no plano da eficácia do negócio jurídico, em que está o adimplemento.

O figurante que haja sofrido a perda do domínio por força do registro stricto sensu adimpliu bem (ou seja, é válido e eficaz o registro stricto sensu mediante o qual esse adimplemento se perfez).

A inviabilidade de outro ou de outros registros stricto sensu (e, portanto, o inadimplemento da outra ou das outras prestações do negócio de troca) não conduzem, necessariamente, à invalidade ou à ineficácia do adimplemento que já se fez. Independentemente de outro registro stricto sensu que se houvesse de lavrar, o primeiro é válido e eficaz, até que se desfaça, desfazimento que dependerá do que, fora do registro de imóveis, ajustarem os figurantes ou decidir o juiz acerca do inadimplemento, segundo o direito material. A conclusão contrária permitiria, aliás, que o figurante de má fé impusesse ao outro todas as despesas de inscrição, ou mesmo que desfizesse unilateralmente o negócio de permuta, recusando-se a dar a registro a transmissão que o favorecesse.

É, de resto, uma recente lição passada por ADEMAR FIORANELLI:

Já tivemos a oportunidade de manifestar pensamento favorável à cindibilidade da escritura de permuta, na impossibilidade do registro de um dos imóveis, ainda mais quando por expressa autorização dos permutantes, em artigo publicado no Jornal Novos Tempos, Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo, 1995, nº 9, no sentido de que ‘no caso de permuta, malgrado o disposto no art. 187, da Lei nº 6.015/73, nada obsta o registro do título em relação a um dos imóveis permutados, que recebeu qualificação positiva. Não seria lógico que um dos outorgantes-permutantes, para usar de seu direito, venha a suportar as despesas com o registro de todos os imóveis, não podendo ser descartada a possibilidade de que o título, em relação aos demais imóveis, tenha problemas de ordem formal que impossibilitem seu registro, ou mesmo estarem situados em outros Municípios ou Comarcas.’

[…]

Pensamos que não se pode criar, ao nosso juízo, uma regra que só valha quando os imóveis objetos da permuta estejam subordinados à mesma Circunscrição Imobiliária, mas que não tenha o mesmo valor quando os imóveis estiverem situados em circunscrições ou Comarcas diversas. É possível, portanto, sustentar a cindibilidade do título, como acima fizemos, sempre respeitando fundamentos e opiniões contrários» (A cindibilidade dos títulos. Exemplos práticos. In: Direito Notarial e Registral. Homenagem às Varas de Registros Públicos da comarca de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016, pp. 409-413; compartem deste mesmo entendimento Gilberto Valente da Silva, Antonio Albergaria e Josué Modesto Passos).

(…) O art. 187 da Lei n. 6.015/1973 – a que acena o digno Registrador suscitante- não impõe, em caso de permuta (art. 533 do Cód.civ.), a disjuntiva de que ou se registrem os fatos inscritíveis todos, ou nenhuma inscrição se faça.

Essa regra, com efeito, trata tão-somente da técnica que se há de adotar para a inscrição no protocolo (Livro n. 1), quando em cartório se apresentar um título formal que contenha negócio jurídico de escambo de dois ou mais imóveis permutados que se situem na mesma circunscrição imobiliária.

Neste caso diz o art. 187 , conquanto se hajam de fazer, ex hypothesi, dois ou mais registros stricto sensu (n. 30 do inc. I do art. 167 da Lei de Registros Públicos), basta que se faça um só lançamento no Protocolo (i.e., uma só prenotação).

E mais que isso o art. 187 não diz, porque, simplificando-se, com a Lei de 1973, o que antes determinava o art. 203 do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939 (a saber: “na permuta haverá duas transcrições com referências recíprocas e números de ordem seguidos no protocolo e no livro de transcrição, sendo também distintas e com referências recíprocas as indicações no indicador real” os destaques não são do original), não se reproduziu no novo diploma, entretanto, o que constava no parágrafo único do art. 211 do antigo Regulamento, regra esta ela sim que permitia concluir pela obrigatoriedade de fazerem-se todos os registros (à época, transcrições) ou nenhum deles, por abrir exceção ao princípio da instância inclusive (verbis: “Em caso de permuta, serão, pelo menos, três os exemplares, sendo a transcrição feita obrigatoriamente em todos os imóveis permutados, ainda que só um dos interessados promova o registo” de novo, o realce não é do original).

Não se ignora que tradicional e prestigiosa corrente doutrinária e jurisprudencial vem dando ao mencionado art. 187 interpretação segundo a qual, tratando-se de imóveis localizados sob a atribuição de um mesmo ofício de registro, seria obrigatória a registração de todos os fatos inscritíveis (: os títulos de transmissão do domínio de todos os imóveis permutados).

Todavia, esse entendimento, de par com não seguir ad amussim o texto legal, tem ainda o inconveniente de, criando uma dificuldade onde ela não existe (pois, repita-se, a feitura de todos os registros não está imposta no art. 187, ainda quando os imóveis estejam todos na mesma circunscrição), deixar sem solução o caso de os bens se localizarem em circunscrições distintas (dentro da mesma comarca, ou de comarcas diversas, ou de Estados-membros diferentes, ou mesmo e ainda de vários países). Assim, não impondo a lei nenhum meio ou procedimento para controlar a lavratura dos registros que não forem, todos, da atribuição de um mesmo ofício de imóveis, não aparenta possa este Conselho ao qual não se atribuiu competência normativa, sequer diretiva- expedir uma solução técnico-normativa que o próprio legislador preferiu não desfiar.”

4. Averbe-se que, tratando-se de negócio pro soluto, a inviabilidade de registro de uma das aquisições atrai a persecução indenitária.

Saliente-se, além disto, que não se dera a possibilidade de cisão do título de permuta, não seria possível registrar o escambo de terreno por unidades edilícias futuras, o que implicaria forte entrave à praxis imobiliária.

Outrossim, nada impede que, havendo intenção solidada em adquirir os imóveis, os contratantes estabeleçam condições (suspensiva ou resolutiva) em permuta com caráter pro solvendo. Cumprida ou desatendida a condição, averba-se o implemento ou seu déficit, com os efeitos consequentes.

TERMOS EM QUEcum magna reverentia ao entendimento esposado pelo ilustre Registrador suscitante, é caso, a meu ver, de dar provimento ao recurso.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público 

(DJe de 16.03.2018 – SP)