CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura Particular de Venda e Compra de Imóvel – Questionamento das diversas exigências formuladas pelo Registrador – Pertinência do óbice relativo à especialidade subjetiva e à apresentação de certidões reais – Exigência mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 0000348-54.2015.8.26.0111, da Comarca de Cajuru, em que é apelante MAURO ASSIS GARCIA BUENO DA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAJURU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 9 de outubro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0000348-54.2015.8.26.0111

Apelante: Mauro Assis Garcia Bueno da Silva

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cajuru

VOTO Nº 29.826.

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura Particular de Venda e Compra de Imóvel – Questionamento das diversas exigências formuladas pelo Registrador – Pertinência do óbice relativo à especialidade subjetiva e à apresentação de certidões reais – Exigência mantida – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Mauro Assis Garcia Bueno da Silva contra a sentença de fls. 69/71, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de escritura particular de compra e venda do imóvel matriculado sob o nº 12.194 no Registro de Imóveis e Anexos de Cajuru.

Sustentou o apelante, em resumo: que os requisitos de uma escritura pública e de um instrumento particular são distintos; que o título apresentado identifica claramente os contratantes e as testemunhas, inclusive o representante legal da vendedora; que a referência ao título de aquisição do imóvel pelo alienante é desnecessária; que a apresentação de certidões de propriedade e de ônus reais é dispensável; que a consulta à central de indisponibilidades deveria ter sido feita pelo registrador; e que formalidades em excesso dificultam a instrumentalização de compra e venda de imóveis por instrumento particular, o que é permitido pelo artigo 108 do CC. Pede, assim, a reforma da sentença de primeiro grau (fls. 68/85).

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.101/103).

É o relatório.

Verifica-se que a nota devolutiva decorrente do título apresentado para registro é datada de janeiro de 2015 (fls. 43).

De acordo com referida nota, o título denominado de “escritura particular de compra e venda” não comportaria registro pelos seguintes motivos: i) ausência de documentos da vendedora, pessoa jurídica, que permitam verificar a regularidade de sua representação; ii) ausência de suficiente qualificação das partes, consoante requisitos da Lei n. 6.015/73 e NSCGJ, inclusive em relação à união estável; iii) falta da descrição da forma e registro de aquisição do imóvel pela vendedora; iv) não apresentação da certidão negativa de débitos trabalhistas; v) ausência de certidões exigidas pela Lei 7.433/85; e, vi) falta do código HASH relativa à consulta sobre eventual indisponibilidade existente.

Três das exigências do registrador devem prevalecer, mantida a impossibilidade de ingresso do título no fólio real. Por sua vez, as demais exigências devem ser afastadas.

Item 1 (Documentos): No primeiro item da nota devolutiva de fls. 29, exige-se a apresentação dos documentos que comprovam a regularidade da representação da alienante “LOTEAMENTO CRUZEIRO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA.”

A regularidade da representação da pessoa jurídica está relacionada com o princípio da especialidade subjetiva e da segurança jurídica do próprio negócio e de seu consequente registro.

Sem a apresentação de certidão atualizada do registro da pessoa jurídica e da demonstração de que o representante indicado possui poderes para o ato, mostra-se inviável o ingresso do título, motivo pelo qual deve ser atendida a exigência do item “i” da nota devolutiva.

Não basta, portanto, que o instrumento particular se refira à representação da pessoa jurídica. Considerando que o negócio não passou pelo crivo de um tabelião, imprescindível que, na serventia imobiliária, os interessados comprovem que aquele que representa a pessoa jurídica alienante tenha efetivamente poderes para fazê-lo.

Item 2 (união estável): Cediço que a união estável é fato que gera importantes consequências jurídicas. Entretanto, para que figure da matrícula do imóvel, deverá ter sido declarada judicialmente, ou estabelecida por escritura pública registrada no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais, consoante se depreende da leitura das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em especial, item 11.b.5, do Capítulo XX, Tomo II.

Tal norma tem importante razão de ser: evita que figurem como conviventes pessoas casadas, o que poderia gerar problemas de natureza patrimonial, incompatíveis com a segurança jurídica exigida nos registros públicos.

Com efeito, o item 115, do Capítulo VII, das NSCGJ, obsta o registro de escrituras públicas de união estável no livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais quando as partes forem “casadas, ainda que separadas de fato, exceto se separadas judicialmente ou extrajudicialmente, ou se a declaração de união estável decorrer de sentença judicial transitada em julgado …”.

Portanto, em prol da segurança jurídica, para os fins de registro imobiliário, não basta mera declaração de união estável firmada pelos interessados.

Item 5 (Certidões em Geral): Neste item, o registrador tem parcial razão. Admitida a necessidade da apresentação da certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias e de ônus reais, afasta-se a exigência relativa à certidão atualizada de matrícula do imóvel.

Tem razão o registrador ao exigir a apresentação de certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias e de ônus reais (parte final da letra “c” do item 59 das NSCGJ). Ademais, a exigência encontra fundamento na Lei 7.433/1985.

Referida certidão não pode ser dispensada nem mesmo por ocasião da lavratura do ato notarial relativo a imóvel, pois tem como finalidade conferir segurança jurídica à transação imobiliária.

Se nem mesmo o tabelião, dotado de fé pública, pode dispensar a apresentação de certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias e de ônus reais, com mais razão deve o registrador exigir a sua apresentação dos particulares.

Já em relação à apresentação da certidão atualizada do Registro de Imóveis competente, a exigência não tem cabimento. Não se deve exigir do particular prova de fato de conhecimento do próprio registrador, já que o imóvel objeto do instrumento particular está matriculado naquele mesmo registro de imóveis.

Reconhecida a pertinência de três das exigências, as demais não devem subsistir.

Item 3 (Descrição do Imóvel): Ao contrário do que consta da nota devolutiva, o objeto do título está perfeitamente individuado, com precisa referência ao número de matrícula e respectivo Cartório, conforme preceituam os artigos 222 e 223 da Lei 6.015/73.

E a referência à forma de aquisição da propriedade pelo vendedor não constitui requisito do instrumento particular e a ausência dessa informação não pode servir de óbice ao registro.

Item 4 (CNDT Trabalhista): Tratando-se de registro de instrumento particular, exige-se somente prova do recolhimento do imposto de transmissão.

A certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT) não é exigida nem mesmo por ocasião da lavratura de escritura pública.

Nos termos do item 42 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça o tabelião tem somente o dever de cientificar as partes envolvidas de que é possível obter a CNDT, instituída pela Lei 12.440/2011 que criou o artigo 642-A da CLT.

Como a apresentação da CNDT não é exigida na lavratura de uma escritura pública, com menos razão é possível impor tal formalidade ao registro de instrumento particular.

Item 6 (Indisponibilidade): A ausência do código HASH não constitui óbice ao registro, pois referida providência incumbe ao registrador. Cabe ao registrador, antes da prática de qualquer ato de alienação ou oneração, proceder à consulta à base de dados da Central de Indisponibilidade de Bens (item 404 do Capítulo XX da NSCGJ e artigo 14 do Provimento 39/2014 do CNJ).

Em suma, reconhecida a correção de três das exigências, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0000348-54.2015.8.26.0111 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 50.860 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para lançar dois reparos.

3. Ad primum, observa-se que a Lei n. 6.015/1973 (de 31-12) prevê para a escrituração inaugural da matrícula e das inscrições subsequentes a observância da especialidade subjetiva, com indicação do estado civil das pessoas físicas que correspondam (proprietário, credor, adquirente, devedor, transmitente; vide § 1º do art. 176: alíneas do n. 4 de seu inc. II e do n. 2 de seu inc. III).

Ora, fato ou, se se quiser, ato jurídico, a união estável não altera o estado civil dos conviventes, de tal sorte que não parece justificar-se inscreva-se sua existência factual no Livro n. 2 do Registro imobiliário.

A meu ver, com o devido respeito, o locus atrativo da inscrição de eventual contrato referente a união estável é o Registro de Títulos e Documentos, até porque o Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais está destinado a recolher atos “relativos ao estado civil” (p.ún. do art. 33 da Lei n. 6.015), e, como ficou dito, a união estável não modifica o estado civil.

4. Ad secundum.

Na nota devolutiva datada (nota bene!) de 14 de janeiro de 2015 (fls. 43) , o Ofício de registro de imóveis também pôs, por exigência ao deferimento do versado registro stricto sensu, a apresentação das certidões de feitos ajuizados (§ 2º do art. 1º da Lei n. 7.433, de 18-12-1985 Lei das Escrituras, em sua redação original), ou seja, a apresentação das certidões de ações reais e pessoais reipersecutórias (inc. IV e § 3º do art. 1º do Decreto n. 93.240, de 9-9-1986).

Na data da prenotação, essas certidões realmente não podiam ter sido dispensadas (cf. § 1º do art. 215 do Código Civil) salvo, decerto, no caso de conteúdo negativo, em que a praxe admitia que se lançasse na escritura pública a declaração de mera da inexistência de ações (§ 3º do art. 1º do Decreto n. 94.240/1986 e letra do item 59 do cap. XIV do tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria de São Paulo).

No curso do processo de registro, todavia, o requisito legal de apresentação de certidões de feitos ajuizados foi revogado, por força do art. 59 da Lei n. 13.0972015, de 19 de janeiro, que deu ao § 2º do art. 1º da Lei das Escrituras a seguinte redação:

“O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.”

Suprimiu-se, portanto, a referência às certidões de ações pessoais e reipersecutórias, do que se conclui, no âmbito da legalidade estrita, que perderam força normativa não só a primeira parte do inciso IV do art. 1º do Decreto n. 93.240/1986, como ainda as Normas de Serviço (letra do item 59 do cap. XIV do tomo II; verbis: “bem como a de ações reais e pessoais reipersecutórias”).

Neste sentido, a egrégia Corregedoria Geral da Justiça já publicou aviso (Diário da Justiça Eletrônico, São Paulo, 13-3-2015, caderno administrativo, p. 13-14) dando conta da “dispensa da exigência de apresentação de certidões dos distribuidores judiciais para a lavratura de escrituras relativas à alienação ou oneração de bens imóveis”.

Assim, considerando que a exigência de certidões de feitos ajuizados era meramente complementar (e não completiva) da causa jurídica da pretendida transmissão (podendo, pois, ser suprida depois da prenotação) e, mais, que hoje este requisito mais não se impõe, o registro stricto sensu não poderia indeferir-se por este versado motivo razão. A exigência, pois, ficaria afastada.

5. Averbo, por fim, que, com estas reverentes minhas divergências, a apelação não merecia provimento, assim bem o concluiu o voto de relação, porque os demais óbices em pauta (falta de prova da regularidade de representação e ausência de suficiente qualificação das partes) impediam efetivamente a inscrição, tal como foi ela rogada.

É, da veniammeu voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público 

(DJe de 22.02.2018 – SP)