CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura Pública de Venda e Compra – Desqualificação do título judicial, sob o argumento de que o imóvel está localizado em circunscrição imobiliária diversa (Itaquaquecetuba) – Comprovação de que o lote está inserido em Itaquaquecetuba – Princípio da territorialidade – Desqualificação correta – Título que deve ser apresentado no Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba – Bloqueio de matrícula pelo Registrador – Impossibilidade – Determinação de observância do art. 214, parágrafos 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos, com oitiva dos interessados, em virtude de se referir a imóvel pertencente a outro Município – Apelação não provida, com determinação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000008-24.2016.8.26.0543, da Comarca de Santa Isabel, em que são partes é apelante QUITERIA MORAES VILELA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SANTA ISABEL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, com determinação para que o MM. Juiz Corregedor Permanente apure a razão da indevida abertura de matrícula e proceda conforme o art. 214, §§ 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos, a fim de possibilitar o cancelamento da matrícula, viabilizando que o interessado abra matrícula perante o Cartório de Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba e registre a Escritura Pública de Venda e Compra, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (Presidente), ADEMIR BENEDITO, PAULO DIMAS MASCARETTI, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 31 de julho de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1000008-24.2016.8.26.0543

Apelante: Quiteria Moraes Vilela

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Santa Isabel

VOTO N.º 29.786

Registro de Imóveis – Escritura Pública de Venda e Compra – Desqualificação do título judicial, sob o argumento de que o imóvel está localizado em circunscrição imobiliária diversa (Itaquaquecetuba) – Comprovação de que o lote está inserido em Itaquaquecetuba – Princípio da territorialidade – Desqualificação correta – Título que deve ser apresentado no Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba – Bloqueio de matrícula pelo Registrador – Impossibilidade – Determinação de observância do art. 214, parágrafos 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos, com oitiva dos interessados, em virtude de se referir a imóvel pertencente a outro Município – Apelação não provida, com determinação.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Quitéria Moraes Vilela contra a sentença de fls. 67/69, que manteve a recusa ao registro da escritura pública de compra e venda, sob o argumento de que o bem alienado, matriculado sob o n.º 50.214 no Registro de Imóveis de Santa Isabel, pertence à comarca de Itaquaquecetuba, estando pendente ação demarcatória.

Sustenta o apelante que tentou o registro do título na Comarca de Itaquaquecetuba, sem sucesso, a teor de que não haveria prova de que o imóvel estaria situado dentro dos limites daquele Município. Ademais, consta da matrícula n.º 50.214 que o imóvel está situado no loteamento denominado Arujazinho I, II, III, perímetro urbano do Município de Arujá/SP. Em que pese o bloqueio realizado de ofício, não consta que o imóvel em questão esteja situado no Município de Itaquaquecetuba, segundo análise das transcrições n.º 6.057, 7.172 e 7.509. O bloqueio realizado ex officio pelo Oficial contraria o disposto no parágrafo 3º do art. 214 da LRP, que dispõe que se cuida de ato privativo do Juiz Corregedor Permanente. Ainda que não houvesse havido regularização fundiária, o Registrador deveria recepcionar o título, uma vez que o negócio jurídico que deu origem à escritura foi celebrado em 1982, satisfazendo-se os requisitos da declaração judicial de usucapião, consoante parágrafo 5º do art. 214 da LRP. Ainda, há ofensa ao disposto no art. 167, I, n.º 29, da LRP e o imóvel continua, oficialmente, situado no perímetro urbano de Arujá, sendo o imóvel inexistente no perímetro urbano de Itaquaquecetuba para fins registrais. Considerando que ainda não se encerrou a ação demarcatória, recomenda-se cautela quando da realização de bloqueios, cancelamentos ou qualquer inovação dos dados constantes das matrículas envolvidas na controvérsia, especialmente porque há possibilidade de que o lote em questão esteja efetivamente contido no Município de Arujá.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Pretende o apelante o registro de escritura de venda e compra lavrada no Tabelião de Notas do Município de Arujá, livro 231, páginas 123/125, de 21 de novembro de 2011, relativo ao lote n.º 2 da quadra 45 do loteamento Arujazinho III (fls. 16/17), implantado na década de cinquenta. No ano de 2014, referido loteamento foi regularizado, nos termos do artigo 22 da Lei n.º 6.766/79, artigos 288-A e 288-F da Lei n.º 6.015/73 e artigo 67 da Lei n.º 11.977/2009. Após a regularização, o imóvel em questão, que estava inserido em área maior, foi matriculado sob o n.º 50.214 no Registro de Imóveis de Santa Isabel (fls. 21).

O registrador de Santa Isabel desqualificou o título, argumentando que o imóvel pertence à comarca de Itaquaquecetuba (fls. 14), informação essa que consta na averbação n.º 2 da matrícula n.º 50.214 (fls. 21).

Agiu corretamente o registrador, pois, ao afirmar que o imóvel alienado localiza-se na comarca de Itaquaquecetuba, baseou-se em informações constantes em registros anteriores.

Na década de cinquenta, a Sociedade Imobiliária Arujá Limitada iniciou a implantação do parcelamento denominado “Arujazinho I, II e III”, em área localizada na divisa dos Municípios de Arujá e Itaquaquecetuba, conforme averbações à margem das transcrições n.º 6.057, 7.172 e 7.509, todas do Registro de Imóveis de Santa Isabel (fls. 36/40, 41/45 e 46/51), e das transcrições n.º 33.045 e 34.059, ambas do Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes (fls. 52/57).

Em virtude de o loteamento se localizar em mais de uma comarca, desde o início do projeto, na década de cinquenta, ficou definido a qual Município pertencia cada um dos lotes. No procedimento de regularização, foram acrescidos quadras e lotes inexistentes na época da implantação do parcelamento. Entretanto, o oficial levou em consideração, corretamente, a linha divisória original, constante da planta de 1955, para verificar a localização de cada imóvel.

Assim, para que se determine em qual Cartório de Registro de Imóveis deve o título ser levado a registro, basta que se confira a exata localização do lote n.º 2 da quadra 45 do loteamento Arujazinho III.

A planta física acostada aos autos, de maneira gráfica, retrata exatamente a situação indicada pelo registrador, ou seja, que o lote n.º 2 da quadra 45 está situado no Distrito hoje Município de Itaquaquecetuba.

Tendo ocorrido, em 2014, a regularização do loteamento, com a preservação dos lotes e quadras implantados na década de cinquenta e com o acréscimo de novos, mantendo-se a linha divisória original, impõe-se a observância dos limites de cada município, com o consequente registro relativo a cada imóvel na circunscrição imobiliária a que pertence.

A serventia de Itaquaquecetuba não afastou a localização do imóvel em sua circunscrição, tendo pontuado a necessidade de que a regularização do loteamento seja levada a registro junto a ela para que, em seguida, possa abrir matrículas dos imóveis situados em Itaquaquecetuba. Ademais, como dito, há nos autos elementos bastantes para se concluir a respeito da localização do bem imóvel no Município de Itaquaquecetuba, sendo certo que, em atenção ao princípio da territorialidade, foi correta a desqualificação do título pelo Oficial de Santa Isabel, circunscrição que abrange o Município de Arujá.

Eventual discussão entre os Municípios de Itaquaquecetuba e Arujá a respeito do traçado do limite que os separa é, por ora, irrelevante. Qualquer alteração dependerá de provimento judicial em ação demarcatória, cujo ajuizamento, aliás, sequer foi demonstrado.

Por outro lado, considerando que o lote n.º 2 da quadra 45 do loteamento Arujazinho III situa-se no Município de Itaquaquecetuba, não havia razão para, após a regularização ocorrida em 2014, o descerramento de matrícula a ele relativa no Registro de Imóveis de Santa Isabel, como ocorreu (matrícula n.º 50.214 fls. 21).

E uma vez aberta a matrícula de modo equivocado, o registrador deveria informar o Juiz Corregedor Permanente que o imóvel não se insere no Município de Arujá, solicitando seu bloqueio (artigo 214, § 3º, da Lei n.º 6.015/73). Não poderia, como fez, bloquear por conta própria a matrícula (fls. 21).

De todo modo, como o imóvel efetivamente pertence a outra circunscrição imobiliária e a matrícula sequer deveria ter sido descerrada, conveniente não somente o seu bloqueio que tem caráter acautelatório [1] mas o seu cancelamento, cuja feição definitiva afasta qualquer chance de duplicidade de registros.

Com efeito, como já delineado nas apelações n.º 0004875-90.2015 e n.º 0004857-90.2015, que cuidaram de casos bastante similares a esse, é necessário o cancelamento da matrícula, para regularização da situação perante o Cartório de Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba.

No presente caso, o imóvel se encontra sob titularidade de Sociedade Imobiliária Arujá Ltda., sendo certo que o bloqueio deve ser processado pela forma do art. 214, §§ 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos, com a oitiva dos envolvidos.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, com determinação para que o MM. Juiz Corregedor Permanente apure a razão da indevida abertura de matrícula e proceda conforme o art. 214, §§ 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos, a fim de possibilitar o cancelamento da matrícula, viabilizando que o interessado abra matrícula perante o Cartório de Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba e registre a Escritura Pública de Venda e Compra.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Processo CG n.º 29.831/1999

(DJe de 19.02.2018 – SP)