CSM|SP: Registro de imóveis – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Matrícula – Indícios de fraude em inscrição anterior – Exigências formuladas que visam a dar segurança aos novos dados a serem inscritos no fólio real – Dever do registrador de agir de modo a evitar fraudes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1005161-72.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante RAIMUNDO NONATO CORREA DA SILVA, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u. Declarará voto convergente o Des. Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 6 de novembro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1005161-72.2017.8.26.0100

Apelante: Raimundo Nonato Correa da Silva

Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO N.º 29.851

Registro de imóveis – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Matrícula – Indícios de fraude em inscrição anterior – Exigências formuladas que visam a dar segurança aos novos dados a serem inscritos no fólio real – Dever do registrador de agir de modo a evitar fraudes.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Raimundo Nonato Correa da Silva contra a sentença de fls. 69/72, que julgou prejudicada a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, em virtude de o interessado não ter impugnado todas as exigências constantes da nota devolutiva questionada.

Sustenta o apelante, em resumo, que a sentença de primeiro grau é nula e que a dúvida não está prejudicada. Pede, por fim, o registro do instrumento de compromisso de compra e venda que apresentou (fls. 79/83).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 153/156).

É o relatório.

O recorrente apresentou a registro instrumento particular de compromisso de venda e compra, datado de 9 de dezembro de 2014, por meio do qual adquiriu de Antônio Apparecido de Siqueira e Inês Maria de Jesus, já divorciados, o imóvel objeto da matrícula n.º 177.962 do 4º Registro de Imóveis da Capital.

No entanto, consoante R.7 da matrícula n.º 177.962 (fls. 29), Antonio Apparecido de Siqueira, promitente vendedor, era solteiro, não divorciado, como consta no instrumento apresentado.

Apresentada a certidão de casamento do promitente vendedor (Antonio Apparecido de Siqueira), verificou-se que, ao tempo da lavratura da escritura (1982), ele era casado, pelo regime da comunhão universal de bens, com Inês Maria de Jesus Siqueira (fls. 19/20).

Diante do erro constatado, o registrador solicitou que a escritura mencionada no R.7, lavrada em 1982, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas da cidade de Taquarivaí, comarca de Itapeva, fosse retificada e ratificada pelas mesmas partes contratantes para sanar a questão do estado civil.

Em cumprimento a essa solicitação, o recorrente prenotou, sob o n.º 527.546, escritura de retificação e ratificação, lavrada em 27 de maio de 1983, pelo Tabelionato de Notas do distrito e município de Mandirituba, comarca de São José dos Pinhais, Estado do Paraná, apresentada em forma de certidão, datada de 9 de dezembro de 2016 (fls. 22/23).

Essa escritura de retificação e ratificação foi devolvida pelos seguintes motivos:

a) necessidade de correção da grafia do nome da cedente referida no R.5 (Elfriede fls. 29; Eufriede fls. 22);

b) apresentação de certidão atualizada da escritura lavrada pelo Tabelião de Taquarivaí;

c) impossibilidade de conferência da autenticidade dos selos relativos aos reconhecimentos de firma de Antônio Apparecido de Siqueira, Inês Maria de Jesus e Raimundo Nonato Correa da Silva constantes no compromisso de venda e compra e respectivo aditamento, salientando-se que há divergência nas rubricas lançadas no instrumento particular de compromisso de compra e venda.

Nota-se que houve resignação parcial em relação à nota. Com efeito, o recorrido insurgiu-se apenas contra a apresentação da certidão atualizada da escritura lavrada em Taquarivaí (fls. 8/9, item “b” supra), “não discordando das demais exigências e pugnando para o cumprimento das mesmas no tempo oportuno” (fls. 9).

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, a dúvida está prejudicada.

Ainda assim, conforme inúmeros precedentes deste Conselho Superior, passa-se ao exame das exigências.

No caso em análise, como ressaltado pelo Oficial (fls. 1/4) e pela Promotora de Justiça oficiante em primeira instância (fls. 56/59), a matrícula n.º 177.962 do 4º Registro de Imóveis da Capital já foi objeto de diversos procedimentos perante a Corregedoria Permanente (autos n.ºs 0017949-14.2012.8.26.0100, 1071426-61.2014.8.26.0100, 1107480-26.2014.8.26.0100). Isso porque se apurou que a escritura pública que gerou o R.7 não consta nos livros do Tabelião de Notas de Taquarivaí, havendo fortes indícios de falsificação do título.

Em expediente administrativo próprio, que tramitou perante a 1ª Vara de Registros Públicos da Capital (autos n.º 0017949-14.2012.8.26.0100), esse registro somente não foi cancelado por se tratar de vício do título e não do registro em si.

Mesmo assim, não sendo localizada a escritura supostamente lavrada pelo notário de Taquarivaí em seu livro de notas, a qual deu origem ao R.7, imprescindível que novas inscrições sejam precedidas de todas as cautelas.

Note-se que, conforme informou o Oficial substituto, foram apresentados na serventia extrajudicial “outros títulos de origem público e particular, constando pessoas diversas na qualidade de adquirentes ou compromissários compradores” (fls. 3).

E tanto a exigência impugnada, como as não impugnadas, são providências que visam a dar segurança aos dados a serem inscritos no fólio real.

A apresentação de certidão atualizada da escritura lavrada pelo Tabelião de Taquarivaí tem por objetivo demonstrar a autenticidade da escritura que será retificada e ratificada pelo instrumento de fls. 22/23. Ainda que a matrícula não esteja bloqueada, é dever do registrador tomar todas as cautelas para que fraudes sejam evitadas.

Também preserva a segurança ínsita aos registros públicos a necessidade de conferência da autenticidade dos selos relativos aos reconhecimentos de firma das pessoas que assinaram o compromisso de venda e compra e respectivo aditamento.

Por fim, a correção da grafia do nome da cedente no título (Eufriede fls. 22), que diverge do nome que consta no registro (Elfriede fls. 29), decorre do princípio da continuidade.

Desse modo, corretas as exigências formuladas.

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 1005161-72.2017.8.26.0100 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 51.568 (com divergência)

1. Registro, à partida, adotar o resumo processual lançado autos pelo eminente Relator da espécie.

2. Peço reverente licença para não aderir à “análise de mérito” a que se dedicou o digno Relator após afirmarnão conhecer do recurso.

Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque posi tam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nesta esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu volumoso código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de (controversa) potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho – a cuja auctoritas tributo meu respeito- não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

3. De resto, conviria determinar-se, para logo, o bloqueio da matrícula em questão, pois, como se faz patente do voto de Relatoria, o R. 7 está fundado em título inexistente (i.e., a relativa escritura pública nunca foi lançada em livro de tabelião), desprovido de todo efeito. Assim, não se podendo cogitar sequer do mínimo de eficácia jurídica que existe nos títulos nulos (que ao menos entram no mundo jurídico, ao contrário do que se passa com os inexistentes), não há óbice a que se impeçam novas inscrições, sem assentimento prévio do corregedor permanente.

Deste modo, VOTO no sentido de que não se conheça do recurso, excluindo-se a r. “orientação para casos similares”, com a recomendação, porém, de que se proceda ao bloqueio da matrícula 177.962 do 4º Ofício de Registro de Imóveis da Capital paulista.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público 

(DJe de 13.12.2017 – SP)