STJ: Recurso Especial – Direito Civil – Família – Matrimônio contraído por pessoa com mais de 60 anos – Regime de Separação Obrigatória de Bens – Casamento precedido de longa união estável iniciada antes de tal idade – Recurso Especial não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.318.281 – PE (2012⁄0071382-0)

RELATORA: MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

RECORRENTE: G V M

ADVOGADO: MARIA DO CARMO CAITANO – PE012428

RECORRIDO: I S M

ADVOGADO: WASHINGTON LUIZ MAGALHÃES DE MELO – AL004445

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. MATRIMÔNIO CONTRAÍDO POR PESSOA COM MAIS DE 60 ANOS. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. CASAMENTO PRECEDIDO DE LONGA UNIÃO ESTÁVEL INICIADA ANTES DE TAL IDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. O artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, previa como sendo obrigatório o regime de separação total de bens entre os cônjuges quando o casamento envolver noivo maior de 60 anos ou noiva com mais de 50 anos.

2. Afasta-se a obrigatoriedade do regime de separação de bens quando o matrimônio é precedido de longo relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens, visto que não há que se falar na necessidade de proteção do idoso em relação a relacionamentos fugazes por interesse exclusivamente econômico.

3. Interpretação da legislação ordinária que melhor a compatibiliza com o sentido do art. 226, §3º, da CF, segundo o qual a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 1º de dezembro de 2016(Data do Julgamento)

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI 

Relatora

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2012⁄0071382-0

PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 1.318.281 ⁄ PE

Números Origem:  00023686020068171250  00100652620118170000  2043625  204362500  204362501

PAUTA: 06⁄10⁄2016

JULGADO: 06⁄10⁄2016

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relatora

Exma. Sra. Ministra  MARIA ISABEL GALLOTTI

Presidente da Sessão

Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ROGÉRIO DE PAIVA NAVARRO

Secretária

Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: G V M

ADVOGADO: MARIA DO CARMO CAITANO – PE012428

RECORRIDO: I S M

ADVOGADO: WASHINGTON LUIZ MAGALHÃES DE MELO – AL004445

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Família – Casamento

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

O presente feito foi retirado de pauta por indicação da Sra. Ministra Relatora.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.318.281- PE (2012⁄0071382-0)

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de recurso especial interposto por G V M, com fundamento na alínea “a” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, assim ementado (fl. 169 e-STJ):

CIVIL. CASAMENTO. MAIOR DE 60 ANOS. REGIME DE BENS. POSSIBILIDADE DE PACTO ANTENUPCIAL DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E INTERPRETAÇÃO ATUALIZADA DO INCISO II, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 258 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. UNIÃO ESTÁVEL POR 15 ANOS ANTES DO MATRIMÔNIO. APELAÇÃO DESPROVIDA. DECISÃO UNÂNIME.

1 – O Direito deve ser interpretado, no mínimo numa perspectiva tridimensional de fato, valor e norma.

2 – Nos termos dessa interpretação dinâmica, sistemática e atualizada do inciso II, do parágrafo único do artigo 258 do Código Civil de 1916, se dá validade ao pacto antenupcial de comunhão de bens firmado entre os cônjuges, sendo que o marido tinha 61 anos de idade.

3 – É de se levar em consideração que os cônjuges antes de contraírem matrimônio viveram em união estável por 15 anos, quando o varão ainda não possuía idade superior a 60 anos.

Rejeitados os embargos de declaração opostos (fls. 25⁄35 e-STJ).

Em suas razões do recurso, a parte recorrente alegou violação ao artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, e aos artigos 166, 1641, 1645 e 2039, do Código Civil atual, em virtude da obrigatoriedade do regime de separação total de bens nos casamentos celebrados envolvendo pessoa com mais de 60 anos, razão pela qual deve ser declarado nulo o pacto antenupcial estabelecendo o regime de comunhão universal.

Juízo positivo de admissibilidade proferido às fls. 67⁄68 e-STJ.

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo não conhecimento do recurso especial. (fls. 87⁄91 e-STJ).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.318.281 – PE (2012⁄0071382-0)

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Inicialmente, cumpre destacar que o acórdão recorrido foi publicado antes da entrada em vigor da Lei 13.105 de 2015.

Para a devida compreensão da controvérsia, destaco o seguinte trecho do acórdão recorrido (fl. 170 e-STJ):

“A apelada e o falecido Geraldo Marques Ramos viveram em união estável por 15 anos, desde o ano de 1984 até 29 de julho de 1999, quando contraíram matrimônio pelo regime de comunhão total de bens através de pacto antenupcial e dessa união resultou o nascimento de dois filhos. Vale ressaltar que não há contrariedade a alegação da união estável nos autos, não tendo a parte a quem caberia contestar a existência do alegado relacionamento (apelante) repudiado tal informação. Na época do matrimônio, o falecido Geraldo Ramos tinha 61 anos de idade e possuía também outros filhos, dentre eles a apelante Geane Vieira Marques.”

O artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, previa como sendo obrigatório o regime de separação total de bens quando o casamento envolvesse noivo maior de sessenta ou noiva maior de cinquenta anos.

A restrição foi também estabelecida no artigo 1641, II, do atual diploma civil, para nubentes de ambos os sexos maiores de sessenta anos, posteriormente alterada pela Lei n° 12.334⁄10 para alcançar apenas os maiores de setenta anos.

Como sabido, a intenção do legislador foi proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico.

Em que pese a existência de controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade do artigo ora em comento, mencionada no voto condutor do acórdão recorrido, tema de competência do Supremo Tribunal Federal, penso que o caso em análise demanda apenas a sua interpretação teleológica, de modo a compatibilizar o sentido da lei com os princípios dispostos no ordenamento jurídico, à luz do caso concreto.

Assim sendo, é incontroverso nos autos que antes do matrimônio, em 29⁄7⁄99, quando o falecido contava com 61 anos, os então nubentes já conviviam em união estável por 15 anos, desde 1984, não havendo que se falar, portanto, na necessidade de proteção do idoso em relação a relacionamentos havidos de última hora por interesse exclusivamente econômico.

Noutros termos, quando da celebração do pacto antenupcial estabelecendo o regime de comunhão universal de bens, o falecido e a recorrida já possuíam vida em comum há 15 anos.

Destaca-se, ainda, que acatar a fundamentação esposada nas razões do recurso especial, além de ir de encontro à teleologia do instituto, acarretaria  incoerência jurídica e, também, lógica, dado que, durante o período de convivência em união estável, o regime vigente era o de comunhão parcial, de modo que, ao optar pela contração do matrimônio, não faria sentido impor regime mais gravoso, qual seja, o da separação, sob pena de estimular a permanência na relação informal e penalizar aqueles que buscassem maior reconhecimento e proteção por parte do Estado, impossibilitando a oficialização do matrimônio.

Ressalto que a lei ordinária deve merecer interpretação compatível com a Constituição. No caso, decidir de modo diverso contrariaria o sentido da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 3°, a qual privilegia, incentiva e, principalmente, facilita a conversão da união estável em casamento, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Lembro que esse é o entendimento consolidado sob o enunciado n° 261, da III Jornada de Direito Civil:

261 – Art. 1.641: A obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes da 3ª Turma desta Corte, posteriores aos precedentes invocados no recurso especial:

CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. DOAÇÃO ANTERIOR AO MATRIMÔNIO. VIGÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. DOAÇÃO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. REQUISITOS FORMAIS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 258, PARÁGRAFO ÚNICO, II; 312 DO CC⁄16.

1. Inventário de bens em razão de falecimento, cuja abertura foi requerida em 31.03.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 01.06.2011.

2. Discussão relativa à validade de doações efetuadas pelo de cujus à sua consorte, antes e após o casamento, realizado sob o regime da separação obrigatória de bens.

3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211⁄STJ.

4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.

5. Não obstante, de acordo com a boa regra de hermenêutica, as normas que limitam o exercício de direitos devam ser interpretadas restritivamente, a mera utilização de outro instrumento, que não a escritura de pacto antenupcial para formalização do negócio, não é suficiente para conferir-lhe validade.

6. Se tivesse sido, desde logo, celebrado o casamento, quando iniciado o relacionamento entre as partes, o qual perdurou, no total, por mais de 30 anos, não haveria a obrigatoriedade da adoção do regime da separação obrigatória de bens, pois o de cujus ainda não completara 60 anos de idade.

7. Mesmo não sendo expresso, naquela época (1978), o princípio segundo o qual a Lei deverá reconhecer as uniões estáveis, fomentando sua conversão em casamento (art. 226, §3º, da CF), não havia – e não há – sentido em se admitir que o matrimônio do de cujus e da recorrida tenha implicado, para eles, restrição de direitos, ao invés de ampliar proteções.

8. Ausente qualquer outro vício que macule a doação anterior ao casamento; e advinda incontroversamente da parte disponível do doador, a doação realizada na constância da união estável das partes, iniciada quando não havia qualquer impedimento ao casamento ou restrição à adoção do regime patrimonial de bens, não se reveste de nulidade somente porque algum tempo depois, as partes celebraram matrimônio sob o regime da separação obrigatória de bens.

9. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.

(REsp 1254252⁄SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22⁄04⁄2014, DJe 29⁄04⁄2014)

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÕES FEITAS PELO CÔNJUGE VARÃO, FALECIDO, EM NOME DE SUA ESPOSA. MORTE DO VARÃO SEM DEIXAR PATRIMÔNIO. INVASÃO DA LEGÍTIMA. RECURSO PROVIDO. VOTO VENCIDO.

1. Hipótese em que o de cujus, casado pela terceira vez, destina parte significativa de seu patrimônio para adquirir, em nome de sua nova esposa e dos filhos desta, bens imóveis e um automóvel e que, em função disso, faleceu sem patrimônio algum. Os filhos propõem ação visando à declaração de ineficácia dessas aquisições, de modo que delas constem o falecido como adquirente. Argumenta-se que o de cujus colocou os bens em nome de terceiros para desviar o patrimônio das constantes investidas de sua segunda esposa.

(…)

7. O reconhecimento da existência de união estável anterior ao casamento é suficiente para afastar a norma, contida no CC⁄16, que ordenava a adoção do regime da separação obrigatória de bens nos casamentos em que o noivo contasse com mais de sessenta, ou a noiva com mais de cinquenta anos de idade, à época da celebração. As idades, nessa situação, são consideradas reportando-se ao início da união estável, não ao casamento.

8. O requisito do prequestionamento demanda que a matéria, como um todo, tenha sido enfrentada pelo Tribunal de origem. Eventual anulação do processo com base na ofensa ao art. 535 do CPC apenas para que o Tribunal se manifeste expressamente quanto a um tema que foi debatido em todo o processo implicaria ofensa ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVII, da CF⁄88).

9. Em tese, para que se reconheça a invasão das legítimas em decorrência de eventual doação promovida pelo de cujus, seria necessária a prova do patrimônio total do doador, em comparação com o bem doado. Entretanto, numa hipótese em que o pai dos recorrentes falece sem deixar patrimônio algum, naturalmente essa prova pode ser dispensada. Não há duvida da ocorrência de doações inoficiosas.

10. Se a viúva jamais acumulara capital para adquirir bens imóveis até o momento em que se uniu ao de cujus, não é razoável supor que ela tivesse passado a ter condições de acumular vultoso patrimônio, por esforço próprio, após a união. Do mesmo modo, se o de cujus sempre adquiriu bens, conforme sugere o fato de ele ter atravessado duas separações com partilhas disputadas, também não é razoável pensar que ele deixou de ter possibilidade de comprar qualquer coisa depois de se unir à ré. Deve-se, portanto, reconhecer que os bens controvertidos foram adquiridos pelo de cujus e concomitantemente doados à viúva. Há, portanto, doação inoficiosa de 50% do patrimônio total.

11. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 918.643⁄RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p⁄ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26⁄04⁄2011, DJe 13⁄05⁄2011)

Observo, por fim, que os precedentes invocados no recurso especial, notadamente o REsp. 646.259⁄RS, 4ª Turma, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, não se aplicam ao caso ora em análise, pois não contemplaram situação em que houve união estável precedente ao casamento, iniciada em data anterior ao aniversário de sessenta anos do nubente. Ao contrário. No REsp. 646.259⁄RS, a união estável iniciou-se quando o varão contava sessenta e quatro anos de idade. Nos demais acórdãos mencionados no recurso especial não há referência à circunstância, determinante para a solução do caso ora em julgamento, de haver ou não união estável iniciada antes da idade em que a lei civil estabelecia a restrição.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2012⁄0071382-0

PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 1.318.281 ⁄ PE

Números Origem:  00023686020068171250  00100652620118170000  2043625  204362500  204362501

PAUTA: 01⁄12⁄2016

JULGADO: 01⁄12⁄2016

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relatora

Exma. Sra. Ministra  MARIA ISABEL GALLOTTI

Presidente da Sessão

Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO

Secretária

Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: G V M

ADVOGADO: MARIA DO CARMO CAITANO – PE012428

RECORRIDO: I S M

ADVOGADO: WASHINGTON LUIZ MAGALHÃES DE MELO – AL004445

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Família – Casamento

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Documento: 1544470

Inteiro Teor do Acórdão

DJe: 07/12/2016