CSM|SP: Registro de Imóveis – Usucapião – Ausência de parte dos coproprietários registrais no pólo passivo da lide – Questão processual, que escapa à análise do registrador – Vício que não macula a carta de sentença – Registro devido – Títulos judiciais não escapam à qualificação registral – Todavia, a qualificação limita-se a questões formais – Não compete ao Sr. Registrador recusar registro com base em suposta nulidade do procedimento, por não constar parte dos proprietários registrais no pólo passivo da lide – O caráter originário da aquisição por usucapião obsta questionamentos acerca da continuidade registral – Recurso provido.

 

Registro: 2017.0000625077

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1006009-07.2016.8.26.0161, da Comarca de Diadema, em que são partes é apelante MÁRCIO PASCHOAL GIUDICIO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DE DIADEMA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, para determinar o registro do título, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, JOÃO CARLOS SALETTI, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1006009-07.2016.8.26.0161

Apelante: Márcio Paschoal Giudicio

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Diadema

VOTO Nº 29.769

Registro de Imóveis – Usucapião – Ausência de parte dos coproprietários registrais no pólo passivo da lide – Questão processual, que escapa à análise do registrador – Vício que não macula a carta de sentença – Registro devido – Títulos judiciais não escapam à qualificação registral – Todavia, a qualificação limita-se a questões formais – Não compete ao Sr. Registrador recusar registro com base em suposta nulidade do procedimento, por não constar parte dos proprietários registrais no pólo passivo da lide – O caráter originário da aquisição por usucapião obsta questionamentos acerca da continuidade registral – Recurso provido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença da MMª Juíza Corregedora Permanente da Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Diadema, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a recusa a registro de carta de sentença expedida em demanda com pedido de usucapião, de cujo pólo passivo não figurou parte dos proprietários registrais do imóvel.

O apelante afirma, em síntese, que usucapião é modo originário de aquisição da propriedade imóvel, de forma que não haveria que se falar em afronta ao princípio da continuidade, ainda que distintos os réus e os titulares registrários do bem. Sustenta haver tentado sanar a falha processual, pedido indeferido pela MMª Juíza por ter sido formulado ao tempo em que a r. sentença já estava transitada em julgado.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Consoante resta incontroverso nos autos, parte dos coproprietários do imóvel usucapido não figurou no pólo passivo da demanda com pedido de usucapião (fls. 1). Por conseguinte, da carta de sentença extraída daqueles autos, e cujo registro se almeja, não constaram os nomes de parte dos proprietários registrais do bem.

Eventual vício daí decorrente, porém, está adstrito à esfera processual, mácula intrínseca ao procedimento. E apenas aos órgãos jurisdicionais que atuam no feito é dado reconhecer suposta nulidade. À seara administrativa, como esta, correcional, escapam questões jurisdicionais. Segue sendo de rigor, indubitavelmente, a qualificação registral dos títulos judiciais, limitada, porém, a seus aspectos formais.

Trata-se de usucapião, reconhecida por sentença transitada em julgado. E, em demandas que tais, a coisa julgada opera-se erga omnes. Esta, aliás, a razão de se publicar edital de citação, ainda que pessoalmente citados os réus da usucapião. Somente ao Magistrado competente para processar e julgar a usucapião caberia dizer da legitimidade passiva da lide. Prolatada a sentença e finda a possibilidade de recurso, expediu-se carta de sentença, que fielmente espelhou o quanto definitivamente decidido nos autos.

Por se cuidar de forma originária de aquisição da propriedade, indagação alguma haverá de ser feita acerca da continuidade. Rompem-se todos os vínculos preteritamente havidos sobre o bem, de tal arte que prescindível a estrita observância da continuidade, diversamente do quanto afirmado pela Oficial.

Estes os magistérios do Eminente Desembargador Benedito Silvério Ribeiro:

“No referente ao cumprimento de mandado expedido em processo de usucapião, cabe ao oficial verificar se há menção ao trânsito em julgado da sentença transcribenda no seu aspecto formal, isto é, em relação às partes que foram chamadas e acudiram ao chamamento. Questões mais complexas, tais como aquelas derivadas de citações que deveriam ter sido feitas e não o foram, essas escapam ao âmbito da instância administrativa, sob pena de se erigir esta em obstáculo à força da coisa julgada, em seu aspecto material e formal.” (Tratado de Usucapião, São Paulo: Saraiva. 6ª ed., p. 1469)

Em seguida, versando especificamente acerca de eventual falta de citação de coproprietário do imóvel usucapido, pondera:

“A ausência de convocação edital verificada pelo oficial do registro não rechaça o trânsito em julgado e, portanto, não impede o cumprimento do mandado. Trata-se de ineficácia relativa da sentença, como assinala Pontes de Miranda, podendo ser rescindida por infração do art. 942 e §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil (art. 485, V).

Da mesma forma, não cabe afastar o registro, se não foi citado no processo de usucapião o titular da transcrição constante do cadastro tabular, o cônjuge ou os confinantes” (Op. cit., p. 1470)

Desta feita, descabida a recusa da Oficial, dou provimento ao recurso, para determinar o registro do título.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 1006009-07.2016.8.26.0161

Procedência: Diadema

Apelante: Márcio Paschoal Giudicio

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca

VOTO (n. 48.966):

1. Averbo, de início, que adoto o relatório lançado pelo insigne Relator deste recurso.

2. Fez bem o ofício de registro de imóveis quando, desincumbindo-se do dever de qualificação de título (e os judiciais, como o mandado de registro de usucapião, não se furtam a esse exame), viu ponto duvidoso nas citações feitas e alertou o interessado na inscrição.

Se andou bem neste zelo, contudo, não por isto se deve denegar o pretendido registro stricto sensu como, de resto, salientou o r. voto de Relatoria.

Tem-se admitido que a usucapião dá causa a uma aquisição originária isto o diz, com efeito, a controversa communis opinio, pois contra ela erguem-se, no direito romano, ressalvas que, nada mais, nada menos, vêm abonadas, por exemplo, pelo magistério de Alexandre CORREIA e Gaetano SCIASCIA (Manual de Direito Romano. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1957, I, p. 171, § 71) e de Álvaro D’ORS (Derecho Privado Romano. 9.ed. Pamplona: EUNSA, 1997, p. 217, § 158). Daí deriva, portanto, que eventual defeito nas citações, se pode acaso prejudicar a regularidade do processo, passa, entretanto, ao largo do fato jurídico da aquisição mesma, no qual a existência do direito anterior (e, assim, a relação que o usucapiente pudesse ter ou não com o titular prévio do domínio) não entra em linha de conta.

Adicione-se a isto a circunstância de que, per fas et per nefas, o título está coberto com a égide da coisa julgada, de sorte que não é caso de dar-se por procedente a dúvida.

TERMOS EM QUE, nego provimento à apelação, para manter a r. sentença de primeiro grau.

É como voto.

Des. RICARDO DIP                                                                                                                                                                          

Presidente da Seção de Direito Público 

(DJe de 09.10.2017 – SP)