STJ: Civil – Processual Civil – Recurso Especial – Testamento – Formalidades legais não observadas. Nulidade. 1. Atendido os pressupostos básicos da sucessão testamentária – i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade – a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador, pois as regulações atinentes ao testamento tem por escopo único, a preservação da vontade do testador. 2. Evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que testamento, lido pelo tabelião, correspondia, exatamente à manifestação de vontade do de cujus, n ão cabe então, reputar como nulo o testamento, por ter sido preterida solenidades fixadas em lei, porquanto o fim dessas – assegurar a higidez da manifestação do de cujus–, foi completamente satisfeita com os procedimentos adotados. 3. Recurso não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.677.931 – MG (2017/0054235-0)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MARIA APARECIDA LACERDA NEVES

ADVOGADO: ANA PAULA DA SILVA – MG124590

RECORRIDO: ADELSON OLAVO NEVES

ADVOGADOS: HELENA GERALDA DA SILVA – MG041888

PEDRO DOS SANTOS DIAS – MG073391

OLAVO ALVES DE MACEDO – MG046419

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO. FORMALIDADES LEGAIS NÃO OBSERVADAS. NULIDADE.

1. Atendido os pressupostos básicos da sucessão testamentária – i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade – a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador, pois as regulações atinentes ao testamento tem por escopo único, a preservação da vontade do testador.

2. Evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que testamento, lido pelo tabelião, correspondia, exatamente à manifestação de vontade do de cujus, não cabe então, reputar como nulo o testamento, por ter sido preterida solenidades fixadas em lei, porquanto o fim dessas – assegurar a higidez da manifestação do de cujus–, foi completamente satisfeita com os procedimentos adotados.

3. Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recursoespecial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 15 de agosto de 2017 (Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.677.931 – MG (2017⁄0054235-0)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MARIA APARECIDA LACERDA NEVES

ADVOGADO: ANA PAULA DA SILVA – MG124590

RECORRIDO: ADELSON OLAVO NEVES

ADVOGADOS: HELENA GERALDA DA SILVA – MG041888

PEDRO DOS SANTOS DIAS – MG073391

OLAVO ALVES DE MACEDO – MG046419

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por MARIA APARECIDA LACERDA NEVES , fundamentado nas alíneas a e “c” do permissivo constitucional.

Atribuído ao gabinete em: 27⁄03⁄2017.

Ação: Ação de nulidade de testamento, inventário e partilha, em face de ADELSON OLAVO NEVES, tendo em vista o descumprimento, pelo testador, das regras específicas para confecção de testamento por cego.

Sentença: julgou procedente o pedido para declarar nulo o testamento.

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO SUCESSÓRIO – TESTAMENTO PÚBLICO – TESTADOR CEGO – FORMALIDADES LEGAIS NÃO OBSERVADAS – NULIDADE – INOCORRÊNCIA – PRESENÇA DOS REQUITOS ESSENCIAIS DE VALIDADE – PLENA CAPACIDADE MENTAL DO TESTADOR – DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE. O art. 1.867do Código Civil, dispõe que ‘ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas designadas pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento’. No entanto, no caso, embora não se tenha observado todas as exigências legais, pelo contexto dos autos, o testador no ato da disposição de última vontade se encontrava com pela capacidade mental para dispor de seus bens em favor do apelante, questão esta afirmada pela própria apelada quando do seu depoimento pessoa, de modo que o fato do testamento produzido não ter obedecido ao requisito da leitura também por uma das testemunhas, bem como não ter constado a condição especial do testador, não invalidam o testamento público por ter este traduzido a vontade real do testador. Recurso provido. (e-STJ, fl. 327)

Recurso especial: alega violação dos arts. 166, 169, 288, 1.864 e 1.867 do Código Civil, além de divergência jurisprudencial.

Afirma a recorrente que o testamento deve ser considerado nulo, pois prescindiu de formalidades essenciais à sua feitura, como a falta de assinatura na primeira folha do testamento; a não observância, pelo tabelião, que o testador eracego e a ausência de dupla leitura do testamento (pelo tabelião e por uma das testemunhas).

Parecer do MPF: de lavra do Subprocurador-Geral da República Antônio Carlos Alpino Bigonha, pelo não provimento do recurso.

É o relatório

RECURSO ESPECIAL Nº 1.677.931 – MG (2017⁄0054235-0)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MARIA APARECIDA LACERDA NEVES

ADVOGADO: ANA PAULA DA SILVA – MG124590

RECORRIDO: ADELSON OLAVO NEVES

ADVOGADOS: HELENA GERALDA DA SILVA – MG041888

PEDRO DOS SANTOS DIAS – MG073391

OLAVO ALVES DE MACEDO – MG046419

VOTO

O propósito recursal volta-se para a análise da validade de testamento público, cujo testado era cego e que não teria cumprido todas as formalidades exigidas para a sua validade.

O Tribunal de origem, assim expôs suas razões para dar provimento à apelação do recorrido, e validar o testamento:

Todavia, embora não se tenha observado todas as exigências do art. 1.8667 do Código Civil, o que vejo pelo contexto dos autos é que o testador no ato de testar se encontrava com plena capacidade mental para dispor de seus bens em favor do apelante, questão esta afirmada pela própria apelada quando do seu depoimento pessoal, oportunidade em que afirmou ‘(…) que a incapacidade do falecido era apenas de visão; (…) Que com a declarante o falecido conversava ‘direitinho’; Que o falecido não tinha problema de cabeça (…)’ (fls. 121).

De outro lado, o que fica patente no caso dos autos é que o de cujus firmou o testamento cuja nulidade se pretende, em 09⁄06⁄2010 vindo a se casar com a autora em 29⁄06⁄2010, cujo regime de bens seria o da separação obrigatória em função de sua avançada idade.

Na verdade, o que transparece do autos é que o de cujus , que seria formado no curso superior de contador, jamais deixou consignado, ou explicitado quando do casamento, a possibilidade de modificação das condições testamentárias contidas na disposição de ultima vontade, pelo contrário, o que resulta claro é que teria, em momento diverso, buscado pessoa capaz de receber seus bens em função de entreveros com os irmãos, daí porque deixava claro o fato de que estaria escolhendo uma pessoa para deixar os bens com ao falecimento, a fim de evitar que seus irmãos participassem da sucessão.

A questão, portanto, é saber se o vício formal declinado na inicial, de fato geraria uma disfunção tal que importasse no comprometimento da última vontade do testador, o que, ao meu desavisado espírito, supõe uma resposta negativa.

Em primeiro lugar, a proximidade entre o testamento e o matrimonio, de fato senão supõe que o de cujus tivesse a real intenção de deixar os seus bens a pessoa diversa daquela constante do instrumento público levado à transcrição no Cartório competente.

Em segundo, não há uma só testemunha que desqualifique o ato de ultima vontade do testador, o que sustente o fato de que com o casamento, tivesse o de cujus qualquer intenção de deixar seus bens à autora, questão aliás, que seria de fácil modificação porque bastaria ao testador que modificasse as condições testamentárias existentes e cujo conteúdo não poderia mesmo desconhecer, em fade da proximidade entre o testamento e o casamento.

(omissis)

É que o único vício formal declinado não seria capaz de tornar inválido o ato de última vontade do testador, quando não se evidencie ter havido condições outras que deixassem em dúvida o ato de disposição patrimonial por sucessão, mormente quando fique patente o fato de que à época do testamento, tinha o testador completa compreensão e plena capacidade mental para produzir o ato de última vontade.

Daí porque não havendo dúvida de que as testemunhas são categóricas ao afirmar que o tabelião leu o teor do testamento em voz alta e que o testador fez uma única pergunta acerca da vontade regularmente manifestada para, emseguida apor sua assinatura no documento, o fato é que mesmo com sua visão comprometida, teria aquiescido em beneficiar pessoa diversa da autora, com quem se casou alguns dias depois do testamento.(e-STJ, fls. 329⁄331).

Impõe-se, em fecho a esse introito, evidenciar que o testamento, datado de 24⁄02⁄2012, foi redigido, lido e assinado, apenas 10 (dez) dias após a confecção de outro testamento (público), que nomeava como herdeiro universal, terceiro diverso daquela beneficiada no testamento sob exame.

I – Da falta de assinatura na primeira folha do testamento.

01. Essa questão não foi objeto de apreciação pelo Tribunal de origem, não existindo, também, posterior embargos de declaração que provocasse a manifestação, fato que inviabiliza a apreciação dessa fração da insurgência, por força do óbice da Súmula 282⁄STF.

II – Da validade do testamento

02. A hipótese sob exame se circunscreve, como outras tantas de igual matiz, a sopesar a validade da declaração de vontade do testador, ante a ausência de requisito formal especificado por lei.

03. Na hipótese, o testamento público, apesar de produzido em cartório, lido em voz alta pelo tabelião na presença do testador e de duas testemunhas, suprimiu a exigência legal de uma segunda leitura e da expressa menção no corpo do documento, da condição de cego do testador.

04. Não é desconhecida a jurisprudência do STJ que, recorrentemente, diante dos contornos fáticos definidos pelos Tribunais de origem, que dizem que o testamento confeccionado, não obstante a ausência de algum elemento tido como indispensável, reproduz a manifestação de vontade do testador.

05. Esses julgados, não obstante a reiterada insurgência calcada no art. 166, V, do Código Civil(For preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade), traduzem a ideia da primazia da manifestação da vontade, quando essa não colide com preceitos de ordem pública.

06. Decorre essa ideia do entendimento de que, atendido os pressupostos básicos da sucessão testamentária – i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade – a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador.

07. E diz-se assim, pois as regulações atinentes ao testamento tem por escopo único, a preservação da vontade do testador, ou nas palavras de Orlando Gome Gomes, Orlando. Sucessões. 16ª ed. rev. e atual. por Mario Roberto Carvalho de Faria Rio de Janeiro: Forense, 2015. p: 104. – , “para garantir a vontade do testador, exige a lei que a expresse emdeterminadas formas, sob pena de nulidade do ato”.

08. Nessa senda, a essencialidade de um ato ou solenidade pode, e deve ser superada, se há inequívoca univocidade no conjunto procedimental, isso porque, o fim teleológico único da solenidade tida como essencial é garantir a vontade do testador.

09. E se essa vontade fica evidenciada por uma sucessão de atos e solenidades que coesamente a professam, inclusive, e principalmente, quando já falecido o autor do testamento, não há razão para, em preciosismo desprovido de propósito, exigir o cumprimento de norma que já teve seu fim atendido.

10. Nesse sentido, vai também o entendimento de Flávio Tartuc Tartuce, Flávio. Direito Civil, v.6: Direito das Sucessões. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. pp. 369/370. , quando trata da sucessão testamentária:

Todas essas decisões [decisões do STJ que mitigam os requisitos formais dos testamentos] são louváveis, contando com o pleno apoio deste autor, pois reafirme-se que a tendência contemporânea é que o material prevaleça sobre o formal; que o concreto prepondere sobre as ficções jurídicas, conforme argumentado em vários outros trechos deste livro. Repise-se, mais uma vez, que tal constatação tem relação direta com o princípio da operabilidade, adotado pela codificação privada de 2002, que busca um Direito Privado real e efetivo, na linha da concretude pregada por Miguel Reale.

11. Daí o entendimento predominante no STJ, de preservação da declaração de vontade, não obstante a ausência de algum requisito formal, do que são exemplos o REsp 600.746⁄PR, Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJe 15⁄06⁄2010 e o REsp 1.422⁄RS, Min. Gueiros Leite, DJ 04⁄03⁄1991, p. 1983, esse último, proferido ainda nos primórdios dessa Turma, e que foi assim ementado:

TESTAMENTO PARTICULAR. REQUISITO DO ART. 1645, II, DO CÓDIGO CIVIL. NÃO HAVENDO DUVIDA QUANTO A AUTENTICIDADE DO DOCUMENTO DE ULTIMA VONTADE E CONHECIDA, INDUVIDOSAMENTE, NO PROPRIO, A VONTADE DO TESTADOR, DEVE PREVALECER O TESTAMENTO PARTICULAR, QUE AS TESTEMUNHAS OUVIRAM LER E ASSINARAM UMA A UMA, NA PRESENÇA DO TESTADOR, MESMO SEM QUE TIVESSEM ELAS REUNIDAS, TODAS, SIMULTANEAMENTE, PARA AQUELE FIM.

NÃO SE DEVE ALIMENTAR A SUPERSTIÇÃO DO FORMALISMO OBSOLETO, QUE PREJUDICA MAIS DO QUE AJUDA. EMBORA AS FORMAS TESTAMENTARIAS OPEREM COMO JUS COGENS , ENTRETANTO A LEI DA FORMA ESTA SUJEITA A INTERPRETAÇÃO E CONSTRUÇÃO APROPRIADAS ÀS CIRCUNSTÂNCIAS .

RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. (sem grifos no original)

12. Nessa linha, subsumindo a hipótese sob exame, ao quanto exposto, vê-se que foram preteridas duas formalidades específicas ao testamento feito por pessoa cega: a dupla leitura do teor do testamento (pelo tabelião e por uma das testemunhas), e também a confirmação, no próprio instrumento, da condição de cegueira do testador.

13. É certo que ambas exigências têm por objetivo assegurar que o testador tinha certeza, no momento de apor sua assinatura ao testamento, que ele espelhava o quanto pretendia declarar em relação aos seus bens.

14. Mas quanto à garantia de que o testamento representa a efetiva declaração de vontade do testador, e que esse tinha plena ciência do que fazia e do seu alcance, do quanto anteriormente transcrito do acórdão recorrido, fica evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que testamento, lido pelo tabelião, correspondia, exatamente à manifestação de vontade do de cujus.

15. Não cabe então, reputar como nulo o testamento, por ter sido preterida solenidades fixadas em lei, porquanto o fim dessas – assegurar a higidez da manifestação do de cujus–, foi completamente satisfeita com os procedimentosadotados.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2017⁄0054235-0

PROCESSO ELETRÔNICO   

REsp 1.677.931 ⁄ MG

Números Origem: 0012055392011 00120553920118130687 10687110012055001 10687110012055003

PAUTA: 15⁄08⁄2017

JULGADO: 15⁄08⁄2017

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MARIA APARECIDA LACERDA NEVES

ADVOGADO: ANA PAULA DA SILVA – MG124590

RECORRIDO: ADELSON OLAVO NEVES

ADVOGADOS: HELENA GERALDA DA SILVA – MG041888

PEDRO DOS SANTOS DIAS – MG073391

OLAVO ALVES DE MACEDO – MG046419

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Nulidade e Anulação de Testamento

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.