1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Registro – Promessa de dação em pagamento – Inexistência de descrição das unidades autônomas – Apenas com o registro do memorial de incorporação, com a escolha das unidades pelos credores e com a lavratura da escritura definitiva de dação em pagamento, é que será viável a entrada da transação em questão no Registro de Imóveis – Dúvida procedente.

Processo 1064339-49.2017.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis

R. M. H. de M. M.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da capital, a requerimento de R. M. H. de M. M., tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura pública de confissão, novação de dívida e promessa de dação em pagamento, referente ao imóvel matriculado sob nº 192.991.

Os óbices registrários referem-se:

a) inexistência de previsão legal para o registro de promessa de dação em pagamento;

b) inexistência de descrição das unidades autônomas, objetos da promessa de dação em pagamento;

c) não houve o registro do memorial de incorporação do condomínio edilício a ser erguido na matricula do imóvel.

Juntou documentos às fls.05/34. Não houve apresentação de impugnação neste Juízo (certidão – fl.36), contudo, a suscitada manifestou-se perante a Serventia Extrajudicial, rechaçando os óbices registrários sob o argumento de a promessa de dação tem expressa previsão legal nos artigos 167, 169 e 22 da Lei de registros Públicos, bem como o objeto principal é a obrigação de fazer.

Em relação à ausência da descrição das unidades e o memorial de incorporação não estar registrado na matrícula, aduz que o pagamento de 280 m² de área privativa no empreendimento, disposta em unidades autônomas de 40 m² (7 unidades) teria se tornado registrável a partir da unificação dos terrenos e da abertura da matrícula nº 192.991, onde será executado o empreendimento.

O Ministério Púbico opinou pela procedência da dúvida (fls.40/43).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Com razão a registradora, bem como a Douta Promotora de Justiça. De acordo com o rol taxativo previsto no artigo 167, I, que trata dos atos passíveis de registro, não há qualquer menção acerca da dação em pagamento.

Isto porque na verdade a dação em pagamento refere-se a um negócio jurídico obrigacional envolvendo credor e devedor, o que impediria seu acesso ao fólio real. Assevera Maria Helena Diniz que o instituto “datio in solutum” surgiu com o Direito Romano, no qual era permitido converter a prestação em dinheiro em obrigação de dar coisa certa para impedir que o devedor perdesse seus bens por um preço vil.

Com o tempo e com a evolução do Direito, tal instituto evoluiu e se transformou na atual dação em pagamento. Atualmente não se aceita mais a dação em pagamento coativa, assim como a permitida pelos romanos (“beneficium dationis in solutum”) (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p.310).

Decerto, alguns doutrinadores divergem quanto à natureza da dação em pagamento. Alguns acreditam que ela se assemelha com a novação objetiva, por implicar uma mudança do objeto devido, que não se poderá dar sem que a dívida seja novada. Outros a veem como um contrato, como o de compra e venda, mas, como já supracitado, enquanto esta extingue uma obrigação, o contrato gera uma nova.

Neste contexto, verifica-se que foi entabulado entre as partes um contrato de promessa de dação em pagamento, tendo em vista a inexistência de descrição das unidades autônomas, bem como ausência do registro do memorial de incorporação.

Ora, a ausência de delimitação das unidades do empreendimento imobiliário impede auferir quais unidades autônomas serão dadas em pagamento da dívida, sendo certo que somente após a identificação das unidades poderá ser elaborado um contrato definitivo entre as partes.

Neste contexto a ausência de identificação dos imóveis a ser transferidos, viola o princípio da especialidade objetiva. De acordo com mencionado princípio, elencado nos artigos 176 e 212 da Lei de Registros Públicos, não há a possibilidade do registro de títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior, sendo necessário que a sua caracterização no negócio entabulado repita os elementos de descrição constantes do registro (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 68).

Daí tem-se que os bens devem estar perfeitamente descritos, de modo a possibilitar sua individualização, bem como coincidir com os dados constantes na matrícula, o que na presente hipótese não se observou.

Conforme bem observado pela Douta Promotora: “apenas com o registro do memorial de incorporação, com a escolha das unidades pelos credores e com a lavratura da escritura definitiva de dação em pagamento, é que será viável a entrada da transação em questão no Registro de Imóveis, posto que, aí sim, terá ela caráter real”.

Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da capital, a requerimento de R. M. H. de M. M. e consequentemente mantenho os óbices registrários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 09 de agosto de 2017.

Marcelo Benacchio Juiz de Direito

(DJe de 11.08.2017 – SP)