CGJ|SP: Registro Civil das Pessoas Naturais – Casamento – Pedido, dos nubentes, de exclusão total do sobrenome de solteira da mulher – Impossibilidade, a teor do Item 70 do Capítulo XVII das NSCGJ – Decisões do Superior Tribunal de Justiça que ressalvam a necessidade de preservação da ancestralidade – Recurso desprovido, com observação.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0000010-55.2016.8.26.0981

(258/2016-E)

Registro Civil das Pessoas Naturais – Casamento – Pedido, dos nubentes, de exclusão total do sobrenome de solteira da mulher – Impossibilidade, a teor do Item 70 do Capítulo XVII das NSCGJ – Decisões do Superior Tribunal de Justiça que ressalvam a necessidade de preservação da ancestralidade – Recurso desprovido, com observação.

Vistos.

Trata-se de recurso administrativo interposto em face de sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Garça, no sentido de negar a supressão total do sobrenome de solteira de nubente, depois de casada.

A recusa baseou-se no art. 1.565, §1°, do Código Civil e no item 70 do Capítulo XVII das NSCGJ.

A recorrente alega que não há lei que impeça a supressão do patronímico e que negá-la representaria ofensa a direito personalíssimo, o direito ao nome. Colaciona alguma jurisprudência, notadamente do Superior Tribunal da Justiça e argumenta, ainda, não haver prejuízo, a terceiros ou à ordem pública, no deferimento de seu pedido.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recuso.

É o relatório.

Passo a opinar.

O recurso não merece provimento.

Em primeiro lugar, ressalte-se que não se trata de dúvida, na forma do art. 198 da Lei de Registros Públicos, eis que não se está diante de ato passível de registro em sentido estrito. Cuida-se, na verdade, de pedido de providência, cuja solução desafia mero recurso administrativo. Nada impede, contudo, que a apelação seja conhecida nessa conta.

Em segundo lugar, não se pode deixar de observar a conduta absolutamente equivocada do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Garça. Se a pretensão de exclusão total do sobrenome da nubente era inadmissível, não poderia o Oficial, ao mesmo tempo, suscitar a “dúvida” e lavrar o assento de casamento, com o nome escolhido pela mulher. Ou uma coisa ou outra. A justificativa apresentada – “como não havia tempo hábil para a solução da dúvida, e mais uma vez ante a insistência deles, e para evitar conflito em plena cerimônia de casamento, foi permitido que o nome ficasse como pretendido por eles” – é completamente inoportuna. Quando da habilitação para o casamento a nubente já havia manifestado a intenção de excluir, totalmente, seu sobrenome de solteira (fl. 07). Ora, havia tempo mais do que suficiente para o Oficial, ao menos, dirigir-se ao Juiz Corregedor Permanente e verificar essa possibilidade. Ao que parece, o Oficial não se atentou para a seriedade da situação e para os prejuízos causados pela lavratura de um assento de forma equivocada, com posterior necessidade de retificação.

No mérito, de fato, a exclusão total do sobrenome de solteira é vedada.

O item 70 das NSCGJ é expresso nesse sentido:

70. Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro, vedada a supressão total do sobrenome de solteiro.

Nem é preciso recorrer ao art. 1.565, §1°, do Código Civil, que, é verdade, não parece comportar interpretação restritiva. De fato, a jurisprudência caminha no sentido de assentar que não apenas o acréscimo ao sobrenome de um dos nubentes é possível, mas, também, eventual supressão.

No entanto – e essa é a diretriz que permeou o item 70 acima –, o que a jurisprudência não admite é a supressão que leve à perda do traço da ancestralidade da pessoa.

O próprio voto trazido pela recorrente é claro nesse sentido. No Recurso Especial n.° 662.799 – MG, o Ministro Castro Filho ressalta, já na ementa:

Desde que não haja prejuízo à ancestralidadenem à sociedade, é possível a supressão de um patronímico, pelo casamento, pois o nome civil é direito de personalidade.”

Veja-se: desde que não haja prejuízo à ancestralidade, é possível a supressão de um – não de todos – patronímico. É evidente que se houver a supressão total, perde-se a ancestralidade.

A mesma linha seguiu o precedente mais recente do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n.° 1.433.187 – SC. O Ministro Ricardo Villas Boas Cuevas fez observações semelhantes, notadamente quanto à ancestralidade, valendo ressaltar que, também nesse caso, se pretendia excluir somente o patronímico materno.

Enfim, seja pelo comando claro do item 70 das NSCGJ, seja pelo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, o pleito da recorrente não poderia ter sido albergado.

Surge a questão sobre o que fazer agora. O assento já está lavrado. Não se pode, não obstante o respeito que merece o parecer da D. Procuradoria, mantê-lo da forma como foi feito, pois isso implicaria aceder a uma irregularidade. A única solução é a retificação do assento, para inclusão do patronímico de solteira, antes do patronímico do marido.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de se negar provimento ao recurso, determinando a retificação do assento de casamento, para inclusão do patronímico de solteira (Gonçalves), antes do patronímico do marido (Gomes de Sá), de forma a que o nome de casada passe a ser: Erika Aparecida Gonçalves Gomes de Sá.

Opino, também, que se determine ao Juiz Corregedor Permanente a abertura de apuração disciplinar, para analisar a equivocada conduta do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Garça.

Sub censura.

São Paulo, 29 de novembro de 2016.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso, determinando a retificação do assento de casamento, para inclusão do patronímico de solteira (Gonçalves), antes do patronímico do marido (Gomes de Sá), de forma a que o nome de casada passe a ser: Erika Aparecida Gonçalves Gomes de Sá. Determino ao Juiz Corregedor Permanente a abertura de apuração disciplinar, para analisar a equivocada conduta do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Garça.

Publique-se. São Paulo,1º de dezembro de 2016.

(a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça.

D.J.E. de 23.01.2017