TJ|RS: Apelação Cível – União Estável – Impugnação à configuração do relacionamento – Namoro.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

LFBS

Nº 70072223357 (Nº CNJ: 0432529-41.2016.8.21.7000)

2016/Cível

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. IMPUGNAÇÃO à configuração do relacionamento. Namoro.

A união estável, por definição legal, é caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família. A parte demandada admite o relacionamento afetivo e prolongado entre a autora e o falecido, mas que se limitou a um namoro, sendo que nos tempos atuais há nos namoros estreita vinculação e intimidade sexual, outrora usualmente presente no casamento. Assim, considerado o status constitucional da união estável como relação formadora de uma entidade familiar com significativos desdobramentos de natureza patrimonial, é imperativo que a prova dos autos seja recheada de elementos que apontem, sem dúvida, para o entrelaçamento de vidas em todos os atos do cotidiano. No caso, são escassos os elementos probatórios demonstrando a alegada convivência com objetivo de constituição de família, nem mesmo restando provado com segurança que autora e de cujus moravam juntos – viver diuturnamente sob o mesmo teto é circunstância que assume relevância como elemento capaz de distinguir o namoro da união estável – enquanto o par se mantém cada um em sua residência está evidenciada a opção pela vivência diária individual e privada. Não havendo na relação alegada todos os requisitos da união estável, impositivo o julgamento de improcedência do pleito.

DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO DEMANDADO, PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA, POR MAIORIA. 

Apelação Cível

Oitava Câmara Cível

Nº 70072223357 (Nº CNJ: 0432529-41.2016.8.21.7000)

Comarca de Porto Alegre

L.B…APELANTE/APELADO

E.C.H.L…APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, em, por maioria, dar provimento à apelação do demandado, prejudicada a apelação da autora.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente), Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Des.ª Sandra Brisolara Medeiros e Des. Ricardo Moreira Lins Pastl.

Porto Alegre, 27 de abril de 2017.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)

Em ação para reconhecimento de união estável ajuizada por L.B. contra o ESPÓLIO de C.H.L. foi proferida a sentença das fls. 430-32, julgando parcialmente procedentes os pedidos.

Ambas as partes do processo recorrem.

Apelação da autora (fls. 449-64)

Sustenta que: (1) há que ser redefinido o termo inicial da união estável, sendo incontroverso o período de seis anos, conforme  prova oral produzida; (2) seis anos antes do falecimento, ocorrido em 29-08-2014, levam a agosto de 2008; (3) se iniciaram relacionamento no começo de 2006, em dezembro de 2008, quando adquirida a casa, já mantinham união estável, sendo necessária a partilha do bem por metade; (4) viveram entre o apartamento alugado em seu nome e a casa dos pais do falecido durante todo o período da união estável, independentemente de quando mudaram para a casa que adquiriram; (5) não pode subsistir o entendimento posto na sentença de que ficou sacramentada a intenção de constituir vida em comum com a venda de apartamento que pertencia ao varão e ocorreu em janeiro de 2011; (6) há que ser reformada a sentença para reconhecer a existência de união estável, se não desde 2006, como postulado, pelo menos nos seis anos anteriores ao óbito, o que fixaria o marco inicial de 29-08-2008 e é suficiente para lhe garantir a meação na integralidade do imóvel comprado em 11-12-2008; (7) deve ser revogada a gratuidade da justiça concedida pela sentença ao Espólio, para este fim não servindo a declaração de pobreza da inventariante; (8) no caso, o Espólio é capaz de arcar com os ônus sucumbenciais; (9) na petição inicial pediu que lhe fosse assegurado o direito de, uma vez reconhecida a união estável, concorrer com a sogra, na proporção de 50%, na herança do falecido, mas a sentença silenciou a respeito, cabendo ao órgão colegiado apreciar e decidir a questão; (10) em caso de manutenção da sentença, os honorários devem ser redimensionados, para bem representar a sucumbência. Requer o provimento da apelação.

Apelação do demandado (fls. 468-90)

Assevera que: (1) para o reconhecimento de união estável é imperiosa a comprovação de relacionamento assemelhado ao casamento; (2) a apelada era apenas namorada do de cujus por cerca de 06 ou 07 anos, sendo que nunca residiram juntos; (3) há prova nos autos de que a autora residia na Av. São Pedro, nº 1.333, apartamento nº 303, pelo menos até agosto de 2014, mês de falecimento do varão, não subsistindo a alegação de que foram residir juntos em dezembro de 2013; (4) não há prova de que viveram sob o mesmo teto, mesmo inexistindo impedimento a isto; (5) mantinham uma relação de namoro, por isso se qualificam como solteiros e tinham residências distintas; (6) além disto, a autora não teria direito nem mesmo a 50% do valor da obra edificada em terreno do varão, sobre o qual já havia edificação de 164,04m2; (7) ainda que o valor da venda do apartamento que o falecido possuía na rua Gilberto Jung tenha sido investido na reforma da casa, é valor que não se comunica, de modo que não tem ela direito a 50% do valor da construção, considerando, ainda, que no terreno já existia uma casa com 164,04m2; (8) de outro lado, a apelada não faz prova de que a quantia que ela teria recebido de herança foi usada na reforma do bem; (9) com a decisão, o julgador deu direito à apelada sobre 50% do valor da venda do apartamento investido na reforma; (10) no que se refere à reforma, ela somente teria direito a receber o valor que tivesse comprovado ter utilizado (herança, fl. 22) com direito ao veículo e verbas rescisórias em 50%. Requer o provimento da apelação para julgar improcedente o pedido de reconhecimento de união estável.

Houve oferta de contrarrazões (fls. 509-35 e 539-43).

O Ministério Público opinou pelo não provimento dos recursos (fls. 546-48).

Vindo os autos conclusos, foi lançado relatório no Sistema Themis2G, restando assim atendido o disposto no art. 931 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)

Havendo apelações de ambos os litigantes, inicio pela parte demandada e sua inconformidade com o reconhecimento da união estável, que é prejudicial ao outro recurso, pois assevera que o relacionamento entre a autora e o falecido foi apenas um namoro, não se estabelecendo entre eles união estável.

Na petição inicial a autora afirma ter mantido “relacionamento estável desde o ano de 2006 até o falecimento de C.”, ocorrido em 29-08-2014. Disse que adquiriram em conjunto imóvel (situado na rua Conselheiro D´Avila, nº 230, Jardim Floresta) que foi reformado ao longo de 2010 até 2013, em cuja casa passaram a viver, sendo que a obra findou pouco antes do óbito dele. Assevera que com valores que ela herdou, fez, em 2011, um primeiro aporte de dinheiro, obtido com venda de gado, e, em 2012, uma segunda contribuição.

Em contestação, o Espólio demandado assevera que houve entre autora e falecido uma relação de namoro, por cerca de 06 ou 07 anos, não havendo a intenção de constituir família, e que nunca houve coabitação, pois ele morava diuturnamente com a genitora na rua Monte Flor, nº 321, bairro Jardim Floresta. Ao passo que a autora sempre residiu em apartamento alugado na Av. São Pedro, nº 1333. Foi dito, ainda, que a aquisição do imóvel da rua Conselheiro D´Avila, nº 230, Jardim Floresta, se deu com valores da venda de apartamento que era de C., situado na rua Norberto Jung, nº 66, ap. 603, no bairro Sarandi (fls.155-81).

Como notório, a união estável, por definição legal, é caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família.

No caso, é admitido pela parte demandada o relacionamento afetivo e prolongado entre a autora e o falecido, mas que se limitou ao namoro.

E, considerando que nos tempos atuais há, nas relações de namoro, estreita vinculação e intimidade sexual, que outrora usualmente se fariam presentes apenas com o casamento, e considerando, ainda, o status constitucional da união estável como relação formadora de uma entidade familiar com significativos desdobramentos de natureza patrimonial, é imperativo que a prova dos autos seja recheada de elementos que apontem, estreme de dúvida, para a união estável, na perspectiva de estreito entrelaçamento de vidas em todos os atos do cotidiano.

Na sentença o Juiz de Direito afirma que para a configuração de união estável é necessário que fique comprovada a existência de vida em comum, da posse de um estado como se casados fossem. De fato, assim deve ser.

Todavia, como se revela tal vida em comum ou aparência de casados se não havia vida sob o mesmo teto? Como externar a intenção mútua de uma vida a dois, constituindo família, se não há, por exemplo, relação de dependência em planos de saúde ou compartilhamento de contas bancárias ou de cadastro comercial?

No caso, a documentação dos autos é frágil para respaldar a alegação da autora.

Ela afirma nas razões de apelação que durante os anos da alegada convivência viveram entre o apartamento alugado por ela e a casa dos pais do falecido (fl. 458).

A genitora do falecido, por sua vez, afirma que o filho sempre morou com ela (fl. 436).

Por exemplo, a cópia de correspondência acostada na fl. 20 e que vincula o nome da autora à rua Monte Flor, endereço residencial do alegado companheiro e de sua genitora, em postagem de 16-07-2010 nada prova. Trata-se de mera cópia xerox, impugnada em contestação, com informação do endereço escrita de punho, sem nada ali timbrado ou certificado. Veja-se, a propósito, que declaração posta em ocorrência policial de 05-05-2010 identifica a ela e ao falecido como solteiros, ele residente em tal endereço e ela na Av. São Pedro – vide fl. 34.

A propósito, em boletim de atendimento do Hospital Mãe de Deus,  datado de 10-01-2014, L., a paciente, está qualificada como solteira e residente na rua São Pedro, nº 1333, apto 303 (fl. 108). Diga-se, a respeito, que, não obstante conste ali o nome do falecido como responsável, a única pessoa que assina o documento é a própria paciente.

Além disto, a circunstância de a autora e o falecido conviverem socialmente no âmbito da família dela e com amigos, como ilustram as cópias de fotografias, bem como viajarem juntos, por si só não corrobora o relacionamento aos moldes de uma entidade familiar.

Outrossim, há que atentar ao fato de que o falecido foi funcionário do grupo HSBC desde 1989 até seu óbito (fl. 132), nada vindo aos autos no sentido de ser a autora sua dependente ou beneficiária de plano de assistência médica ou seguro – tampouco havia entre eles compartilhamento de cartão de crédito ou conta bancária, pois as faturas de cartões de crédito das fls. 193, esta de 2007, 198 e 200, não indicam se tratar de contrato em favor também da autora, que nem mesmo faz assertivas nesse sentido.

Ao contrário, havia compartilhamento da titularidade de conta bancária entre o falecido e sua mãe, I., como demonstra o extrato de conta de poupança da fl. 316.

E mais, veio aos autos declaração de imposto de renda do de cujus, exercício 2014, na qual não há informação da autora como sua dependente (fls. 221-29).

Além disto, há várias correspondências em nome de C. expedidas para o endereço da rua Monte Flor, nº 321, entre as quais chama a atenção o endereço do contrato de financiamento para aquisição do veículo MERIVA em janeiro de 2014, tendo o óbito ocorrido em agosto de 2014 (fls. 235-43). É este o endereço perante o DETRAN/RS (fl. 282) e o endereço referido quanto à venda do apartamento da rua Norberto Jung, como se constata na matrícula nº 9523 (fl. 301).

Ou seja, o de cujus tinha residência com sua genitora na rua Monte Flor, nº 321, e nada há no processo que o vincule ao endereço de residência da autora na rua São Pedro, nº 1333.

Destaca-se, ainda, o recibo de pagamento de aluguel que tem L. como locatária, com vencimento em 10-06-2013, relativo ao apartamento de sua residência, na rua São Pedro, nº 1.333/303 (fl. 254), entre outros, como contas da GVT (fls. 255-59).

Em seu depoimento pessoal, a autora afirmou que em janeiro de 2014, depois de ela ter feito uma cirurgia, saiu do hospital e foi com o falecido para a casa de I., a mãe dele. Disse que já estava morando ali quando fez a cirurgia, por ter entregado seu apartamento em 2014. No ponto, reitero que, nos termos de boletim de atendimento do Hospital Mãe de Deus de 10-01-2014, ela foi cadastrada como residente na rua São Pedro, nº 1333, apto 303 (fl. 108).

Acrescentou que chegou a residir com o alegado companheiro por cerca de um ano, na casa adquirida e reformada, localizada na rua Conselheiro D’Avila, nº 240 (fl. 434).

De outro lado, I., mãe do falecido, se contrapôs ao alegado, dizendo que a autora nunca morou na residência da rua Monte Flor, nº 321, sendo ali a moradia da depoente e do de cujus, que todo o tempo morou comigo – fl. 436. Indagada por que havia consigo documentos de contas da autora, como aluguel, disse que como o falecido era bancário por vezes a autora passava para ele cheques e pedia que pagasse, para ela não precisar ir a banco (fl. 436).

Quanto à prova oral, na sentença o em. Juiz de Direito referiu que (fl. 431):

(…)

Neste aspecto, valorando a prova oral produzia nesta audiência, identificou-se uma total ausência de uniformidade, caso se utilize como parâmetro testemunhas arroladas pela parte autora e testemunhas arroladas pela parte ré. As testemunhas da autora relataram uma união estável. Não se olvide que a testemunha N. foi confusa. (…). O certo é que ela, genericamente, identificava a autora e o falecido como um casal. As testemunhas do réu, por sua vez, os viam como meros namorados.

(…)

De fato, esta prova igualmente se mostrou precária, pois a autora arrolou três testemunhas (fl. 426), e apenas duas foram ouvidas, não tendo comparecido D., residente no apartamento nº 304 da Av. São Pedro, nº 1333 – seria, assim, vizinha da autora naquele edifício.

N., vizinha da casa da rua Conselheiro D’Avila, foi contraditória em sua declaração, como destacado na sentença, uma vez que afirmou e repetiu que autora e varão ali residiram por período de tempo muito superior ao declarado pela própria autora – falando em sete anos, cinco anos (fl. 437), quando L. disse ter sido por volta de um ano.

C., amiga da autora, disse tê-la conhecido em 2013, ambas trabalhando na mesma empresa de móveis. Questionada acerca de qual era a relação entre os dois, respondeu: “Relação de companheiros, de marido e mulher. Ele levava ela no trabalho, buscava, passavam o final de semana juntos (…). No que se refere ao local de moradia deles, disse que a autor ‘morava um pouco lá no apartamento, na São Pedro, um pouco ela passava na casa dos pais dele com ele  (fl. 438).

E esta foi a prova oral produzida pela autora.

Por outro lado, foram ouvidos G. (fls. 438v.-39), colega de banco do falecido desde 1995, que afirmou que a autora era sua namorada, tendo dito que o de cujus morava com seu pai e sua mãe. M., também colega de trabalho, reiterou que C. sempre morou na rua Monte Flor com sua mãe e o falecido pai (fl. 439v.). No mesmo sentido foram as declarações de J., que conhecia o de cujus por cerca de 40 anos e morava no mesmo bairro (fl. 440v.).

O magistrado sentenciante disse, ainda, que a própria relação entre as partes é pautada pela ausência de elementos absolutamente certos e precisos (fl. 431).

De fato, assim se deu neste processo.

No mais, d.v., a referência feita pelo sentenciante aos documentos das fls. 38, 43, 44 (email como medidas e compras de aberturas) para ilustrar que a autora participou ativamente na reforma do imóvel da rua Conselheiro D’Avila, tanto são elementos que não provam, por si só, a união estável como pode ser iniciativa plenamente justificada pelo fato de ela cursar arquitetura e trabalhar em empresa de venda de móveis (Decoralle/ Bentec).

Do mesmo modo a alegação de o varão ter pagado a mensalidade de seu curso universitário (fl. 63) não prova a união estável. Além disto, em relação à fatura de conta de telefone celular da fl. 80, em nome do falecido, vencimento em junho de 2014, na qual foi anotado se tratar de telefone de L., é assertiva impugnada na contestação – fl. 121. A propósito, o número da linha não corresponde ao telefone dela informado no boletim hospitalar da fl. 108.

Em conclusão, no contexto do presente processo, em que a existência de união estável é negada pelo demandado, e, como referido, havendo nos autos escassos elementos demonstrando a alegada convivência com objetivo de constituição de família (já que namoros também podem se apresentar como relacionamento público, continuado e duradouro) é que viver diuturnamente sob o mesmo teto é circunstância que assume relevância como elemento capaz de distinguir o namoro da união estável – enquanto o par se mantém cada um em sua residência está evidenciada a opção pela vivência diária individual e privada.

No caso, infirmado pelo demandando que tenha havido regular convivência com coabitação, havendo inúmera documentação colocando o falecido como residente no mesmo local onde morava sua genitora, é frágil a prova feita pela autora em sentido contrário.

Destaco, novamente, que apenas duas testemunhas suas foram ouvidas. O depoimento de N. (vizinha da casa da rua Conselheiro D’Avila), marcado pela contradição com as afirmações da autora, e de C., que conheceu a autora e o falecido apenas em 2013 (a morte dele se deu em agosto de 2014), sendo que a afirmação de que a autora e o varão, no período antecedente ao óbito, estavam morando juntos na casa adquirida e reformada na rua Conselheiro D’Avila, é insuficiente para provar a união estável em todo o período alegado – e ainda que tivesse havido convivência sob o mesmo teto nessa casa, tal teria se dado por alguns meses antes do falecimento, circunstância insuficiente para caracterizar a estabilidade, continuidade e durabilidade da convivência, como uniãoestável, e não como namoro.

Pelos fundamentos expostos não há falar em união estável, pois a autora não teve êxito em fazer prova firme e segura da convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, seja por todo o período alegado ou antecedente ao falecimento de C..

Nestes termos, DOU PROVIMENTO à apelação do demandado para julgar improcedentes os pedidos de declaração de união estável, prejudicados os demais pontos da apelação do demandado e o recurso da autora.

Custas e honorários advocatícios no valor fixado na sentença pela autora, ante o decaimento exclusivo, suspensa a exigibilidade pelo deferimento da gratuidade da justiça.

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves

Estou acompanhando o eminente Relator.

Des.ª Sandra Brisolara Medeiros

Acompanho o eminente Relator.

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl

Acompanho o relator.

Des. Rui Portanova (PRESIDENTE)

Peço vênia para divergir.

Em meio à análise do contexto probatório, o digno Relator identificou que o casal de L. e o falecido C. H. não residiram juntos. E tal circunstância foi valorada muito fortemente pela relatoria para não reconhecer a união estável.

É certo que a residência comum é uma “ferramenta” muito útil na elucidação do ânimo familiar do casal.

Mas é possível existir união estável sem coabitação.

No aspecto, disse – em bem – a sentença (fl. 431):

Desde logo, ressalto que, vida em comum não significa, necessariamente, residência comum. O que se exige é uma posse do estado de casado, em outras palavras, aparência de casados.

Entendimento esse que reflete o entendimento jurisprudencial da Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. TERMO INICIAL DA UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE COABITAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. PARTILHA DE BENS. 1) A coabitação não constitui o único requisito à caracterização de uma entidade familiar. Presentes os elementos caracterizadores previstos no art. 1.723 do Código Civil, é de ser reconhecida a união estável. Precedentes desta Câmara e do STJ. Apesar de não se poder dizer que em todo e qualquer caso a compra de alianças enceta uma união estável, no caso dos autos essa compra precedeu sólido contexto de união estável. Após a compra das alianças houve a construção da casa que serviu de moradia ao casal; finda essa construção, imediatamente as partes passaram a coabitar; logo após casaram e tiveram uma filha em 01/11/2007. Logo, é licito dizer que a união estável das partes teve início já no ano de 2000, como afirma a autora. Sentença reformada para declarar o ano 2000 como termo inicial da união estável. 2) Descabe partilha de bem imóvel registrado em nome de pessoa que não é parte no processo de partilha, envolvendo apenas o ex-casal. Eventual direito sobre tal imóvel e suas acessões deve ser buscada em demanda envolvendo o proprietário registral. 3) Apesar disso, é possível reconhecer a meação das partes sobre tais direitos eventuais a serem deduzidos em ação própria… envolvendo o proprietário. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70071949010, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 09/03/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE COABITAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. A coabitação não constitui o único requisito à caracterização de uma entidade familiar, de maneira que, presentes os elementos caracterizadores previstos no art. 1.723 do Código Civil, quais sejam, convivência pública, contínua e duradoura da autora com o falecido, com assistência mútua e com objetivo de constituir família, é de ser reconhecida a união estável. Precedentes desta Câmara e do STJ. Apelação desprovida, de plano.” (ApC N.º 70040421182, 7ª Câmara Cível, TJRS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 30/06/2011)

E no presente caso, em que pese o casal não ter coabitado, há elementos muito marcantes que demonstram ter a relação amorosa deste casal se revestido dos elementos caracterizadores da união estável.

Não falo da prova testemunhal, pois tal prova, como normalmente acontece nesses casos, é ambígua. De um lado, as testemunhas da autora dizem ter ocorrido uniãoestável e de outro lado, a testemunhas da sucessão viam o casal como meros “namorados”.

Para além das testemunhas, chama a atenção aqui o fato de a autora ter comprado materiais de construção, em seu nome, para a reforma da casa localizada na Rua Conselheiro D’Ávila, 230 (fls. 42/44).

Ao depois, não depõe contra o ânimo familiar o fato das partes terem se qualificado como “solteiros” em boletins de ocorrência policial, pois o estado civil oficial, por ocasião da lavratura de BO diante da autoridade policial, somente poderia ser “solteiro”, pois não eram casados oficialmente.

Mais do que a identificação de um estado civil, ainda em construção (como é companheiro/a), convence o compromisso dos conviventes compatível com união estávelo fato de o falecido ter constado como “responsável” pela internação hospitalar para cirurgia da autora (fl. 108).

Entendimento este – de que o casal convivia em união estável, ainda que não coabitassem.

No mesmo sentido o Ministério Público, neste grau de jurisdição (fl. 546):

Em sendo este o cenário, é de ser mantida na íntegra a sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão aduzida na inicial para reconhecer aunião estável entre a autora e o falecido de janeiro de 2011 a 29/08/2014 (data do óbito); determinando a partilha dos bens de forma igualitária (50% da casa da Rua Conselheiro D’avila, o automóvel Meriva e o resultado da rescisória trabalhista).

Por outro lado, não prospera a tese do recurso da autora de que tivessem iniciado a união tão logo se conhecido, em 2006. Nesse passo, disse bem a sentença que a relação leva algum tempo até que o casal se conheça e a relação ganhe o compromisso e o ânimo de união estável.

Em suma, renovada vênia, estou mantendo a sentença, recolhendo também como fundamento, as razões vindas do primeiro grau:

Na realidade, a dificuldade no casa esta na data inicial da união estável, o que, inclusive foi exposto às partes no início da solenidade. Não tenho como razoável utilizar o ano de 2006, como pretende a autora, por que nesta se conheceram. É absolutamente normal, salutar e razoável que após o conhecimento, exista um período de relação entre as partes para que, posteriormente, venha a existir a figura da família. Assim, da ausência de uma prova robusta e específica, havendo necessidade de se identificar um marco inicial, adoto como referência a venda do apartamento da Rua Norberto Jung, folhas 394/302. Explico. Como mencionando anteriormente, há farta documentação, mas que não indica uma data precisa. As próprias testemunhas, em particular as trazidas pela parte ré, referem que esse bem foi vendido para que o falecido comprasse a casa da Rua Conselheiro D’avila, n.º 230. Contudo, conforme documentos das fls. 308/315, esse bem foi comprado em 2008. Mas. Ainda que nesta data houvesse uma, por hipótese, união estável, na indica qualquer contribuição da autora na aquisição. Tudo foi feito em nome do falecido, nunca aparecendo a atora com qualquer contribuição. A inicial faz referência a uma herança. O documento da folha 22, contudo, é posterior a 2008. Com isso, o que se deduz, a partir do conjunto da prova, é que a herança e a própria venda do apartamento da Norberto Jung foram utilizados para a reforma do imóvel, que a prova demonstrou existiu. Aliás, as partes fazem referência a financiamento, mas nada, de concreto, não obstante toda a documentação costada, foi trazido. Em suma, a partir da prova de que participou da reforma e de que tinha uma efetiva relação com o falecido, pode ser qualificada como companheira, mas a partir da data da venda do imóvel que havia sido comprado pelo falecido em 2008. Quanto ao mais, em especial questões de ordem patrimonial, visto eu reconhecida a união estável, tem a autora a 50% do carro, adquirido em 2014 (fls. 2612), e do resultado da ação trabalhista, pois é bem decorrente de direitos que estão ligados ao período em que havia união estável.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento de ambos os recursos.

DES. RUI PORTANOVA – Presidente – Apelação Cível nº 70072223357, Comarca de Porto Alegre: “PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, VOTARAM OS DESEMBARGADORES SERGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES E SANDRA BRISOLARA MEDEIROS, ACOMPANHANDO O RELATOR. ASSIM, POR MAIORIA, COM QUATRO VOTOS A UM, DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO DEMANDADO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL, RESTANDO PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA, VENCIDO O DES. RUI PORTANOVA.”

Julgador(a) de 1º Grau: LEANDRO FIGUEIRA MARTINS