TJ|RS: Agravo de Instrumento – Ação de alimentos – União estável – Alimentos provisórios à ex- companheira – Contrato de convivência, com cláusula de renúncia a eventuais futuros alimentos – Invalidade.

RMLP

Nº 70070449038 (Nº CNJ: 0255097-35.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS PROVISÓRIOS À EX- COMPANHEIRA. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA, COM CLÁUSULA DE RENÚNCIA A EVENTUAIS FUTUROS ALIMENTOS. INVALIDADE.

1. Os alimentos entre cônjuges e companheiros têm base jurídica no dever de mútua assistência, colaboração recíproca essa que, cessada a convivência, transmuda-se em alimentos.

2. No caso, os litigantes firmaram contrato de união estável em novembro de 2009, expressa e antecipadamente renunciando a qualquer ajuda material, a título de alimentos.

3. No entanto, não é admitido nos contratos de convivência o afastamento de deveres tradicionalmente essenciais à vida conjugal, no que se insere o dever atinente à solidariedade conjugal da mútua assistência, que não possui natureza disponível.

4. Assim, não poderiam as partes contratar que o dever de mútua assistência não informaria a relação que mantinham, devendo ser desconsiderado o ajuste, ilegítimo, de renúncia a futuros alimentos.

5. Reforma da decisão, para fixar alimentos provisórios à ex-convivente.

DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA.

AGRAVO DE INSTRUMENTO

OITAVA CÂMARA CÍVEL Nº 70070449038 (Nº CNJ: 0255097-35.2016.8.21.7000)

COMARCA DE LAJEADO

M.C.J… AGRAVANTE

C.S… AGRAVADO

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencido o Relator, em dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos dos votos a seguir transcritos.

Custas na forma da lei.

Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE).

Porto Alegre, 27 de outubro de 2016.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Relator.

DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL, Redator.

R E L A T Ó R I O

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)

MARIA C. J. interpõe agravo de instrumento contra decisão proferida nos autos da ação de alimentos ajuizada contra CÁCIO S., que indeferiu o pedido de fixação de alimentos provisórios (fl. 21).

Assevera que: (a) ajuizou ação de alimentos alegando que manteve união estável com o agravado por cerca de 19 anos em zona rural, no interior do município de Forquetinha/RS; (b) demonstrou a existência da união, por meio de pacto; (c) fundamentou o pedido no fato de que durante o período em que viveu em união estável dedicou-se à vida doméstica, não tendo profissão; (d) assim, tendo o companheiro a afastado da residência em que viviam, de propriedade dele, não tem condições de se manter sozinha; (e) a magistrada indeferiu o pedido,  em  razão  de   cláusula  manifestamente nula de renúncia prévia a alimentos; (e) conforme declaração firmada pela psicóloga Angélica M. R., servidora pública do município em que residiram, a agravante era dependente do agravado e não possui profissão definida; (f) o agravado é proprietário rural abastado e tem condições de contribuir para o seu sustento; (g) conta 39 anos e sempre viveu na roça; (h) assinou o contrato de união estável, no qual renunciou aos alimentos, confiando no seu ex-companheiro. Requer a reforma da decisão, com a fixação de alimentos provisórios de 30% do salário mínimo.

Indeferi o pedido de antecipação de tutela recursal (fl. 26). Sem contrarrazões.

O parecer é pelo provimento (fls. 31-33).

É o relatório.

V O T O S

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)

Os litigantes firmaram contrato de união estável em novembro de 2009 no qual expressamente renunciavam “de forma irretratável e irrevogável, a qualquer ajuda material, a título de alimentos” (fls. 17-18).

Embora não reconhecida a firma da agravante em cartório ela admite que assinou referido pacto, mas que o fez “na confiança”, pois, segundo alega, sempre foi dependente do agravado.

Portanto, trata-se de documento firmado por pessoas maiores e no pleno exercício de sua autonomia de vontade, e, em princípio, isenta de vício ou comprometimento. Hígido e eficaz, portanto, até, ao menos, que tenha sua validade desconstituída em ação própria.

Assim, como os alimentos entre companheiros são disponíveis, passíveis de transação e até renúncia, não há como fixar alimentos em favor da agravante.

Nesses termos, nego provimento ao agravo de instrumento.

DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL (REDATOR)

Peço licença ao em. relator para divergir.

Isso porque a escritura pública de convivência foi firmada pelas partes em 2009, com previsão, que tenho por ilegítima, de renúncia a alimentos futuros por parte da convivente, não se tratando, portanto, como inicialmente imaginei, de ajuste realizado ao final da relação, que se diz ter ocorrido pouco antes do ajuizamento da ação, ocorrido em maio/16 (inicial, fl. 11), em que seria válida e eficaz eventual renúncia1.

Como é consabido, os alimentos, além da natureza personalíssima, da transmissibilidade, da imprescritibilidade, da não solidariedade, da irretroatividade, da impenhorabilidade, da incompensabilidade e da irrepetibilidade, têm como característica a irrenunciabilidade (art. 1,707, CCB).

Nos alimentos entre cônjuges e companheiros, sua base jurídica está no dever de mútua assistência, de forma que, uma vez extinto o vínculo, não há mais causa jurídica a determiná-los.

Assim, só são devidos os alimentos após a ruptura da convivência, já que, durante a convivência, os conviventes têm direito à assistência recíproca, proporcional aos ganhos de cada um. Colaboração recíproca essa que, cessada a convivência, transmuda-se em alimentos.

Já os contratos de convivência visam à regulamentação da vida em comum dos contratantes, podendo neles as partes ajustar o necessário à perfeita harmonia da relação, mas desde que essas disposições não sejam contrárias ao direito, aos princípios gerais do direito.

Por isso, as cláusulas que afastam deveres tradicionalmente essenciais à vida conjugal não são admitidas, como bem adverte GUSTAVO TEPEDINO, realçando que, “no que tange aos deveres atinentes à solidariedade conjugal, como a mútua assistência, ou aos deveres decorrentes da autoridade parental, que alcançam às pessoas dos filhos, não ha dúvida quanto à sua indisponibilidade”2.

Em suma, não poderiam as partes contratar que o dever de mútua assistência não informaria a relação que mantinham; por isso, de ser desconsiderado, por completo, o ajuste de renúncia a futuros alimentos.

Sendo assim, dou provimento ao recurso, para fixar a verba alimentícia provisória reclamada, adotando, para tanto, a sugestão do em. Procurador de Justiça, Dr. RICARDO VAZ SEELIG:

No presente caso, tocante às necessidades, ainda que em sede de cognição sumária, é possível verificar verossimilhança nas alegações referentes à dependência econômica da agravada e sua vulnerabilidade, havendo notícias de agressões sofridas seja por parte do requerido, seja por parte de seu filho (BO da fl. 19).

ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao agravo de instrumento, fixando os alimentos em 30% do salário mínimo, mediante depósito em conta, até o dia 10 de cada mês.

Outrossim, no contrato de união estável, enquanto Maria Cristina qualificara-se como “do lar”, o varão qualificou- se como “aposentado e agricultor”, de modo que, em tese, tem condições de contribuir para seu sustento com o valor postulado de 30% do salário mínimo, ainda que de forma temporária, até que a autora consiga ingressar no mercado de trabalho.

DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE)

Estamos em uma ação de alimentos proposta por MARIA contra CÁCIO. Na inicial a autora pediu alimentos provisórios no valor correspondente a 30% do salário mínimo.

Esse pedido foi de plano indeferido pelo juízo de origem mui principalmente porque as partes renunciaram reciprocamente aos alimentos por meio de um pacto de convivência assinado em 2009 (fls. 17/18).

Nesse pacto há uma cláusula onde está escrito que os conviventes “renunciam de forma irretratável, a qualquer ajuda material, a título de alimentos, em caso de extinção do presente contrato, por quaisquer de suas formas, resguardando o direito dos filhos comuns porventura existentes.”

Agora, no agravo, a autora quer a fixação dos alimentos.

Com a devida venia, a existência dessa cláusula no pacto de convivência não pode ser impeditiva da pretensão da agravante.

Ao primeiro, penso que se trata de renúncia a direito que estava sujeito a condição suspensiva, qual seja, o fim do relacionamento. E, segundo o art. 1253 do Código Civil, direito sob condição suspensiva não se adquire até implemento da condição. Logo, não se pode renunciar a direito ainda inexistente.

O máximo que se pode retirar dessa cláusula é o sentido de que, até o momento de sua firmatura as partes não precisavam de alimentos uma da outra.

Agora, os acontecimentos que formaram o futuro do casal não podem ser apagados por conta de um pacto firmado num passado remoto.

Além disso, como bem disse o Ministério Público, “a renúncia como cláusula que regulamentará a relação após futura dissolução não pode ser  acolhida cegamente, mesmo porque são as condições ao tempo do rompimento da relação que devem nortear toda e qualquer decisão das partes sobre o tema, especialmente em razão do dever de mútua assistência.”

Por seguinte, apesar da ausência de melhores informações acerca das reais condições das partes, é possível vislumbrar que a agravante necessite mesmo dos alimentos e que o valor postulado não é elevado.

A esse respeito, bem pontuou o Ministério Público em seu parecer, ao referir que “em sede de cognição sumária, é possível verificar verossimilhança nas alegações referentes à dependência econômica da agravada e sua vulnerabilidade, havendo notícias de agressões sofridas seja por parte do requerido, seja por parte de seu filho (BO da fl. 19). Outrossim, no contrato de união estável, enquanto Maria Cristina qualificara-se como “do lar”, o varão qualificou-se como “aposentado e agricultor”, de modo que, em tese, tem condições de contribuir para seu sustento com o valor postulado de 30% do salário mínimo, ainda que de forma temporária, até que a autora consiga ingressar no mercado de trabalho. No decorrer da instrução, sobrevindo maiores elementos acerca da situação das partes, poderá o Juízo confirmar ou reverter tal decisão.”

ANTE O EXPOSTO, também dou provimento ao agravo de instrumento para fixar alimentos a serem pagos até o dia 10 de cada mês pelo agravado à agravante no valor correspondente a 30% do salário mínimo.

DES. RUI PORTANOVA – Presidente – Agravo de Instrumento nº 70070449038, Comarca de Lajeado: “POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.”

Julgador(a) de 1º Grau: LUIS ANTONIO DE ABREU JOHNSON

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1 Segundo significativa parcela da doutrina, v. g., Rolf Madaleno, Silvio Rodrigues, Francisco Cahali, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald e o Enunciado n.º 263 da III Jornada de Direito Civil: “O art. 1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da “união estável”. A irrenunciabilidade do direito a alimentos somente é admitida enquanto subsista vínculo de Direito de Família.

2 E mencionando ainda o escólio de Rolf Madaleno, no “Tratado de Direito das Famílias”, IBDFAM, Belo Horizonte, 2015, coord. de Rodrigo Pereira da Cunha, p. 478.

3 Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.