1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Doação com reserva de usufruto – Base de cálculo do ITCMD pelo valor venal do imóvel e não pelo valor de referência informado pela Prefeitura – Princípio da legalidade e da tipicidade tributária – Fiscalização do valor do imposto que extrapola o âmbito de atuação do Registrador – Dúvida improcedente.

Processo 1126705-61.2016.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

C. O. S. A. e outro

Dúvida – Registro de Doação com reserva de usufruto – base de cálculo do ITCMD pelo valor venal do imóvel e não pelo valor de referência informado pela Prefeitura – princípio da legalidade e da tipicidade tributária – fiscalização do valor do imposto que extrapola o âmbito de atuação do Registrador – Dúvida improcedente.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de A. J. S. A. e C. O. S. A., diante da negativa em se proceder ao registro de escrituras públicas de doação com reserva de usufruto, tendo como objeto os imóveis matriculados sob nºs 181.603, 194.563, 219.811, 167.755, 181.601, 181.602, 5.173, 181.599, 181.598, 181.600, 181.604 e 181.597.

O óbice registrário consiste na ausência de recolhimento da diferença do ITCMD, calculado sobre o valor venal, devendo ser adotado como base de cálculo o valor de referência informado pela Prefeitura de São Paulo, e a base de cálculo para pagamento dos emolumentos. Juntou documentos às fls.06/286.

Os suscitados aduzem que as exigências do Registrador extrapolam suas atribuições e competência, sendo que o valor do ITCMD é recolhido pela forma constante do site da Secretaria da Fazenda do Estado em função dos dados fornecidos pelos contribuintes, assim, sendo aceitos estes dados e expedidas as respectivas guias para pagamento, presume-se correta a forma de cálculo, sendo vedado ao Oficial questionar o montante recolhido. Argumentam que a base de cálculo do ITCMD é o valor de mercado do bem transmitido ou o valor venal do exercício constante do aviso do IPTU, sempre aquele que for maior, e que tal base não pode ser inferior ao valor venal para efeito de lançamento de IPTU. Questionam a constitucionalidade do Decreto Estadual 55.002/09 que determinou como base de cálculo do ITCMD o valor de referência (fls. 287/291).

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls.298/302).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Em que pesem os argumentos expostos pelo Registrador, entendo que as exigências deverão ser afastadas.

A transmissão da propriedade teve origem em doação, que determinou o recolhimento do imposto ITCMD, baseado no valor venal do imóvel, de acordo com o disposto no art. 9º da Lei Estadual 10.705/2000.

Não obstante estar pautado na legalidade o pagamento mencionado, foi aferido em nota de devolução óbice para o registro, determinando que o interessado complementasse o valor, com fundamento no Decreto do Estado de São Paulo nº 55.002/09, que se refere ao “valor venal de referência”.

Em que pese o entendimento do Oficial Registrador exposto em sua exordial, tal questão não é nova, e já vem sendo enfrentada pelos Tribunais. A alteração trazida pelo referido decreto, como devidamente salientado pelo Ministério Público, ofendeu o princípio da legalidade, uma vez que só poderia se dar na forma da lei.

Assim, como se infere do artigo 97, II, do Código Tributário Nacional, a majoração de tributo só é admitida por lei, sendo que o tributo só será instituído, ou aumentado, por esta via, com exceção das hipóteses previstas na Constituição Federal.

A lei que rege o imposto de transmissão causa mortis e doações no Estado de São Paulo é a Lei Estadual nº 10.705/00, com alterações da Lei nº 10.992/2001, que determina o quanto segue:

“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considerasse valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.(…)

Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:

I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU;

II – em se tratando de imóvel rural ou direito a ele relativo, ao valor total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR”.

Tem-se, portanto, que (I) a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem transmitido; (II) se considera valor venal o valor de mercado do bem na data da realização do ato ou contrato de doação e (III) no caso de imóvel urbano, o valor da base de cálculo não será inferior ao valor fixado para o lançamento do IPTU.

O Decreto Estadual nº 46.655/02, que regulamentava o recolhimento do imposto previsto na referida lei, foi alterado pelo Decreto Estadual nº 55.002/09, que prevê o uso do valor venal de bem imóvel como sendo o “valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis ITBI”.

O novo Decreto, portanto, possibilita que seja adotada base de cálculo diversa da estabelecida pela lei, com alteração do valor venal, o que nitidamente viola o princípio da legalidade.

Assim como também infere a Constituição Federal, em seu artigo 150, I:

Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça”.

A jurisprudência vem se posicionando favoravelmente aos suscitados em casos semelhantes:

“TRIBUTÁRIO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS (ITCMD) BASE DE CÁLCULO : A base de incidência do ITCMD, segundo a lei paulista de regência, é o valor venal do bem ou direito transmitido, assim se reputando o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão, com atualização monetária até a data do pagamento. Nãoprovimento da apelação.” (Apelação Cível nº 720.640-5-9 Relator: Desembargador Ricardo Dip j. 3.3.2008).”

“Ação ordinária. Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD). Fisco que atribui para os bens imóveis transmitidos valor de referência adotado pela legislação do ITBI, e notifica os contribuintes a recolher a diferença. Inadmissibilidade. Decreto regulamentador que não poderia inovar em relação à lei. Recurso improvido” (Apelação nº 0003355- 10.2010.8.26.0053, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Aroldo Viotti, j. 14/05/13).”

Mandado de Segurança Carência da ação Inocorrência – Impetração com o objetivo de afastar notificação que determina a retificação da declaração e pagamento de ITCMD para utilizar como base de cálculo o valor venal de referência do ITBI – Ato de efeitos concretos – Ausência de impugnação contra lei em tese – Mérito – A base de cálculo do ITCMD, no caso em apreço, deve ser o valor venal do imóvel lançado para fins de IPTU, seja em razão da ocorrência do fato gerador anterior ao Decreto 55.002/09, seja em razão da ilegalidade do referido diploma – Inteligência do art. 97, inciso II, §1º, do CTN e da Lei 10.705/2000 Sentença concessiva mantida – Recurso desprovido” (Apelação nº 0014312-70.2010.8.26.0053, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oscild de Lima Junior, j. 19/03/13).

Como leciona Alberto Xavier, no que concerne ao princípio da tipicidade tributária relacionada com a legalidade:

“é a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei, ou seja, sempre que se encontre construído por estritas considerações de segurança jurídica.” (XAVIER, 1972, p. 310).

Ressalto, ainda, que a função do Registrador é fiscalizar o efetivo recolhimento do imposto e não verificar o valor a ser recolhido, sobretudo quando existe questão controversa de direito envolvida. Tal posicionamento já foi firmado pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura:

“É certo que ao Oficial de Registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal do Oficial Delegado, e dentre estes impostos se encontra o ITCMD, cuja prova de recolhimento deve instruir o formal de partilha, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada.

Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor.”

Tal é o que se verifica “verbi gratia” do V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 28.382-0/7, da Comarca da Capital, em que figurou como relator o E. Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, cuja ementa é a seguinte:

“Registro de Imóveis – Dúvida – Formal de partilha extraído de autos de arrolamento – Verificação, pelo Oficial, de recolhimento de imposto, mas não de seu valor – Recurso provido.”

Outro não foi o entendimento adotado na Apelação Cível nº22.679-0/9, da Comarca da Capital, em que também figurou como relator o E. Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, cuja ementa é a que segue:

“Registro de Imóveis – Dúvida Imobiliária Imposto de Transmissão ‘mortis causa’ Fiscalização do pagamento pelo registrador Dever que se limita à averiguação do recolhimento, sem que possa indagar acerca do valor devido – Recurso provido”.

Logo, a dúvida imobiliária não é o procedimento próprio para discussão de valores do tributo relativo a transmissão de bens. Cumpre ao órgão publico, se for de seu interesse, promover a cobrança de eventual diferença.

Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de A. J. S. A. e C. O. S. A., e consequentemente determino o registro dos títulos apresentados.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 2 de fevereiro de 2017.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 08.02.2017 – SP)