1ª VRP|SP: Dúvida – Registro escritura de venda e compra – Ausência de apresentação da partilha dos bens do casal – Mancomunhão – Violação ao princípio da continuidade – Dúvida procedente.

Processo 1125840-38.2016.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

V. M.

Dúvida – Registro escritura de venda e compra – ausência de apresentação da partilha dos bens do casal – mancomunhão- violação ao princípio da continuidade – Dúvida procedente.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de V. M., diante da negativa em se proceder ao registro de escritura de venda e compra de parte ideal dos imóveis objeto das matrículas nºs 50.693 e 50.691.

O óbice registrário refere-se à ausência de prévia apresentação e registro da partilha dos bens do casal P. M. B. F. e G. B. R. M. B., tendo em vista que em razão da não divisão dos bens, permanecem eles em mancomunhão, consequentemente não é possível a disposição da metade ideal pelos ex cônjuges, sob pena de violação do principio da continuidade. Juntou documentos às fls.09/41. Não houve apresentação de impugnação, conforme certidão de fl.42.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.46/48).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Com razão o Oficial Registrador, bem como a D Promotora de Justiça.

De acordo com Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254). Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula.

Oportuno destacar, ainda, a lição de Narciso Orlandi Neto, para quem:

“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios” (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56).

Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, da Lei nº 6.015/73:

“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do titulo anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Conclui-se, assim, que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas se transmite o direito quem é o titular do direito.

No caso posto, conforme consta do registro nº 07 (fl.37), são proprietários tabulares do imóvel P. M. B. F. e G. B. R. M. B., na proporção de 50% e I. S. C. B., na proporção de 50%. Neste contexto, de acordo com as averbações nºs 8 e 9, P. e G. se divorciaram, todavia, não apresentaram a registro a partilha de bens, configurando com isso a denominada mancomunhão. Neste caso, como bem explana Philadelpho Azevedo: “Quando simultaneamente com o desquite não se faz a partilha dos bens, resta um período complementar, como acontece na herança, ou na sociedade que, depois de dissolvida, ainda entra em liquidação, fase que Carvalho de Mendonça chamava de agonia da sociedade, sem desaparecimento da personalidade jurídica”. (AZEVEDO. Philadelpho. Um triênio de judicatura. Direito de Família. São Paulo: Max Limonad, [19], p. 347, voto 143).

Como bem expôs o Registrador:

“A possibilidade de postergar a partilha para momento futuro pressupõe a existência de um estado jurídico diverso do condomínio comum, que surge após a partilha, à semelhança do que ocorre com os bens do espólio”.

Neste sentido, Flauzilino Araujo dos Santos pondera que:

”Avaliando que a comunhão decorrente do regime de bens é resultante da situação jurídica e não somente da pluralidade de pessoas parece-nos que findo o interesse econômico conjugal pela separação ou pelo divórcio, havendo partilha de bem imóvel, é de rigor seu registro como ato constitutivo, de sorte que eventuais interessados saibam qual foi o destino dado ao patrimônio do casal por ocasião da partilha. Parece-nos que a publicidade registral resultante de simples averbação de separação ou de divórcio, para fins de atualização do estado civil como é praticado nos Registros Imobiliários do Estado de São Paulo, em razão de decisões vinculantes, não tem a força de estabelecer o condomínio que só seria formado mediante partilha e consequente registro” . (SANTOS. Flauzilino Araújo dos. Condomínio e incorporações no Registro de Imóveis. São Paulo: Mirante, 2011, p.44, nota 2).

Tal questão foi recentemente decidida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“1. Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espécie, com um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se – apesar da oposição do recorrente quanto a incidência do instituto – a ocorrência de mancomunhão.

2. Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constara é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex cônjuges, à totalidade dos bens” (RESP nº 1.537.107/PR , Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJE. 25.11.2016).

Conclui-se daí que, sem a apresentação da partilha dos bens do casal, não há como averiguar se houve a divisão igualitária dos bens, continuando o acervo patrimonial em sua totalidade à disposição de ambos os cônjuges. A fim de se preservar o princípio da continuidade e da segurança jurídica que dos registros públicos se espera, entendo correto o óbice imposto pelo Registrador.

Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de V. M., e mantenho o entrave registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 01 de fevereiro de 2017.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 08.02.2017 – SP)