TJ|SP: Anulação de Testamento – Cerceamento de defesa Deserção afastada diante da concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita a um dos apelantes – Testemunha instrumentária impedida, por ser irmã de herdeira testamentária, nos termos do artigo 228, V, do Código Civil – Testamento deve observar as formalidades legais – Não há óbice legal para testemunhar no testamento primitivo, inexistente parentesco com os herdeiros testamentários – Reestabelecimento das disposições de última vontade – Sentença reformada Recurso provido.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2015.0000764750

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0003736-83.2013.8.26.0547, da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, em que são apelantes OSMAR JORGE FERNANDES (JUSTIÇA GRATUITA) e JACIRA APARECIDA RODRIGUES (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado ADRIANA FERNANDES DE GINO FAZIO.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ARALDO TELLES (Presidente sem voto), CESAR CIAMPOLINI E CARLOS ALBERTO GARBI.

São Paulo, 29 de setembro de 2015

J.B. PAULA LIMA

RELATOR

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO CÍVEL nº 0003736-83.2013.8.26.0547

Comarca: Santa Rita de Passa Quatro – SP (1ª Vara Judicial)

Apelante: Osmar Jorge Fernandes

Apelado: Adriana Fernandes de Gino Fazio

Voto nº 1886

ANULAÇÃO DE TESTAMENTO Cerceamento de defesa Deserção afastada diante da concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita a um dos apelantes – Testemunha instrumentária impedida, por ser irmã de herdeira testamentária, nos termos do artigo 228, V, do Código Civil – Testamento deve observar as formalidades legais – Não há óbice legal para testemunhar no testamento primitivo, inexistente parentesco com os herdeiros testamentários – Reestabelecimento das disposições de última vontade – Sentença reformada Recurso provido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado da sentença de fls. 180/184, cujo relatório ora se adota, que julgou improcedente o pedido de anulação de testamento, inventário e partilha.

Inconformados, aduzem os apelantes a nulidade do instrumento de última vontade do “de cujus”, por infringência do artigo 228, inciso V, do Código Civil, por ter servido como testemunha a irmã da única herdeira testamentária, violação do artigo 1865 do Código Civil, e captação dolosa da vontade da testadora.

Contrarrazões fls. 240/262.

É o relatório.

A consignar, inicialmente, inocorrência de deserção.

Em caso de litisconsórcio, em que um dos litisconsortes é beneficiário de gratuidade de justiça, o inadimplemento de um, relativo ao preparo, não pode gerar prejuízo ao outro.

Ausente o recolhimento do valor devido por OSMAR, prosseguir-se-á com a análise do recurso interposto, diante da concessão da gratuidade processual a JACIRA, respondendo o primeiro, em sucumbindo, por todas as custas e despesas processuais, inclusive as relativas ao preparo.

De acordo com o artigo 130 do Código de Processo Civil, caberá ao magistrado determinar as provas necessárias à instrução do processo, podendo indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

No caso concreto, o magistrado a quo entendeu desnecessária a produção de outras provas além daquelas constantes dos autos, não se apurando fato controverso e determinado a exigir instauração da fase probatória, como postula o apelante.

Por outro lado, o pronto julgamento prestigia o princípio da celeridade processual e o mandamento constitucional da duração razoável do processo.

Tampouco se vislumbra o descumprimento dos requisitos listados no artigo 458 do Código de Processo Civil, uma vez que a sentença proferida contém relatório das ocorrências processuais e fundamentos claros que nos levam à compreensão da decisão, não se identificando nulidade a macular o julgamento de primeiro grau.

Oportuna a transcrição jurisprudencial:

“NULIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA -Não caracterização – Julgamento antecipado da lide Presentes os requisitos do art. 458 do CPC – Possibilidade do juiz dispensar a produção de outras provas Princípio do livre convencimento motivado. Aplicação do art. 330, I do CPC – PRELIMINAR REJEITADA. ”(Apelação nº 0006381-60.2007.8.26.0428, 10ª Câmara, Relator Des. Elcio Trujillo, dj. 25/02/2014).

“Constante dos autos elementos de prova documental suficientes para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente acontrovérsia ” (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 111.249-GO, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. um., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em 24.9.96, DJ 17/3/97, pag. 7521).

Assim, não há que se falar em cerceamento de prova ou de defesa, impondo-se a rejeição das preliminares.

Os apelantes visam anulação do testamento de Juracy Camargo Guimarães, lavrado em 15/07/2009, alegando que a testadora não possuía discernimento mental para compreender o ato civil praticado, e, ainda, vício de forma, pois a testemunha ANDREIA FERNANDES DE GINO é irmã da única herdeira instituída, ora apelada.

No que se refere a alegação falta de discernimento da testadora, diante da idade avançada e prejuízo de memória, além da possibilidade de captação dolosa da vontade da testadora, o artigo 1860 do Código Civil traz rol taxativo daqueles impedidos de testar os incapazes, exceção feita aos maiores de dezesseis anos, e aqueles que, no momento do ato, não tenham pleno discernimento.

Porém, prova alguma confirma fosse a testadora incapaz, ou tenha cooptada sua vontade ao testar. Frisa-se que a senilidade não é, por si só, causa de incapacidade.

A idade avançada da testadora tampouco é circunstância determinante, nem sequer prova, de alienação mental.

Ademais, consta dos autos declarações dos médicos que atendiam a testadora, dando conta da plena capacidade desta, e, circunstância certificada pelo Notário incumbindo da lavratura, Delegado do Serviço Extrajudicial dotado de fé pública.

Por outro lado, o testamento é negócio jurídico unilateral, personalíssimo, solene, revogável, que possibilita a disposição de bens para depois da morte do testador, impondo o preenchimento de requisitos legais para sua validade e eficácia, sem os quais o ato será nulo.

Para a lavratura é exigida presença de, no mínimo duas testemunhas, denominadas instrumentárias, conforme disposto no artigo 1864, inciso II, do Código Civil.

A função da testemunha é verificar a autenticidade, seriedade e liberdade da manifestação da vontade do testador e se esta última foi fielmente reproduzida.

Nesse passo, dispõe o artigo 228 do código de Processo Civil que não poderão servir como testemunhas os menores de dezesseis anos, aqueles que por enfermidade ou retardamento mental não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil, os cegos e surdos quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltem; o interessado no litígio, amigo íntimo ou inimigo capital das partes; os cônjuges, descendentes, ascendentes e os colaterais até o terceiro grau de alguma das partes.

Tal restrição, imposta por lei, fundamenta-se no interesse direto ou indireto da pessoa indicada, que poderia conduzir a falta de isenção a respeito do que testemunhou, havendo risco de desvio da realidade.

Ressalta-se a omissão do Código Civil de 2002 a respeito dos específicos impedimentos das testemunhas testamentárias.

Portanto, caberá a aplicação da regra geral prevista no dispositivo legal retro invocado.

Conforme lição de Maria Berenice Dias: “a incapacidade da testemunha fere de morte o testamento. A sanção é de gravidade extrema, determinando a nulidade do ato que deixou de atender a um dos requisitos formais de validade.” (Manual das Sucessões, Ed. Revista dos Tribunais, 2013)

Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TESTAMENTO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. VÍCIOS DO ATO RECONHECIDOS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CAPACIDADE PARA TESTAR. AUSÊNCIA DE PLENO DISCERNIMENTO (CC/2002, ART. 1.860; CC/1916, ART. 1.627). TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS.INIDONEIDADE (CC/2002, ART. 228; CC/1916, ART. 1.650). CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. INSUCESSO DO APELO ESPECIAL. QUESTÃO PREJUDICADA. 1. O testamento público exige, para sua validade, que sua lavratura seja realizada por tabelião ou seu substituto legal, na presença do testador e de duas testemunhas que, após leitura em voz alta, deverão assinar o instrumento. (…). 3. Nos termos do art. 228, IV e V, do Código Civil vigente (CC/1916, art. 1.650 ), não podem ser admitidos como testemunhas o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes, bem como os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade. In casu, houve violação dos referidos dispositivos legais, na medida em que o testamento público teve como testemunhas um amigo íntimo e a nora da única beneficiária da disposição de última vontade. (…). 7. Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp 1155641/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 28/09/2012)

“DIREITO CIVIL E SUCESSÓRIO. APLICAÇÃO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. TESTAMENTO. VALIDADE. PARENTES DE LEGATÁRIO QUE FIGURARAM COMO TESTEMUNHAS DO ATO DE DISPOSIÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1.650, DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na hipótese, não há se falar em interpretação da lei, mas sim em integração mediante analogia, que, conforme ensina Vicente Rao “consiste na aplicação dos princípios extraídos da norma existente a casos outros que não os expressamente contemplados, mas cuja diferença em relação a estes, não seja essencial;” (O Direito e a vida dos direitos, 3ª edição, São Paulo. Revista dos Tribunais, 1991, p.458/460). 2. O testamento é um negócio jurídico, unilateral, personalíssimo, solene, revogável, que possibilita à pessoa dispor de seus bens para depois de sua morte. justamente por essas características, tanto se faz necessário observar o preenchimento de todos os seus requisitos legais para conceder-lhe validade. 2. A enumeração contida no artigo 1.650, nos incisos I, II e III, refere-se aos incapazes e, nos incisos IV e V, àqueles que são beneficiários, diretos ou indiretos, do testamento. O legislador busca proteger a higidez e a validade da disposição testamentária, vedando como testemunhas os incapazes e os que têm interesse no ato. 3. A liberdade de testar encontra restrições estabelecidas na lei, porém esta não distingue, quanto às consequências jurídicas, a sucessão testamentária em relação aos legatários e herdeiros necessários. 4. Há o mesmo fundamento para a restrição de figurarem como testemunhas, no ato do testamento, os parentes do herdeiro instituído e do legatário: qual seja, o interesse direto ou indireto do beneficiário, em relação ao ato de disposição de vontade. inexiste diferença em relação às consequências para o herdeiro instituído e o legatário, por isso que a conclusão dedutiva é de que ao inciso V do artigo 1.650, do Código Civil de 1.916, deve se aplicar a mesma essência do inciso IV do dispositivo. 5. Nas palavras de Clovis Bevilaqua: “seria atribuir à lei a feia macula de uma grosseira inconsequência, supor que somente o cônjuge ou descendente, o ascendente e o irmão do herdeiro estão impedidos de ser testemunhas em testamento. o impedimento prevalece em relação ao cônjuge e aos mencionados parentes do legatário.” (Código Civil do E.U.B., Vol. II, 6ª tiragem, Editora Rio, f. 848). 6. Recurso especial não conhecido”. (REsp 176.473/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 01/09/2008)

“CIVIL. TESTAMENTO PÚBLICO. ANULAÇÃO. 1. MANUSCRITO DESPROVIDO DA NECESSARIA FORMALIDADE, NÃO POSSUI O CONDÃO DE REVOGAR TESTAMENTO ANTERIOR, LAVRADO COM OBSERVANCIA DAS SOLENIDADES LEGAIS. 2. AS TESTEMUNHAS IMPEDIDAS DE PARTICIPAREM DO ATO SÃO AS RESULTANTES DE PARENTESCO POR CONSANGUINIDADE, NÃO AS POR AFINIDADE. 3. AUSENCIA DE CONTRARIEDADE A LEI FEDERAL. 4. DISSIDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDO. 5. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO”. (REsp 7.197/MS, Rel. Ministro BUENO DE SOUZA, QUARTA TURMA, julgado em 07/06/1995, DJ 23/10/1995, p. 35674)

Portanto, o testemunho prestado por Andréia, irmã da apelada, implica em violação de formalidade essencial ao ato testamentário, razão pela qual de rigor a decretação de nulidade do testamento lavrado em 2009, posto que a única herdeira testamentária é a apelada, e, com a eliminação da mencionada testemunha, o número resta inferior ao mínimo exigido pelo Código Civil para a forma testamentária eleita.

Entretanto, a respeito do testamento lavrado em 2005 não há que se falar em nulidade do ato.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se inclina pelo aproveitamento do testamento quando, não obstante certos vícios formais, a essência do ato se mantém íntegra.

Nesta esteira, pese ANDREIA também ter servido de testemunha no primeiro testamento, impedimento algum se verifica, em cotejo com o artigo 228 do Código Civil, visto que os beneficiários daquele testamento nenhum vínculo parental têm com aquela testemunha instrumentária.

Esse é o posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“CIVIL. SUCESSÃO. TESTAMENTO. FORMALIDADES. EXTENSÃO. O testamento é um ato solene que deve submeter-se a numerosas formalidades que não podem ser descuradas ou postergadas, sob pena de nulidade. Mas todas essas formalidades não podem ser consagradas de modo exacerbado, pois a sua exigibilidade deve ser acentuada ou minorada em razão da preservação dos dois valores a que elas se destinam – razão mesma de ser do testamento – na seguinte ordem de importância: o primeiro, para assegurar a vontade do testador, que já não poderá mais, após o seu falecimento, por óbvio, confirmar a sua vontade ou corrigir distorções, nem explicitar o seu querer que possa ter sido expresso de forma obscura ou confusa; o segundo, para proteger o direito dos herdeiros do testador, sobretudo dos seus filhos. Recurso não conhecido. (REsp 302.767/PR, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2001, DJ 24/09/2001, p. 313)

Observado o disposto acima, de rigor a decretação de nulidade do testamento lavrado em 15/07/2009, prevalecendo o anterior, em 13/04/2005, declarada a nulidade da cláusula em benefício de ADRIANA.

Por derradeiro, para evitar a costumeira oposição de embargos declaratórios voltados ao prequestionamento, tenho por expressamente ventilados, neste grau de jurisdição, todos os dispositivos constitucionais e legais citados em sede recursal. Vale lembrar que a função do juiz é decidir a lide e apontar, direta e objetivamente, os fundamentos que, para julgar, pareceram-lhe suficientes. Não é necessário apreciar todos os argumentos deduzidos pelas partes, um a um, como que respondendo a um questionário (STF, RT 703/226; STJ-Corte Especial, RSTJ 157/27 e, ainda, EDcl no REsp 161.419). Sobre o tema, confiram-se também: EDcl no REsp 497.941, FRANCIULLI NETTO; EDcl no AgRg no Ag 522.074, DENISE ARRUDA.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para ANULAR o ato testamentário lavrado em 15/07/2009, prevalecendo as disposições do testamento elaborado em 13/04/2005, invertendo-se os ônus da sucumbência, com a ressalva de que a apelada é beneficiárias da assistência judiciária gratuita.

J.B. PAULA LIMA

RELATOR