1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de formal de partilha e cessão de direitos hereditários – Falta de apresentação de documentação original – Ofensa ao princípio da especialidade subjetiva – Qualificação segundo as regras vigentes à época do registro (princípio “tempus regit actum”) – Dúvida procedente.

Processo 1033930-27.2016.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis

A. F. V. R.

Dúvida – registro de formal de partilha e cessão de direitos hereditários – falta de apresentação de documentação original – ofensa ao princípio da especialidade subjetiva – qualificação segundo as regras vigentes à época do registro (princípio “tempus regit actum”) – dúvida procedente.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de A. F. V. R., M. N. R. I. e I. V. R. de A., diante da negativa de registro de formal de partilha dos bens deixados por S. de M. R., expedido pelo MMº Juízo da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional IV – Lapa, nos autos da Ação de Inventário e Partilha (processo nº 0759671-38.1999.8.26.0004).

Os óbices consistem: a) na necessidade da apresentação da documentação original da escritura de promessa de cessão; b) necessidade de apresentação das cópias autenticadas dos documentos de identidade (RG e CPF), de A. I. de A. e sua esposa L. de G. A. com S. de M. e R. e R. L. V., bem como as certidões de casamento atualizadas. Juntou documentação às fls. 3/116.

Irresignados os suscitados apresentaram intempestivamente impugnação às fls. 121/127.

Alegam que são desnecessários os documentos exigidos, uma vez que formalizaram a escritura de promessa de cessão, sendo inviável o cumprimento das exigências acima mencionada, por não possuírem conhecimento da data e do cartório onde foi lavrada a certidão de casamento do cedente A. I. de A.. Salientam que o negócio jurídico de deu há 51 anos, o que se presume o falecimento dos cedentes, além de não haver contato entre as partes. Juntaram documentos às fls. 131/242. Em relação ao primeiro óbice, este se encontra superado pela apresentação da via original da escritura de cessão, conforme informações do Registrador (fl.266), prevalecendo os demais.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 243/245 e 270).

É o relatório. Decido.

Com razão o Oficial e a Douta Promotora de Justiça. Primeiramente ressalto que a impugnação ofertada em juízo (fls.121/127), será desconsiderada para fins de julgamento, já que intempestiva. Feita esta consideração passo a análise do mérito.

Superado o primeiro óbice registrário referente à apresentação da via original da escritura de promessa de cessão, resta a análise acerca da necessidade das cópias autenticadas dos documentos de identidade (RG e CPF) de A. I. de A. e sua esposa L. de G. A. com S. de M. e R. e R. L. V., bem como as certidões de casamento atualizadas. Em que pesem as alegações dos suscitados sobre o desconhecimento da data e do cartório em que foi lavrado o assento de casamento dos cedentes (A. I. de A e L. de G. A.), bem como o prazo da celebração do negócio jurídico entabulado entre as partes, entendo ser imprescindível a apresentação de documentos que os qualifique, especialmente a certidão de casamento.

Isto porque, conforme bem exposto pela Douta Promotora de Justiça à fl.245, dependendo do regime matrimonial de bens e possível alteração do estado civil do cedente, repercutirá na titularidade do direito de propriedade. Ora, a falta da qualificação dos transmitentes viola o princípio da segurança jurídica que norteia os atos registrários, gerando dúvida em relação à real identidade deles. E ainda, em consonância com o principio da especialidade subjetiva, que norteia os atos registrários, prevista no artigo 176, II, 4, a e b e artigo 176, III, 2, a e b, deve haver a qualificação da esposa e do regime de bens, sendo que a simples violação a este principio já afasta a pretensão de registro.

Nessa linha, não é possível o ingresso no fólio real de descrição dissociada da realidade fática, porquanto o juízo positivo dessa situação pode redundar no reconhecimento de futuros direitos ou ser utilizado como meio de prova em razão das finalidades do registro público imobiliário.

Por fim, a alegação dos suscitados de que o negócio jurídico foi realizado há mais de 51 anos, atendendo as exigências registrárias daquela época, encontra-se totalmente destituída de fundamento em virtude do princípio “tempus regit actum”, segundo o qual o título é qualificado pelo Oficial do registro de imóveis segundo as regras vigentes ao tempo em que a inscrição (lato sensu) foi rogada, ainda que se haja constituído antes da vigência da Lei de Registros Públicos atual.

O Conselho Superior da Magistratura tem considerado que, para fins de registro, não importa o momento da celebração do contrato, em atenção ao princípio “tempus regit actum”, sujeitando-se o título à lei vigente ao tempo de sua apresentação (Apelação Cível nº, 115-6/7, rel. José Mário Antonio Cardinale, nº 777-6/7, rel. Ruy Camilo, nº 530-6/0, rel. Gilberto Passos de Freitas, e, mais recentemente, nº 0004535-52.2011.8.26.0562, relatada por V. Exa.).

Vale anotar a sugestão dada pela Douta Promotora de Justiça para solução da questão posta a desate, com a formulação de ação de usucapião, ante o lapso temporal.

Diante do exposto julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de A. F. V. R., M. N. R. I. e I. V. R. de A., mantendo o segundo óbice.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 09 de agosto de 2016

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 15.08.2016 – SP)