STJ: Civil e processo civil – Recurso especial – Usucapião – Domínio público – Enfiteuse – É possível reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tinha sido, anteriormente, instituída enfiteuse, pois, nesta circunstância, existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não trazendo qualquer prejuízo ao Estado – Recurso especial não conhecido.

RECURSO ESPECIAL Nº 575.572 – RS (2003/0149533-9)

RELATORA:  MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: ROSALINO GONCALVES DOS SANTOS E OUTRO

ADVOGADO: LUIZ ANTÔNIO BARBARA DIAS

EMENTA

Civil e processo civil. Recurso especial. Usucapião. Domínio público. Enfiteuse. É possível reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tinha sido, anteriormente, instituída enfiteuse, pois, nesta circunstância, existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não trazendo qualquer prejuízo ao Estado. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por maioria, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Votou vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler. Os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília (DF), 06 de setembro de 2005 (data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

Recurso especial interposto pela UNIÃO, com fundamento na alínea “a” do permissivo  constitucional.

Ação: usucapião de imóvel pertencente à União.

Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido para declarar o usucapião somente sob o domínio útil do imóvel objeto da demanda.

Acórdão: negou provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação interposto pela União, nos termos da ementa que se segue:

“USUCAPIÃO. DOMÍNIO DIRETO E DOMÍNIO ÚTIL. DESMEMBRAMENTO . POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ENFITEUSE. ADMISSIBILIDADE.

1. É possível o desmembramento do pedido de usucapião, de modo que possa ser verificada a possibilidade de aquisição da propriedade plena e do domínio útil.

2. É viável o usucapião do domínio útil de bem que se encontra sob o regime de enfiteuse, permanecendo a União Federal com o domínio direto.

3. Precedentes do E. STJ e desta Corte.

4. Apelação e remessa oficial improvidas” (fls. 173).

Embargos de declaração: rejeitados.

Recurso especial: alegou-se violação:

a) ao art. 535 do CPC;

b) ao art. 200 do Decreto-Lei 9.760/46, sustentando a impossibilidade de usucapião do domínio útil de imóvel pertencente a União. Argumentou, neste ponto, que “se não é admissível usucapião do domínio útil em enfiteuses particulares, muito menos quando se trata de bem público” .

Às fls. 216 e 217, decisão admitindo o especial, e às fls. 224 a 228, parecer do Ministério Público Federal opinando pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

a) Da alegada violação ao art. 535 do CPC

A recorrente deixou de indicar omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF, tornando inviável a apreciação deste ponto do recurso especial.

b) Do usucapião – art. 200 do Decreto-Lei 9.760/46

Discute-se a possibilidade de reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual foi instituída enfiteuse.

Na hipótese sob julgamento, foi constituída, em favor de um particular, enfiteuse perpétua sob imóvel pertencente à União. Os recorridos, alegando ocupação ininterrupta do referido imóvel por mais de vinte anos, postularam a declaração de usucapião.

O Tribunal de origem entendeu ser possível o desmembramento do pedido para reconhecer a usucapião somente em relação ao domínio útil do imóvel, sob o fundamento de que a União, na qualidade de senhorio direto, continuaria mantendo a propriedade do bem.

A Quarta Turma deste Tribunal já se manifestou sobre a matéria e admitiu o usucapião do domínio útil de bem público que já era foreiro. Precedentes neste sentido: Resp 154123, da relatoria do e. Min. Barros Monteiro, pub. no DJ de 23.08.1999 e Resp 507798, da relatoria do e. Min. Aldir Passarinho Junior, pub. no DJ de 03.05.2004.

Há apenas um julgado desta Terceira Turma que discutiu o tema e adotou o mesmo posicionamento (Resp 10986, da relatoria do e. Min. Eduardo Ribeiro). Contudo, levando em conta que este é o único julgado desta Turma e que foi publicado em 1992, relevante trazer à baila novamente a discussão.

Antes de tratar da questão central do recurso especial em exame, necessário debater a possibilidade da usucapião sobre enfiteuse.

Luís Marinoni, em artigo entitulado “O usucapião de enfiteuse sobre bem público”, publicado na Revista de Processo, transcreveu os ensinamentos de Carvalho Santos sobre a matéria:

“(…) o usucapião, no sistema do nosso Direito, tanto pode recair sobre a propriedade, como igualmente  sobre direitos  desmembrados da propriedade, com as servidões, etc. O essencial é que um terreno seja possuído com o ânimo de sobre ele se ter o direito enfitêutico,  isto  é,  gozando com aquela extensão e daquela maneira peculiar a tal direito”.

Superada esta questão preliminar, resta saber se a restrição instituída pelo art. 200 do Decreto-Lei 9.760/46 inviabiliza também o usucapião do domínio útil de imóvel pertencente à União.

Com a constituição da enfiteuse sobre o imóvel público, o detentor do domínio útil passou a ser o particular, na qualidade de enfiteuta ou foreiro.

O reconhecimento da usucapião sobre o domínio público, portanto, não afetará a União, que terá sua situação inalterada. A enfiteuse em favor do usucapiente se fará contra o particular até então enfiteuta e não contra a União que continuará como nua-proprietária.

Haverá somente a modificação da pessoa do enfiteuta, com a substituição do particular que inicialmente obteve da União o direito de enfiteuse por aquele que o adquiriu por meio de usucapião.

A vedação legal de declarar usucapião sobre imóvel pertencente à União objetiva proteger a propriedade do Estado, que, na hipótese sob julgamento, como já esclarecido, permanecerá inalterada, pois o objeto da prescrição aquisitiva será somente o domínio útil, que já não pertencia à União desde o momento em que foi instituída a enfiteuse sobre o bem.

Para corroborar com o posicionamento ora defendido observe-se a conclusão de Luís Marinoni apresentada no artigo já referido:

“Em se tratando de bem público, na hipótese de imóvel foreiro, nada impede o usucapião da enfiteuse, pois que existe apenas a substituição do enfiteuta, permanecendo a pessoa jurídica de direito público na situação de nu-proprietária, a qual resta inabalada”.

Forte em tais razões, não conheço do recurso especial.

TERCEIRA TURMA – 6.9.2005 VOTO VENCIDO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER:

Sra. Ministra Relatora, data venia, fico vencido.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2003/0149533-9          REsp 575572 / RS

Número  Origem: 9504414915

PAUTA: 07/06/2005        JULGADO: 06/09/2005

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidenta da Sessão

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA

Secretário

Bel. MARCELO FREITAS DIAS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: ROSALINO GONCALVES DOS SANTOS E OUTRO

ADVOGADO: LUIZ ANTÔNIO BARBARA DIAS

ASSUNTO: Civil – Direito das Coisas – Propriedade – Usucapião

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por maioria, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.Votou vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler. Os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 06  de setembro  de 2005

MARCELO FREITAS DIAS

Secretário