1ª VRP|SP: Registro de Instrumento particular de compromisso de cessão de direitos – Violação ao princípio da continuidade e legalidade – Necessidade de prévio registro da incorporação imobiliária – Alegações relativas ao descumprimento contratual da incorporadora devem ser arguidas perante o juízo competente – Não exigência da certidão negativa de débitos fiscais (CND) – Dúvida parcialmente procedente.

Processo 1035964-72.2016.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis – P. E. N. M.

Registro de Instrumento particular de compromisso de cessão de direitos – violação ao princípio da continuidade e legalidade – Necessidade de prévio registro da incorporação imobiliária – Alegações relativas ao descumprimento contratual da incorporadora devem ser arguidas perante o juízo competente – Não exigência da certidão negativa de débitos fiscais (CND) – Dúvida parcialmente procedente.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de P. E. N. M., diante da negativa em se proceder ao registro do instrumento particular de compromisso de cessão de direitos pelo qual a Construtora e Incorporadora Atlântica comprometeu-se a vender dois apartamentos (nºs 51/52) de um futuro empreendimento imobiliário, na Rua Casa do Ator nº 228/232.

Os óbices registrários referem-se:

a) registro dos títulos aquisitivos em nome da transmitente;

b) memorial da incorporação do edifício onde se localizam as unidades em questão;

c) representação da incorporadora;

d) certidão negativa de débitos fiscais (CND).

Juntou documentos às fls.03/99.

Insurge-se o suscitado contra os óbices impostos, invocando o Código de Defesa do Consumidor, que se sobreporia às normas de direito registrário.

Argumenta que não há fundamento legal para prova da representação da promitente vendedora no contrato apresentado a registro, bem como da certidão negativa de tributos.

Não apresentou impugnação em Juízo (certidão – fl.100).

Houve manifestação do Oficial (fls.111/112), reiterando os entraves mencionados.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, cito ensinamento de Luiz Guilherme Loureiro:

“O registro de imóveis é fundamentalmente um instrumento de publicidade, portanto, é necessário que as informações nele contidas coincidam com a realidade para que não se converta em elemento de difusão de inexatidões e fonte de insegurança jurídica.” (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e Prática. 2. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 230.)”

Pois bem. O título que se pretende registrar (fls.59/63) trata de compromisso de cessão das unidades autônomas nºs 51 e 52 do empreendimento a ser realizado na Rua Casa do Ator. A Lei de Registros Públicos em seu artigo 195 estabelece que “se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”, portanto, não existe a possibilidade de se proceder ao registro ignorando a encadeamento de proprietários, fato que se observa aqui, uma vez que os bens, os quais se pretende proceder ao registro, encontram-se sob propriedade diversa daquele constante no instrumento que se levou ao registro.

Ademais, é importante que se suceda a incorporação imobiliária por parte da Construtora e Incorporadora Atlântica, uma vez que não observada essa etapa, conforme pode-se depreender das matrículas dos mencionados imóveis, fica impossível a negociação das unidades autônomas, por estas ainda não estarem regularmente constituídas.

Quanto a necessidade da apresentação das CNDs, acompanho o entendimento do MM Juiz Josúe Modesto Passos, que em decisão proferida à frente desta 1ª Vara de Registros Públicos, declarou que, no que diz respeito à sua convicção pessoal, “no juízo administrativo não cabe aplicar a inconstitucionalidade declarada sobre a Lei 7.711, de 22 de setembro de 1988, art. 1º, I, III e IV, e §§ 11º-3º (cf. ações diretas de inconstitucionalidade 173-6 e 394-1) para, por identidade de razão, dar por inconstitucional a Lei 8.212/1991, art. 47, I, b. Além disso, na arguição 0139256-75.2011.8.26.0000 foi declarada apenas a inconstitucionalidade da Lei 8.212/1991, art. 47, I, d, e – repita-se – na via administrativa não há estender a eficácia dessa decisão também para o art. 47, I, b. Finalmente, as NSCGJ, II, XIV, 59.2, são de alcance algo duvidoso, porque dispensam os tabelionatos (frise-se) de exigir as certidões para a lavratura de escrituras públicas de negócios jurídicos concernentes a direitos reais imobiliários, é verdade; porém, as próprias NSCGJ não puseram dispensa semelhante em favor dos ofícios de registro de imóveis, mesmo na redação dada pelo Provimento CG 37, de 26 de novembro de 2013, em vigor a partir de 28 de janeiro de 2014”.

De resto, já decidiu o E. Tribunal de Justiça (apelação 0015621-88.2011.8.26.0604 – Sumaré, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ricardo Dip, j. 22.01.2013): À falta de declaração judicial expressa de que a Lei nº 8.212/1991 padeça de inconstitucionalidade, não pode o Registrador de imóveis estender-lhe a fulminação que afligiu a Lei nº 7.711/1988. Frise-se, além disso, que o art. 48 da Lei nº 8.212, de 1991, enuncia que o registrador é solidariamente responsável pela prática de atos com inobservância de seu art. 47:

“Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos. (…) § 3º O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível.”

Note-se que nesse aresto ficou aventada a possibilidade de a corregedoria permanente (e, por maior força de razão, a Corregedoria Geral) dispensar as certidões, mas somente nos casos de difficultas praestandi, de absoluta impossibilidade de satisfazer a exigência (Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – LRP/1973, art. 198, verbis “ou não a podendo satisfazer”) – e não de modo geral e abstrato.”

Feitas essas observações, é necessário, porém observar que, justamente porque aqui se trata de um juízo administrativo, não há liberdade senão para cumprir o que tenham decidido as autoridades superiores, i. e., a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) e o Conselho Superior da Magistratura (CSM) – as quais, é bom ver, desde o julgamento da Apel. Cív. 0003435-42.2011.8.26.0116, em 13.12.2012 (DJ 30.01.2013), mandam que se dispensem as certidões negativas de dívidas tributárias federais e previdenciárias federais.

Nesse sentido, confiram-se: (a) para a CGJ: Proc. 62.779/2013, j. 30/07/2013, DJ 07/08/2013; e Proc. 100.270/2012, j. 14/01/2013 (b) para o CSM: as Ap. Cív. 0015705-56.2012.8.26.0248, j. 06.11.2013, DJ 06.11.2013; 9000004- 83.2011.8.26.0296, j. 26.09.2013, DJ 14.11.2013; 0006907-12.2012.8.26.0344, 23.05.2013, DJ 26.06.2013; 0013693- 47.2012.8.26.0320, j 18.04.2013, DJ 24.05.2013; 0019260-93.2011.8.26.0223, j. 18.04.2013, DJ 24.05.2013; 0021311- 24.2012.8.26.0100, j. 17.01.2013, DJ 21.03.2013; 0013759-77.2012.8.26.0562, j. 17.01.2013, DJ 21.03.2013; 0018870-06.2011.8.26.0068, j. 13.12.2012, DJ 26.02.2013; 9000003-22.2009.8.26.0441, j. 13.12.2012, DJ 27.02.2013; 0003611- 12.2012.8.26.0625, j. 13.12.2012, DJ 01.03.2013; e 0013479-23.2011.8.26.0019, j. 13.12.2012, DJ 30.01.2013.

Refuta-se as alegações do suscitado de que direito do consumidor poderia afastar formalidades atinentes aos registros públicos e a lei que os rege, sobretudo porque a relação consumerista se dá entre o consumidor e o fornecedor do serviço ou mercadoria, na esfera dos direitos das obrigações, enquanto os registros trazem uma presunção de verdade perante toda a sociedade, relativa a direitos reais. Justamente devido a importância que o registro tem, sobretudo seu efeito erga omnes, constar ali direito sobre edifício inexistente traria clara insegurança jurídica.

Portanto, os problemas alegados relativos à incorporadora devem ser arguidos perante juízo competente, para se apurar ali a responsabilidade civil pela quebra contratual, ou até mesmo obter ordem judicial para o cumprimento da obrigação de realizar o registro da incorporação, não havendo qualquer solução possível neste Juízo Corregedor até que o requisito legal da continuidade seja cumprido.

Feito o exposto julgo parcialmente procedente, a dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de P. E. N. M., afastando somente o último óbice, concernente a apresentação da certidão negativa de tributos.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 02 de agosto de 2016

Tânia Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 04.08.2016 – SP)