CGJ|SP: Registro de Imóveis – Proposta de supressão do item 125.2.1, do Capítulo XX e explicitação de que a averbação, na matrícula, no número de registro no CAR deve ser gratuita – Matéria bem delineada no regramento atual – Preservação da redação original do Provimento nº 09/2016 – Proposta rejeitada.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo nº 2013/100877

(138/2016-E)

Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de manifestação da FAESP – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo -, louvando a edição do Provimento n° 09/2016, mas solicitando a alteração ou a supressão do item 125.2.1 e a explicitação de que a averbação, na matrícula, no número de registro no CAR deve ser gratuita.

Passo a opinar.

Comecemos pelo segundo questionamento. Não há dúvida de que a averbação do número de inscrição no CAR deve ser gratuita. É o que se conclui da leitura conjunta dos itens 125, alínea b, 125.1 e 125.1.1, especialmente. Aliás, não haveria sentido impor a gratuidade à averbação da reserva legal e não a impor à averbação do número de inscrição no CAR.

Logo, sob esse aspecto, não há necessidade de alteração do provimento.

No que toca ao segundo ponto, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não há como alterar a redação do item 125.2.1, sob pena de se permitirem registros no CAR sem qualquer compromisso com a especialização da reserva legal, tornando-a oca de conteúdo.

A redação atual do item é a seguinte:

125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.

Na exposição de motivos que deu azo à alteração da redação do dispositivo, ficou consignado: é necessária a alteração da redação, para esclarecer aos Oficiais que, quando das retificações de registro ou quaisquer dos atos enumerados no item 125.2, só será exigida a comprovação da inscrição junto ao CAR /SICAR-SP, com averbação do respectivo número. De posse desse número de inscrição, o Oficial deverá acessar o cadastro e verificar se foi feita a especificação da reserva legal. O título só poderá ser qualificado negativamente se a especificação da reserva legal não houver sido feita perante o CAR/SICARSP.

A razão é evidente: se não houver especialização da reserva legal, perante o CAR, certamente não haverá posterior homologação pela autoridade ambiental. Como homologar a reserva legal florestal se ela não foi sequer especializada no imóvel? Portanto, repita-se: o que o Oficial deve fazer é, tão somente, verificar se foi feita a especialização. Ele só desqualificará o título se essa especialização não houver sido feita.

A questão foi muito bem analisada no julgamento da apelação n° 1000891-63.2015, cujo voto de Vossa Excelência deve ser transcrito, na parte pertinente:

“A regra do art. 12 da Lei nº 12.651/2012 impõe, sem dúvida, uma obrigação real de facere. Uma limitação administrativa voltada à tutela do meio ambiente, em sua dupla dimensão constitucional (art. 225, caput); como direito intergeracional e como tarefa estatal e comunitária. 1 Em sintonia com o art. 225, § 1º°, III, da CF2, conferindo-lhe concretude, dispôs que ‘todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal’, respeitando os percentuais mínimos definidos em seus dois incisos. Até aí nenhuma novidade. O art. 16 da Lei nº 4.771/1965 também previa uma obrigação propter rem (por causa da coisa) referente à reserva legal florestal.

O art. 3º, III, da Lei nº 12.651/2012, em termos semelhantes aos do regramento pretérito3, definiu reserva legal: ‘área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso económico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa’.

A reserva legal florestal, nessa linha, revela-se, por força de lei, condição para a propriedade rural cumprir sua função social, sua função socioambiental. E pressuposto da legitimidade do direito de propriedade rural.

Consoante o art. 186, I e II, da CF, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente são requisitos indispensáveis, ao lado de outros, previstos nos seus incs. III e IV, para o cumprimento da função social da propriedade rural.

A defesa do meio ambiente, aliás, é princípio da ordem económica constitucional.4 O § 1º do art. 1.228 do CC, por sua vez, determina que ‘o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades económicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o património histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.’

Dentro desse contexto, a área da reserva legal deve ser medida, demarcada e delimitada.5 Esses são deveres específicos, inerentes à obrigação propter rem relativa à reserva legal. Pressuposto da legítima exploração do bem imóvel rural e (particularmente) da área não atingida pela limitação legal, a especialização da reserva legal florestal é necessária à tutela ambiental, à fiscalização do cumprimento da lei pelos órgãos competentes e à segurança, das transações imobiliárias. Só assim é (e será) possível protegê-la, conservá-la.

A especialização da reserva legal no imóvel rural, confiada ao proprietário/possuidor, sob controle e aprovação dos órgãos ambientais estatais, é, portanto, imprescindível. Pouco importa, nesse ponto, o modo de aquisição da propriedade, irrelevante ao controle do cumprimento de sua função ecológica.

Isto é, a localização da reserva legal florestal é exigida ainda que a propriedade tenha sido adquirida via usucapião. É necessária, então, para obstar o fracionamento do espaço protegido, a destinação de área sem relevância ao meio ambiente e para aferir a observação de critérios definidos em lei.6

Contudo, essa especialização, no quadro legislativo atual, não deve necessariamente constar da matrícula do imóvel rural. A obrigatoriedade da averbação da reserva legal florestal, idealizada para torná-la pública (porquanto a inscrição não é constitutiva da proteção ambiental nem necessária a sua oponibilidade a terceiros), antes prevista na legislação revogada, no § 8º do art. 16 da Lei nº 4.771/19657, e ainda contemplada na Lei que dispõe a respeito de Registros Públicos8, comporta temperamento. A isso, aliás, conduz o diálogo entre fontes normativas, pois o § 4º do art. 18 da Lei nº 12.651/2012 ressalva que o registro da reserva legal no CAR desobriga a averbação em testilha.

A exigência dessa averbação (a predial), hoje, na realidade, porque implantado o CAR, é exceção, se considerado que, nos termos do art. 18, caput, da Lei nº 12.651/2012, a área da reserva legal deve ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR, o que, à luz do § 1º do dispositivo referido, supõe, em regra, a exibição de planta e de memorial descritivo indicando as coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração. Vale dizer: a diretriz normativa aponta para a facultatividade da averbação imobiliária.

A propósito, trata-se de adequada opção legislativa, se valoradas as diferenças entre cadastro e registro: aquele, o cadastro, e não este (o registro predial), é quem, precipuamente, deve servir à Administração como instrumento de monitoramento da arrecadação de tributos, cumprimento de funções administrativas e, especialmente no que ora interessa, de controle do acatamento das obrigações ambientais. No mais, ao invés da duplicidade de inscrições, mais relevante, nessa questão, é resguardar o fluxo de informações entre um e outro.

Isso particularmente ficou claro com a promulgação da Lei n° 12.651/2012, que, no seu artigo 29, caput, assentou: “é criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posse rurais, compondo base de dados para controle, monitor amento, planejamento ambiental e económico e combate ao desmatamento.’

Nada obstante, a desobrigação positivada no art. 18, § 4º, da Lei nº 12.651/2012 não se contenta com a mera inscrição do bem imóvel rural no CAR. Não basta a comprovação de sua realização; é necessário que se demonstre a especialização da reserva lesai. Por isso, compete ao Oficial, ao realizar o juízo de qualificação registral, apurar se a inscrição cadastral indicou, em atenção ao inc. III do § 1º do art. 29 da Lei nº 12.651/201210ou, conforme a dimensão do imóvel, ao art. 53 do Código Florestal11, a localização da reserva lesai florestal. Sua falta, consequentemente, justificará a recusa do título, orientada pelo princípio da legalidade.

Em outros termos: por ocasião do primeiro registro, da prática de atos registrais relacionados com a transmissão de domínio, desmembramento, retificação de área de bens imóveis rurais e outras inscrições modificativas da figura geodésica dos imóveis e, mormente, do registro de sentenças de usucapião, caberá ao Oficial apurar se, com a inscrição no CAR, houve registro da reserva legal, sem o qual o acesso do título ao fólio real ficará condicionado ou à regularização da situação perante o CAR, com complementação de informações e saneamento das pendências, ou à especialização da reserva legal junto à serventia predial.

Enfim, se, no CAR, inexistir informação relativa à reserva legal florestal, essa, porque limita o direito de propriedade, deve constar do registro de imóveis, em prestígio da segurança jurídica e do princípio da publicidade. E inclusive para permitir o cumprimento de obrigações ambientais decorrentes dessa limitação. Agora, a averbação da reserva legal será prescindível, bastando a do número de inscrição no CAR, se determinada, no cadastro, sua posição, seu lugar.” {grifei)

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto a Vossa Excelência, é no sentido de manter a redação original do Provimento nº 09/2016.

Sub censura.

São Paulo, 29 de junho de 2016

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

CONCLUSÃO

Em 29 de junho de 2016, faço estes autos conclusos ao Desembargador MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Eu,____ (____), Escrevente Técnico Judiciário do

GATJ 3, subscrevi.

Aprovo, pelas razões expostas, o parecer, mantendo o Provimento nº 09/16 tal como exarado.

Publique-se.

São Paulo, 29 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça

(DJe de 07.07.2016 – SP)

________________

1 Gilmar Mendes Ferreira; Inocêncio Mártires Coelho; Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.304.

2 Artigo 225. (…)

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…);

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (…).

3 O inc. III do § 2º do art. 1° da Lei nº 4.771/1965, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67/2001, assim conceituava a reserva legal: “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”.

4 Art. 170, V, da CF.

5 Luís Paulo Sirvinskas. Manual de Direito Ambiental. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 533.

6 O art. 14, caput, da Lei nº 12.651/2012, disciplina que “a localização da área de Reserva Legal no imóvel rural deverá levar em consideração os seguintes estudos e critérios: I – o plano de bacia hidrográfica; II – o Zoneamento Ecológico-Econômico; III – a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida; IV – as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e V – as áreas de maior fragilidade ambiental”, enquanto seu § 1º define que “o órgão estadual integrante do Sisnama ou instituição por ele habilitada deverá aprovar a especialização da Reserva Legal após a inclusão do imóvel no CAR, conforme o art. 29 desta Lei.”

7 Art.16. (…)

§ 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.

8 Art. 167, II, 22), da Lei nº 6.015/1973.

9 A respeito da distinção, conferir artigo de Marcelo Augusto Santana de Melo, O meio ambiente e o Registro de Imóveis, in Registro de imóveis e meio ambiente. Francisco de Asís Palácios Criado; Marcelo Augusto Santana de Melo; Sérgio Jacomino (coord.). São Paulo: Saraiva, 2010. p. 36-38.

10 Art. 29. (…)

§ 1º A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do possuidor ou proprietário: (…)

III – identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.

11 Art. 53. Para o registro no CAR da Reserva Legal, nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º, o proprietário ou possuidor apresentará os dados identificando a área proposta de Reserva Legal, cabendo aos órgãos competentes integrantes do Sisnama, ou instituição por ele habilitada, realizar a captação das respectivas coordenadas geográficas.

Parágrafo único. O registro da Reserva Legal nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º é gratuito, devendo o poder público prestar apoio técnico e jurídico.