CSM|SP: Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de escritura de compra e venda – Bens declarados indisponíveis – Impossibilidade de registro de alienação voluntária – Irrelevância de a decretação ter ocorrido depois da lavratura do negócio jurídico – Precedentes deste Conselho. Averbação de penhora de imóvel – Circunstância que não influi na alienabilidade do bem – Exigência afastada. Terreno de marinha – Propriedade da União – Exigência de apresentação de certidão expedida pela Secretaria do Patrimônio da União SP – cabimento – inteligência do artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87. Manutenção de duas das três exigências – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 3005706-69.2013.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que são partes é apelante ANTONIO BORBA DA SILVA, é apelado OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 2 de junho de 2016.

PEREIRA CALÇAS, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 3005706-69.2013.8.26.0223

Apelante: Antonio Borba da Silva

Apelado: Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa

Jurídica da Comarca de Guarujá

Voto nº 29.216

Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de escritura de compra e venda – Bens declarados indisponíveis – Impossibilidade de registro de alienação voluntária – Irrelevância de a decretação ter ocorrido depois da lavratura do negócio jurídico – Precedentes deste Conselho. Averbação de penhora de imóvel – Circunstância que não influi na alienabilidade do bem – Exigência afastada. Terreno de marinha – Propriedade da União – Exigência de apresentação de certidão expedida pela Secretaria do Patrimônio da União SP – cabimento – inteligência do artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87. Manutenção de duas das três exigências – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 78/79, que manteve a recusa do registro de escritura de compra e venda, cujo ingresso foi obstado por três motivos:

a) o patrimônio de um dos vendedores foi atingido por indisponibilidade de bens; b) o apartamento alienado foi penhorado; e c) um dos imóveis está localizado em terreno de marinha e não houve apresentação de Certidão Autorizativa de Transferência – CAT.

Sustenta o apelante: a) que não foi intimado da sentença prolatada, de modo que são nulos os atos que a sucederam; b) que a escritura de venda e compra foi lavrada antes da decretação da indisponibilidade do patrimônio do vendedor; c) que o registro não foi feito anteriormente por conta da demora na expedição da certidão do laudêmio (fls. 197/204).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 213/215).

É o relatório.

De início, nota-se que o recorrente só foi intimado da sentença que julgou procedente a dúvida após a expedição do ofício de fls. 81/82 (fls. 84/86 e 90), cujos termos dão a entender, de modo equivocado, que a decisão do Juiz Corregedor Permanente transitou em julgado.

No entanto, ainda que o Oficial, ao recepcionar o ofício de fls. 81/82, tenha cancelado a prenotação do título cuja qualificação aqui se analisa – informação que não consta nos autos – tal fato é irrelevante, pois o óbice ao registro da escritura, como se verá, será mantido.

Pretende o recorrente o registro de escritura de compra e venda dos imóveis matriculados sob os nºs 29.672 e 41.767 no Registro de Imóveis do Guarujá, lavrada em 1998, na qual constam como vendedores Miguel Angelo Saldanha Silva e Maria de Fátima Rodrigues Silva e como comprador Jair Gangi.

Três foram os óbices apresentados pelo Oficial para justificar a recusa do título: a) o patrimônio de um dos vendedores foi atingido por indisponibilidade de bens; b) o apartamento alienado foi penhorado; e c) um dos imóveis está localizado em terreno de marinha e não houve apresentação de Certidão Autorizativa de Transferência – CAT.

A primeira exigência realmente impede o ingresso da escritura.

Com efeito, Miguel Angelo Saldanha Silva, titular de domínio dos bens matriculados sob os nºs 29.672 e 41.767, possui quatro apontamentos de indisponibilidade de bens devidamente registrados no Livro de Indisponibilidade da Serventia Imobiliária do Guarujá (fls. 18/21), e averbados sob nº 14, 19, 20 e 21 na matrícula nº 29.672 e sob nº 8, 11, 12 e 13 na matrícula nº 41.767 (fls. 10/17).

Havendo indisponibilidade de bens decretada e averbada no registro dos imóveis, não há como se efetuar o registro da escritura de compra e venda.

E pouco importa que a escritura tenha sido lavrada antes da decretação da indisponibilidade de bens do proprietário.

Nesse sentido, sucessivos precedentes deste Conselho Superior:

“Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra – Cedente cujos bens foram declarados indisponíveis – Impossibilidade de registro de alienação voluntária – Irrelevância de a indisponibilidade ter sido decretada depois do negócio jurídico – Princípio do tempus regit actu – Dúvida procedente – Recurso desprovido” (Apelação nº 9000017-44.2013.8.26.0577, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 30/7/2015).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de Compra e Venda lavrada antes da averbação da indisponibilidade, mas apresentado a registro depois dela – Impossibilidade de registro até que a indisponibilidade seja cancelada por quem a decretou – Tempus regit actum – Precedentes do CSM – Recurso não provido” (Apelação nº 0015089-03.2012.8.26.0565, Rel. Des. Renato Nalini, j. em 23/8/2013).

A segunda exigência apresentada não se sustenta.

Isso porque a penhora do imóvel matriculado sob o nº 29.672 no Registro de Imóveis do Guarujá em ação trabalhista não impede sua alienação (Av. 18 fls. 13).

A penhora, no conceito de Marcus Vinícius Rios Gonçalves, “é um mecanismo processual que afeta um bem à futura expropriação em execução por quantia” (in Novo Curso de Direito Processual Civil, Saraiva, vol. 3, 3ª ed., pág. 134).

Essa função acautelatória, que visa resguardar o bem para a satisfação de um crédito, não torna, por si, o bem inalienável.

O ônus se torna público com a averbação da penhora, mas não impede a alienação do bem.

Finalmente, a terceira exigência também deve ser mantida.

A averbação nº 7 da matrícula nº 29.672 do Registro de Imóveis de Guarujá dá conta de que o imóvel lá descrito está localizado em “área de marinha”. De acordo com o artigo 20, VII, da CF e 49, § 3º, do ADCT os terrenos de marinha são de propriedade da União e sua exploração se dá por meio de enfiteuse, por meio da qual o particular explora economicamente o bem, obrigando-se a pagar um valor anual ao senhorio, denominado foro, e outro em caso de transferência do domínio útil, chamado de laudêmio.

Ao tratar da alienação de imóveis da União, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87 assim dispõe:

Art. 3º A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias.

(…)

§ 2º Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio:

I – sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União – SPU que declare:

a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos;

b) estar o transmitente em dia, perante o Patrimônio da União, com as obrigações relativas ao imóvel objeto da transferência; e

c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público;” (grifei)

Os termos do dispositivo acima transcrito são peremptórios: o registro da escritura pública de venda e compra do imóvel matriculado sob nº 29.672 no Registro de Imóveis de Guarujá dependia da apresentação da Certidão Autorizativa de Transferência, que nada mais é que o documento mencionado no artigo 3º, § 2º, I, do Decreto-Lei nº 2.398/87.

E nem se argumente que as Normas de Serviço da Corregedoria possibilitam a dispensa da certidão.

Com efeito, o item 119.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço preceitua que “Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais” (grifei).

Nota-se que a certidão expedida pela Secretaria do Patrimônio da União – SPU, na qual deve constar, entre outras informações, a prova do recolhimento do laudêmio, era mesmo exigível.

Assim, mantidos dois dos três óbices apresentados pelo Oficial, a decisão que julgou procedente a dúvida deve ser mantida.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 08.07.2016 – SP)