1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Cancelamento de Hipoteca – Sucessão – Sucessora legitimada a emitir quitação. Hipoteca e cédula hipotecária – Hipotecas com mais de trinta anos – Perempção. Dúvida inversa procedente.

Processo 1105598-92.2015.8.26.0100

Pedido de Providências

Registros Públicos

J. M. L. e outros – L. S. de C. I. S.A.

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por J. M. L., M. I. L. e O. C. L., em face da negativa do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital em efetuar o cancelamento de dois registros de hipoteca e de uma averbação de cédula hipotecária na matrícula nº 33.807.

Relatam os requerentes que, por carta de adjudicação expedida pelo MMº Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de São José do Rio Preto- SP (R.11), tornaram-se proprietários do imóvel localizado na Rua Desembargador Ferreira França nº 40, aptº 181 – Alto de Pinheiros. Consta da matrícula mencionada (R.02) hipoteca em favor de H. H. S. P. S/A de C. I., para garantia da dívida de Cr$  913.240,00 pagável por meio de 180 prestações mensais no valor de Cr$ 32.043,68, vencendo a primeira em 30 de julho de 1980, bem como inerente a essa hipoteca foi averbada sob nº 03 (AV.03), a emissão de cédula hipotecária do mesmo valor, tendo como favorecida a própria emitente.

Esclarecem ainda a existência de uma segunda hipoteca que grava a matrícula do imóvel em favor da empresa mencionada (R.04), para garantia da dívida de Cr$ 814.623,66, pagável por maio de 35 prestações mensais de Cr$ 24.973,30, vencendo a primeira em 30 de março de 1980 e 6 prestações semestrais de Cr$ 416.308,51, vencendo a primeira em 20 de julho de 1980, sendo que em relação a esta hipoteca não há averbação de cédula hipotecária.

Argumentam que as prestações contratadas em favor da requerida estão prescritas. Juntaram documentos às fls.14/25.

O Registrador apontou a existência das duas hipotecas sobre o imóvel, bem como que, em 10.10.2014, uma parte ideal correspondente a 50% do bem foi adjudicada aos requerentes e a parte ideal correspondente aos outros 50% do imóvel ao Condomínio Conjunto Residencial Pousada dos Bandeirantes (fl. 36).

Intimada, a credora hipotecária concordou com a liberação da constrição hipotecária que pende sobre o imóvel, encontram-se os documentos à disposição do mutuário C. L. T., ou quem ele indicar, na sede da empresa (fl.38).

O Ministério Público opinou pela procedência do pedido (fls.50 e 63).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Com razão o Douto Promotor de Justiça. Entendo não haver óbice ao cancelamento pretendido, isto porque a própria credora hipotecária apresentou a sua concordância em liberar as constrições que pendem sobre o imóvel em questão, fornecendo os documentos necessários a serem retirados em sua sede pelo mutuário, cumprindo assim o requisito previsto no artigo 251, I da Lei de Registros Públicos, segundo o qual:

“Art. 251: O Cancelamento da hipoteca só pode ser feito: I – à vista de autorização ou quitação, outorgada pelo credor ou seu sucessor, em instrumento público ou particular…”.

Ou seja, com a sucessão de empresas, basta a concordância da empresa sucessora L. S. de C. I. S/A para a liberação da garantia para que se possibilite o cancelamento. Além disso, verifico que as hipotecas foram registradas há mais de 30 (trinta anos), sendo facultado o cancelamento do gravame pela incidência de perempção. De acordo com o artigo 1.485 do CC:

“Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir”.

Neste contexto, de acordo com Francisco Eduardo Loureiro:

”O prazo de trinta anos é de natureza decadencial, de modo que não se aplicam as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas aplicáveis à prescrição. Escoado o prazo, a hipoteca se extingue de pleno direito, ainda que antes do cancelamento junto ao registro imobiliário, cujo efeito é meramente regularizatório, a ser pedido pelo interessado ao oficial. Não se confundem perempção da hipoteca com prescrição da pretensão da obrigação garantida. Disso decorre a possibilidade da perempção da garantia ocorrer antes da prescrição da obrigação garantida, que se converterá em quirografária (…)Ultrapassado o prazo fatal de trinta anos, somente subsiste a garantia real mediante novo contrato de hipoteca e novo registro imobiliário” (Código Civil Comentado, Ministro Cezar Peluso – coordenador; Barueri/SP: Manole, 2010, p. 1590).

Em relação ao cancelamento da Av.03, oriunda da emissão de cédula de crédito hipotecária, com razão o Registrador. Tendo em vista que as cédulas hipotecárias são títulos de crédito, possuem como características essenciais a literalidade, autonomia, abstração e cartularidade. Nos termos do artigo 234 do Decreto – Lei 70/66 que institui a cédula hipotecária:

”Art.24: O cancelamento da averbação da cédula hipotecária e da inscrição da hipoteca respectiva, quando se trate de liquidação integral desta, far-se-ão: I – à vista das cédulas hipotecárias devidamente quitadas, exibidas pelo devedor ao Oficial do Registro Geral de Imóveis;… II – por sentença judicial transitada em julgado”. Parágrafo Único: Se o devedor não possuir a cédula hipotecária quitada, poderá suprir a falta com a apresentação de declaração de quitação do emitente ou endossante em documento à parte”. As cédulas de crédito existem em função de um negócio jurídico anterior, estando a ele vinculadas.

Inobstante a regra estipulada no artigo supra mencionado, a hipótese em tela configura uma exceção. A averbação 03, referente a cédula da hipoteca nº 1035/80, Série “IC”, foi realizada em 25.11.1980, ou seja, há mais de trinta anos, e até a presente data não há notícia de que alguém tenha reclamado o valor da dívida.

Assim, pelo longo lapso temporal de emissão da cédula de crédito e pela probabilidade mínima de se causar dano a terceiro, pode ser mitigada a exigência do artigo 24 do Decreto Lei 70/66.

Logo, afasto os entraves levantados pelo Registrador para cancelamento dos gravames, bastando que os requerentes tragam a documentação emitida pela credora hipotecária para liberação da constrição.

Diante do exposto, julgo procedente o pedido de providências formulado por J. M. L., M. I. L., O. C. L., em face da negativa do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, e consequentemente determino o cancelamento do registro das duas hipotecas e da averbação da existência de cédula hipotecária que pendem sobre o imóvel.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de maio de 2016.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 17.05.2016 – SP)